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Quem matou os presidentes?

Você acredita nas versões oficiais sobre as mortes de João Goulart, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves? Há quem sinta um forte cheiro de complô no ar

Por Lia Hama
Atualizado em 27 fev 2018, 19h15 - Publicado em 30 set 2004, 22h00

O que João Goulart, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves têm em comum? Além do fato de terem sido presidentes do Brasil, os três teriam sido misteriosamente assassinados por complôs daqueles que queriam eliminar os inimigos da ditadura. Jango morreu no exílio, em uma fazenda na província argentina de Corrientes, em 6 de dezembro de 1976. A versão oficial afirma que ele morreu de problemas cardíacos. Mas a verdade pode ser bem outra. Uma das teses conspiratórias diz que Jango talvez tenha sido envenenado. Tanto que seu corpo não foi submetido a uma autópsia. É o que defendem seguidores do ex-presidente, entre eles o ex-governador Leonel Brizola, que era casado com a irmã de Jango. “Jango foi assassinado por um complô internacional de forças ligadas à ditadura militar, que tinha por objetivo aniquilar todos os líderes populares da América Latina”, afirmou Brizola, morto em junho deste ano. Os responsáveis pela morte de Jango seriam agentes da Operação Condor, um esquema de cooperação entre governos militares da Argentina, do Chile, do Paraguai e do Brasil para perseguir militantes da esquerda nas décadas de 70 e 80.

E Jango não teria sido a única vítima. De acordo com Brizola, a Operação Condor também estaria por trás da morte do ex-presidente Juscelino Kubitschek. JK morreu alguns meses antes de Jango, num suposto acidente de carro, em 22 de agosto de 1976, na rodovia Presidente Dutra, quando ia de São Paulo para o Rio de Janeiro. O Opala em que ele estava se desgovernou, cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta Scania que vinha em sentido contrário. JK e seu motorista, Geraldo Ribeiro, tiveram morte instantânea. O acidente, segundo revelou a perícia, teria ocorrido depois que um ônibus da Viação Cometa encostou na traseira do Opala. “Bobagem”, afirmam os adeptos da teoria conspiratória. Para eles, há pelo menos três explicações possíveis para o fato de o motorista Juscelino ter perdido o controle da direção: 1) ele foi baleado na cabeça por um atirador de elite que estava escondido próximo ao local; 2) o Opala foi alvo de sabotagem; 3) uma bomba tinha sido colocada no carro e explodiu. E quem estaria por trás do atentado contra JK? Os militares, é claro.

Quem matou os presidentes?
(Palácio do Planalto/Wikimedia Commons)

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Conspirólogos de plantão afirmam que a morte de JK é recheada de episódios mal explicados. Duas semanas antes do acidente, jornais, rádios e emissoras de TV receberam a notícia de que o ex-presidente havia morrido numa batida de carro na estrada que liga Luziânia a Brasília. JK de fato iria fazer esse percurso, mas, na última hora, preferiu ficar em sua fazendinha em Luziânia. Segundo Serafim Jardim, amigo do ex-presidente e autor do livro Juscelino Kubitschek – Onde Está a Verdade?, o boato havia sido um balão de ensaio lançado pelos militares que queriam testar a reação do país à morte de JK. Ao saber dos rumores, o ex-presidente teria comentado com Serafim: “Estão querendo me matar, mas ainda não conseguiram”.

Um dos fatos mais intrigantes é que os peritos não incluíram nos dois laudos realizados sobre o acidente as fotos dos corpos de JK e do motorista, “por recomendação de ordem superior”. O amigo do ex-presidente destaca ainda que apenas nove dos 33 passageiros do ônibus foram ouvidos pela polícia. Não é mesmo muito estranho?

