E se… os Confederados tivessem vencido a Guerra da Secessão?
Os Estados Unidos hoje seriam duas nações independentes. A do Sul seria bem parecida com um país latino-americano
A Guerra Civil, como preferem chamá-la os norte-americanos, foi o conflito mais sangrento em que se envolveram os Estados Unidos. Durante seus quatro anos de duração, pereceram nos campos de batalha nada menos que 618 000 combatentes. Para se ter uma ideia, basta dizer que esse número supera a soma de todos os soldados de Tio Sam mortos nas duas guerras mundiais (125 000 e 322 000 mortos, respectivamente), na Guerra da Coreia (55 000) e na do Vietnã (57 000). Para piorar, os inimigos não eram estrangeiros, mas conterrâneos. De um lado estavam os Estados Confederados do Sul, que lutavam pela secessão – ou seja, pelo separatismo. Do outro, lutava a União Federativa – ou Estados Unidos da América – que queria manter o país intacto. Em jogo, o conflito entre duas sociedades bem diferentes: uma, agrária e escravocrata, do Sul; outra, urbana e industrializada, do Norte.
Quando se esgotaram as soluções políticas para tamanha discórdia, a guerra simplesmente estourou. O primeiro tiro veio dos sulistas, bombardeando o forte federal de Sumter, na Virgínia, em 12 de abril de 1861. Os nortistas deram a cartada final. No começo de abril de 1865, tacaram fogo – literalmente incendiaram a cidade – em Richmond (Virgínia), capital dos Estados Confederados, obrigando as tropas sulistas a se renderem.
Se os sulistas tivessem vencido a guerra, no entanto, o país teria se dividido em dois, cada um com uma trajetória distinta. “O Sul, independente, teria continuado sendo um país do Terceiro Mundo durante muito tempo”, diz o norte-americano Karl Monsma, doutor em sociologia pela Universidade de Michigan e atualmente professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). “Em muitas coisas, sua trajetória teria sido mais semelhante à do Brasil que à do Norte dos Estados Unidos.”
O historiador brasileiro Jorge Luis da Silva Grespan, da USP, concorda. Para ele, o Sul vitorioso se transformaria num país em que a escravidão e as grandes propriedades agrícolas seriam preservadas. “Muito possivelmente, isso geraria uma sociedade bem parecida com as latino-americanas”, afirma Grespan. “O Norte, por outro lado, depois de um provável impacto inicial, teria reencontrado seu caminho de expansão industrial e urbana, formando uma nação semelhante ao que os Estados Unidos são hoje.” Já o historiador norte-americano Daniel Sutherland, da Universidade de Arkansas, acredita que tal divisão não poderia durar para sempre: seria inevitável uma reunificação como a que ocorreu na Alemanha após a queda do Muro de Berlim. “Os dois países resultantes seriam muito vulneráveis militar e economicamente para se manterem separados”, diz ele.
A escravidão e os subsequentes problemas raciais também teriam tomado outro rumo. Tida por muitos como a principal causa da guerra, na verdade a abolição da escravatura foi usada pelos nortistas apenas para angariar apoio no exterior e em seus próprios lares. Com a vitória dos Confederados, a escravidão poderia ter alguma sobrevida, mas, cedo ou tarde, seria extinta. “Com a independência dos sulistas, a abolição da escravatura teria sido promovida de forma mais gradual e controlada, ao estilo brasileiro”, afirma Monsma. “Isso poderia levar, algumas décadas depois, a um sistema de dominação racial mais sutil e menos violento.”
Assim, dificilmente teria surgido uma organização racista radical como a Ku Klux Klan. “Ela nasceu do ressentimento e do ódio dos proprietários de escravos”, diz Grespan. “Eles não podiam conceber seus antigos escravos em pé de igualdade.” Da mesma maneira, o ator sulista John Wilkes Booth, inconformado com a derrota, não teria assassinado o presidente abolicionista Abraham Lincoln, cinco dias depois do fim da guerra.
O Norte, por sua vez, teria se livrado de boa parte dos conflitos raciais sofridos durante o século XX. “Com isso, os trabalhadores brancos não teriam votado tantas vezes em políticos conservadores”, imagina Monsma. “Desconfio que, sem o Sul, os Estados Unidos hoje teriam um estado de bem-estar social muito mais desenvolvido, nos moldes do Oeste Europeu.”