O ato de perfumar-se é um dos mais duradouros costumes do ser humano. Seja para disfarçar os odores naturais do corpo, seja como complemento de elegância e sensualidade, ou ainda para ter e transmitir a sensação de higiene, as pessoas consomem cheirosas essências, loções, desodorantes, talcos, colônias. Em tempos remotos, o uso de perfumes esteve inicialmente associado a ritos religiosos. Há mais ou menos 500 mil anos, quando o homem descobriu o fogo, tratou logo de prestar homenagem aos deuses oferecendo-lhes a fumaça que emanava das resinas e madeiras que queimavam.
Os vapores aromáticos que subiam dos altares dariam prazer aos deuses através da fumaça – ou como diriam muito tempo depois os romanos, per fumum. Os primeiros perfumistas a entrar para a História foram os sacerdotes do Egito antigo. Em breve, os egípcios descobriram que o que era bom para os deuses devia ser bom também para eles, pobres mortais nem sempre bem cheirosos. Assim, o perfume conquistou a vida profana— para nunca mais deixá-la.
Nos banquetes nos palácios dos faraós, por exemplo, era costume derreter uma espécie de gordura perfumada sobre a cabeça dos convidados em sinal de estima. Os hebreus untavam os cabelos de seus reis com óleos aromáticos, como narra a Bíblia. As mulheres gregas e romanas mandavam buscar nos jardins do Oriente ervas e flores raras. Com elas fabricavam-se ungüentos, pomadas e essências para fins cosméticos, Por essa época, perfumar-se já fazia parte dos ritos de beleza. Com o advento do cristianismo, os aromas caíram em desgraça, por estarem ligados aos costumes pagãos. A arte da perfumaria só não desapareceu graças aos árabes, cuja religião não os impedia de cultivar os prazeres sensuais.
No século X, os alquimistas descobriram o alambique-engrenagem através da qual os líquidos se transformam em gasosos e novamente em líquidos, num processo chamado destilação. Graças a isso e contando com a propriedade solvente do álcool, os árabes puderam pela primeira vez destilar água de rosas.
Mas foram os mercadores que voltavam das Índias carregados de especiarias que acabaram propiciando o ressurgimento da perfumaria no Ocidente. Já no final do século XIII, a cidade de Paris transformara-se na capital mundial do perfume.
A água-de-colônia, porém, nasceu na Alemanha em 1792 na cidade de Köln (Colônia), às margens do Reno. O fabricante era um certo Wilhelm Mülhens. Ao casar, ele recebeu de presente a fórmula secreta de uma aqua mirabilis. Mülhens resolveu fabricar essa água milagrosa e montou um laboratório em casa. Nascia assim a água-de-colônia. Dois anos mais tarde, as tropas francesas comandadas por Napoleão Bonaparte invadiram a cidade. Como os soldados não conseguissem pronunciar os nomes das ruas, Napoleão ordenou que os nomes fossem abolidos e as casas, numeradas. A de Mülhens recebeu o número 4711-e é por isso que a autêntica água-de-colônia veio a ser chamada de 4711, como é conhecida hoje no mundo inteiro.
Napoleão Bonaparte, um dos primeiros fãs do perfume de herr Mülhens, parecia acreditar que além de fazer bem ao olfato, fazia bem à saúde. Conta-se que antes de cada batalha ele tomava vários goles da água-de-colônia. Os ingleses, que derrotariam Napoleão na célebre batalha de Waterloo, na Bélgica, também acreditavam nas propaladas qualidades terapêuticas do perfume e tentaram, inutilmente, combater com lavanda a peste que assolou Londres no final do século XVII.
Arte sutil de combinar odores, a perfumaria trabalha com cerca de dez mil essências básicas, das quais apenas mil são encontradas na natureza. Geralmente os aromas vêm das flores, mas outras fragrâncias estranhas às vezes ajudam a compô-los. Entre elas, produtos animais, indispensáveis na fabricação, embora não exatamente atraentes no estado original.
É o caso do almíscar, uma secreção das glândulas sexuais das cabras do Tibete, na Ásia. A palavra almíscar, por sinal, vem do persa mushk, que quer dizer “testículo”. Igualmente desagradável é o ambar cinzento produzido pelos cachalotes (cetáceos como as baleias), que flutua no mar como uma grande massa compacta. Almiscar e âmbar possuem propriedades fixadoras importantes na alquimia dos perfumes.
Extrair substâncias aromáticas dos vegetais não é complicado. O problema é que elas estão se tornando tão raras como as essências de animais. Por isso, desde o princípio do século, produz-se cada vez mais em laboratórios compostos sintéticos, seja para reconstituir aromas naturais ou para criar novos.
