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Quem foi Zumbi dos Palmares – e a história do Dia da Consciência Negra

A figura histórica de Zumbi dos Palmares é a representação da data celebrada em todo o país. Conheça um pouco de sua história.

Por Caio César Pereira
Atualizado em 20 nov 2023, 14h37 - Publicado em 17 nov 2023, 17h40

Desde o ano de 2011, o Brasil tem 20 de Novembro como o Dia da Consciência Negra. A data foi escolhida em homenagem a Zumbi dos Palmares, uma das maiores lideranças negras durante a escravidão no país. Mas quem foi esse homem e por que ele é tão importante?

A origem de Zumbi

Estabelecer a origem e outros aspectos históricos da vida de Zumbi não é uma tarefa fácil. As evidências históricas não são precisas, de forma que existem várias versões diferentes sobre sua origem. 

A mais famosa, provavelmente, é a que fala que Zumbi dos Palmares nasceu em 1655, na região da Serra da Barriga, local que hoje é conhecido como o estado de Alagoas, no nordeste do Brasil. Nascido livre, quando criança foi capturado por bandeirantes, e posteriormente entregue a um padre que o ensinou português e a religião católica. 

Zumbi escapou e foi encontrar refúgio no Quilombo dos Palmares, comunidade autônoma formada por ex-escravizados e até indígenas. Sucedeu Ganga Zumba (algumas versões contam que ele era seu tio), líder do quilombo na época, se tornando a principal figura de autoridade na região, e um líder para a resistência da comunidade. 

Só tem um problema nessa história toda: ela muito provavelmente não é verdade. 

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De acordo com Jean Marcel Carvalho França, historiador, professor na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista, e co-autor do livro “Três vezes Zumbi: A construção de um herói brasileiro”, são bem escassas quaisquer informações a respeito da vida de Zumbi.

“É difícil saber, porque você não tem descrições diretas do Zumbi. Você tem descrições das batalhas. Você tem descrições das organizações do Quilombo. Agora sobre o Zumbi especificamente você não tem quase dado nenhum”, aponta Jean.

Parte dessa história sobre Zumbi ter sido capturado durante a infância também se baseia em informações não comprovadas, com os historiadores contestando as afirmações. Isso porque o autor delas se baseou em supostas cartas analisadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, apesar de nunca ter revelado nenhuma delas.

Além disso, parte dos relatos encontrados sobre o líder de Palmares na época (entre 1678, até a morte de Zumbi, em 1695), são de origem geralmente europeia, graças às sucessivas invasões portuguesas e holandesas na região. 

Sabe-se que Zumbi de fato sucedeu Ganga Zumba, por exemplo, mas não há qualquer vestígio sobre a relação familiar entre os dois: “Tem a famosa história de que ele sucede o tio, o Ganga Zumba, mas toda essa história é meio mitológica. Deve haver uma sucessão, porque o quilombo é destruído e reconstruído reiteradas vezes. O que significa que também as lideranças morrem e se alternam. Então provavelmente a sucessão era feita desse modo.” 

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O próprio nome Zumbi ainda é alvo de controvérsia. Os historiadores não têm certeza se esse se refere a um nome próprio ou uma espécie de título adotado pelos líderes do quilombo, com alguns acreditando hoje nas duas hipóteses.

Para Jean, esse é um dos principais enigmas, já que não se tem quase nenhum dado sobre a figura do personagem Zumbi: “O primeiro a escrever sobre isso foi o [historiador] Rocha Pita, no seu livro História da América Portuguesa. Ele disse que talvez zumbi, numa língua africana, seja uma designação militar específica, uma designação de comando.”

Apesar do nome de Zumbi ainda estar em debate, outros aspectos de sua vida não. Os historiadores sabem hoje em dia que a figura de Dandara, a esposa de Zumbi e uma das principais figuras femininas negras na história do país, na verdade, não existiu.

“Dandara não existe, não existe a documentação, é uma criação ficcional. Zumbi você pode confundir se ele é um líder específico com o nome de Zumbi, ou se ele é simplesmente um cargo, agora a outra personagem Dandara não existe absolutamente. Ela foi inventada e aí a historiografia tomou como se fosse um fato de realidade, mas que não existe. Não existe uma mulher que figura na documentação do Quilombo”, afirma Jean.