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Fruto de fantasias mirabolantes ou não, as teorias conspiratórias viraram assunto para inúmeros livros. Um dos mais recentes é O Beijo da Morte, um misto de ficção e reportagem assinado pelo escritor Carlos Heitor Cony e pela jornalista Anna Lee. A tese do protagonista do livro, o Repórter, é semelhante à do ex-governador Brizola. Ou seja: de que não houve coincidências. As mortes de JK, de Jango e também a do ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda foram assassinatos políticos, parte de um plano internacional em curso na época, para eliminar os esquerdistas na América Latina. Os três políticos lideravam os maiores partidos extintos pelo golpe militar de 1964 e tentaram organizar uma Frente Ampla, movimento civil de oposição ao regime militar. Eles morreram quando ainda articulavam o retorno do país para a democracia. Numa hipotética eleição direta a presidente, Juscelino sairia candidato pelo PSD, Jango seria o candidato do PTB e Lacerda, da UDN.

Quem matou os presidentes?
(Palácio do Planalto/Wikimedia Commons)

Parece filme

Nenhum caso, no entanto, estimulou tantas teorias conspiratórias quanto a morte de Tancredo Neves. Também pudera: o episódio é digno de um filme de Hollywood. Em 14 de março de 1985, véspera de sua posse como presidente, Tancredo foi internado às pressas no Hospital de Base de Brasília. Um mal que parecia simples – uma diverticulite intestinal – se complicou e, depois de 38 dias de agonia e sete intervenções cirúrgicas, ele morreu em 21 de abril, Dia de Tiradentes, no Instituto do Coração, em São Paulo, para onde havia sido transferido.

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O velório foi acompanhado por milhões de brasileiros que olhavam, incrédulos, o caixão do presidente morto antes de tomar posse. Em seu lugar assumiu o vice José Sarney, ex-presidente do PDS, partido de sustentação do regime militar. Na época, circularam boatos de todos os tipos. Um deles dizia que Tancredo, filiado ao PMDB e defensor das eleições diretas, teria sido baleado por um militar linha-dura que não queria a volta da democracia. E mais: o atentado teria ocorrido exatamente no momento em que Tancredo dava uma entrevista à repórter Glória Maria, da TV Globo, na Catedral de Brasília. A jornalista teria sido mandada ao exterior por uns tempos para que ficasse de boca fechada.

Outra versão conspiratória afirma que Tancredo teria morrido envenenado. Prova disso seria o fato de que, ao mesmo tempo em que ele foi internado com fortes dores abdominais, seu mordomo, João Rosa, teria começado a sofrer dores similares. João, funcionário do Planalto, acompanhava Tancredo em sua residência provisória, na Granja do Riacho Fundo. Ele ficou 16 dias no hospital e, como Tancredo, teria sofrido sete cirurgias antes de morrer. A doença foi diagnosticada como diverticulite – o primeiro diagnóstico de Tancredo, lembra-se? Como os dois conviviam no mesmo local, provavelmente o mordomo teria sido vítima acidental de um atentado que visava matar seu patrão. Os autores? Mais uma vez, os militares.

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(Palácio do Planalto/Wikimedia Commons)
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As teses conspiratórias ganharam ainda mais força depois que a revista Veja revelou que o presidente, na verdade, teria morrido um dia antes do anunciado. A versão oficial diz que Tancredo morreu às 22h23 do dia 21 de abril. Mas, segundo um médico que acompanhou o estado clínico de Tancredo até o desfecho fatídico, o cérebro dele parou de funcionar um dia antes, na noite de 20 de abril. Para os conspirólogos, a data de 21 de abril foi escolhida porque era feriado de Tiradentes e, dessa forma, Tancredo – que, assim como o mártir da independência do Brasil, era mineiro – seria eternamente lembrado como um herói nacional.

Tanto no caso da morte de Tancredo como nas de Jango e JK, nada ficou provado contra os militares. O escritor Carlos Heitor Cony afirma que seu livro também não é conclusivo sobre a questão: “Antes de escrevê-lo, Anna Lee e eu tínhamos a consciência de que não poderíamos chegar a uma certeza sobre a morte dos três personagens. O caso de JK está encerrado, o de Jango está aberto, mas longe de uma conclusão. O de Lacerda nem sequer foi aberto. As duas Comissões Externas da Câmara dos Deputados, que investigaram as circunstâncias da morte de JK e Jango, também não chegaram a uma conclusão”.

De acordo com Cony, a falta de provas, no entanto, não significa que os militares não tenham culpa no cartório. “Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos”, diz o escritor.

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