Obter essência natural de jasmim é trabalhoso e caro. Para cada quilo são necessários 600 quilos de flores, colhidas ao amanhecer. A partir de solventes voláteis, extrai-se das flores o concreto, um produto cremoso de textura semelhante à cera. Depois, mistura-se com o álcool e filtra-se. Quando o álcool evapora, fica o absoluto, a essência pura. Os perfumes são classificados em grandes famílias de essências.
As mais importantes são as florais (que podem agregar fragrâncias de uma só flor, de várias flores e componentes químicos), o verde (fragrâncias de plantas e arbustos), o chipre (combinação do musgo do tronco de carvalho. com a bergamota e o âmbar) e a amadeirada (fragrâncias compostas de raízes ou misturas de troncos de árvores como o cedro e o sândalo).
E na combinação dessas famílias que o perfumista vai desenvolver um trabalho longo e paciente até que se possa lançar um novo perfume. Como um diretor de orquestra, ele tem de alcançar a perfeita harmonia das três notas – denominação que se dá à combinação das famílias de essências que compõem essa sinfonia de aromas. As primeiras são as notas de cabeça, dadas pelos elementos mais voláteis, obtidas de frutas cítricas. Duram alguns minutos e correspondem ao cheiro que se sente ao abrir o frasco. Depois, desenvolvem-se as notas de coração, que duram mais tempo e são dadas pelas essências de rosas e gerânios. Finalmente as notas de fundo determinadas pelos elementos mais fortes, chamados fixadores, que duram horas e são proporcionados por essências de jasmim, sândalo, musgo de carvalho, almíscar, âmbar etc.
Apesar dos modernos procedimentos químicos não é fácil imitar um perfume. Com o conhecimento que se tem e mais uma boa dose de intuição, só é possível detectar de 30 a 60 por cento dos diversos componentes de um deles. Como os elementos naturais são difíceis de identificar, se o perfumista, com seu aparado olfato, descobrir que um perfume contém bergamota, terá depois de determinar sua procedência, já que pode ter vindo da África, do Brasil ou do sul da Itália
Por isso, a perfumaria, dos tempos, sempre guardou zelosamente suas fórmulas. Um bom exemplo é o Chanel nº 5, o perfume francês mais conhecido do mundo. Quando certa vez perguntaram a Marlilyn Monroe o que ela usava para dormir, a resposta foi: “Duas gotas de Chanel nº 5”. Lançado pela faladíssima estilista de moda Coco Chanel em 1921, sua criação teve até lances de espionagem, envolvendo o sumiço de um perfumista de uma firma concorrente. Tratava se de encontrar uma nova essência que durasse mais que qualquer outra. Antes de surgir o n.° 5, quem quisesse chegar ao fim do dia perfumado deveria literalmente banhar-se em perfume, de manhã, já que as misturas se volatilizavam com rapidez.
As fragrâncias que faziam sucesso no princípio do século sucumbiram ante o entusiasmo despertado pelos perfumes chipre dos anos vinte. A partir de então, a tendência se acelerou. A cada década renovam-se os perfumes: os aromas verdes e refrescantes que faziam furor no fim da Segunda Guerra Mundial foram substituídos por fragrâncias de musgos e flores; na década de 70 ressurgiram os florais, que no inicio dos anos 80 foram abandonados em favor dos aromas orientais. Hoje em dia, a moda em perfume muda tão depressa que as pessoas mal têm tempo de consumir um frasco inteiro de um mesmo tipo —ainda que os melhores perfumes, como se diz, estejam nos menores frascos.
Para saber mais:
Tudo beleza. A ciência dos cosméticos
(SUPER número 1, ano 11)
(SUPER número 5, ano 11)
Questão de concentração
As diferenças que resultam da concentração de essências e álcool utilizados na confecção dos perfumes determinam sua divisão em cinco tipos diferentes, quase todos conhecidos pelos seus nomes em francês:
Extrato
É o que contém maior quantidade de essência pura; portanto, é mais concentrado e duradouro. Algumas gotinhas bastam para que o aroma perdure de quatro a oito horas.
Eau de parfum
Sua mistura envolve a metade da quantidade necessária para se obter o extrato; logo, seu efeito dura menos.
Eau de toilette
Ainda menos concentrada do que a anterior, seu perfume evapora com muita rapidez.
Eau de fraiche
Tem a mesma estrutura da anterior, porém sua fragrância se define como citrica-florai-amadeirada.
Eau de cologne ou colônia
É a forma mais suave de perfume, com menor quantidade de essência, e a mais refrescante de todas.