Apesar de algumas imprecisões, é fato que a figura de um líder quilombola durante o período realmente existiu. Isso pode ser comprovado através de relatos em cartas, como a menção em uma carta do imperador Dom Pedro II, além de uma espécie de carta de condenação de quando Zumbi foi “morto”. 

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Na verdade a data do dia 20 de Novembro de 1695, foi quando seu corpo foi apresentado como troféu de guerra na Bahia, revelando à população que o “conflito” havia sido encerrado. Algumas versões, como do próprio Rocha Pita, apontam que ele se suicidou, enquanto a própria carta diz que ele foi atocaiado e morreu em combate.

A estrutura do quilombo

Parte dessas descrições de Zumbi se aplica também aos Quilombos. As comunidades criadas por ex-escravizados fugitivos eram comuns nas regiões onde hoje estão os estados de Alagoas e Pernambuco, no final do século 16 e com seu auge durante o século 17. Mas o famoso Quilombo de Palmares, por exemplo, nem sempre esteve no mesmo lugar.

 

Mapa da Capitania de Pernambuco com representação do Quilombo dos Palmares, confeccionado pelo pintor e gravurista holandês Frans Post em 1647.
Mapa da Capitania de Pernambuco com representação do Quilombo dos Palmares, confeccionado pelo pintor e gravurista holandês Frans Post em 1647. (Domínio Publico/Reprodução)

 

“A gente não tá sempre falando do mesmo Quilombo, situado no mesmo lugar. Ele está situado nas redondezas, na Serra da Barriga, ali em Alagoas, mas ele se desloca constantemente num raio razoavelmente amplo de distância”, comenta Jean. Ao combater os quilombos, tanto as tropas portuguesas e holandesas, achavam que a comunidade já se encontrava por fim derrotada, até dois ou três anos depois: “Quando a tropa volta lá, o quilombo tá reconstituído em outro lugar. Isso é uma prática razoavelmente comum dos quilombos pela América em geral.”

A estrutura respeitava uma espécie de hierarquia, com Zumbi (sendo título ou não) o líder geral. As descrições específicas, porém, assim como no caso de Zumbi, também não são precisas. Uma das mais recentes próximas do período vai ser a do próprio Rocha Pita, que diz que a estrutura do quilombo vai ser como a de uma república platônica, nos moldes da antiguidade clássica.

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O Dia da Consciência Negra

Celebrado no dia 20 de Novembro, o Dia da Consciência Negra foi uma data proposta para conscientizar a população sobre a importância que a cultura afro-brasileira no país, bem como refletir sobre a sua história e os reflexos do racismo e desigualdade nessa população.

Ela foi incluída no calendário escolar em Janeiro de 2003, mas foi somente em 10 de Novembro de 2011 que foi instituída oficialmente como uma data comemorativa por todo o país. 

A data foi escolhida justamente para desvincular as comemorações em torno da luta pela libertação dos negros de uma figura branca e aristocrática, como princesa Isabel e o 13 de Maio. Inspirado na figura de Tiradentes, a data escolhida foi justamente a da “morte” de Zumbi dos Palmares, herói da liberdade negra contra a opressão e racismo. 

 

Estátua localizada em Salvador, Bahia, que homenageia Zumbi dos Palmares.
Estátua localizada em Salvador, Bahia, que homenageia Zumbi dos Palmares. (Caio César Pereira/Superinteressante)

 

Segundo Jean, inclusive, a inspiração em Tiradentes não parou por aí. Assim como o revolucionário da inconfidência mineira, parte da figura mitológica de Zumbi foi forjada durante o século 20: “

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“A figura do zumbi, aparece no século 18 e no 19, mas ela é secundária. Domingos Jorge Velho era o personagem principal das histórias do Quilombo de Palmares no século 19, mas vai perdendo protagonismo nas primeiras décadas do século 20, aí o Zumbi volta a ser protagonista.”

Segundo o professor, são os nordestinos que chamam a atenção para a figura de um herói na região, com o mito se consolidando a partir da década de 50: “Agora, se você me pergunta se é legítimo transformá-lo em herói, a mim parece que sim. A história tem necessidade de ter coisas que os agreguem”.

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