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Quem rouba não preserva

Fernando Gabeira jura que não abandonou a causa verde - ainda que hoje dedique boa parte do seu tempo a correr atrás dos corruptos em Brasília

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 14 dez 2007, 22h00

Carla Aranha

Ele teve participação decisiva na CPI dos Sanguessugas. Chamou o senador Renan Calheiros de nada menos do que “chefe de quadrilha”. E atualmente não tem nenhum pudor ao bradar aos quatro ventos que seu objetivo é a reconstrução da ética no Congresso Nacional. Muito bem. Mas onde está o deputado Fernando Gabeira ambientalista, aquele que fundou o Partido Verde? Segundo ele próprio, esse Gabeira continua ativo e operante. Apesar de agora dedicar seu talento a levantar a voz em alto e bom brado contra a corrupção em Brasília, em um momento, aliás, em que escândalos políticos se tornaram rotina, o deputado jura que o combate à ladroeira está intimamente ligado à proteção ambiental, causa com que passou a simpatizar – e encampar – a partir da década de 1970, quando esteve exilado na Europa. A corrupção vai mais longe, diz Gabeira: ela atinge em cheio o ambiente e dificulta a sua preservação. Também está ligada a perversidades como a exploração do trabalho escravo e a destruição da floresta Amazônica.

De que forma a corrupção no Brasil afeta a preservação do ambiente?

A corrupção no Brasil não fica restrita à esfera política, ela prejudica, sim, a preservação do nosso ambiente. Isso acontece de várias maneiras. O mau uso do dinheiro no campo do saneamento básico, por exemplo, faz com que aumente a poluição das águas e dos locais onde moram as pessoas com poucos recursos. Além disso, quase todas as obras ambientais são super- faturadas. Outro aspecto é que inúmeras construções voltadas para o ambiente são irregulares. Muitas vezes também empresas que ganham licença para atuar em determinadas áreas poluem mais do que seria admissível, inclusive do ponto de vista legal, e fica tudo por isso mesmo. A corrupção e a questão ambiental estão intimamente entrelaçadas, elas andam juntas.

É verdade que há denúncias de usinas de álcool desmatando e usando trabalho escravo?

Sim. Geralmente, a corrupção em situações assim não se limita a um crime ambiental. Os grandes agentes da corrupção também cometem crimes sociais, explorando a mão-de-obra. A falta de respeito à natureza também está ligada à falta de respeito ao ser humano. O pior é que isso não acontece apenas com as usinas de álcool. Estou fazendo um trabalho agora sobre o carvão vegetal. Os produtores de carvão vegetal exploram os trabalhadores de uma forma muito ruim e atuam em áreas que precisamos preservar.

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Como resolver essa questão?

Com campanhas e conscientização. Do ponto de vista humanitário, temos que erradicar de uma vez por todas o trabalho escravo. Do ponto da vista da destruição da floresta, precisamos criar regras e zelar para que sejam cumpridas. A produção de carvão vegetal é um bom exemplo. Precisamos incentivar a compra do carvão produzido em áreas onde existe reflorestamento, e proibir a comercialização daquele que é extraído de áreas de mata nativa, muitas vezes onde se praticava trabalho escravo.

Acontecem grandes desmatamentos em áreas do Ibama, que são do governo. Como isso é possível?

As terras do Ibama equivalem hoje a 3% do território nacional. Isso é quase o tamanho da França. O Ibama não tem pessoal para cuidar de toda essa área. Criamos as unidades de sistema de conservação, mas não há condições de desenvolver um plano de manejo e vigilância, e essas áreas vivem sendo atacadas. O governo criou agora o Instituto Chico Mendes, para cuidar dessas áreas. Mas cada passo dentro de terras do Ibama terá de ser monitorado.

O BNDES foi criticado por oferecer recursos a empresas com critérios questionáveis relacionados ao ambiente. Isso acontece mesmo?

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Já houve tentativas de proibir financiamentos para esse tipo de empresa. Acho que esse procedimento está começando a ter um papel na aprovação de todos os projetos que chegam ao BNDES. Acontece que muitos dos que pedem financiamento o fazem utilizando a força política de seus padrinhos. Aí caímos novamente no tema da corrupção. Os critérios do financiamento público muitas vezes são corrompidos.

Ações ao estilo do Greenpeace, que chamam atenção de forma midiática para a causa ambiental, mais ajudam ou atrapalham?

O Greenpeace é uma organização que depende do financiamento dos seus associados. Para que os associados tenham noção de que a entidade está trabalhando, é necessário que ela se comunique por meio da mídia. Por isso grande parte das ações são voltadas para terem grande repercussão, e não necessariamente ajudam a causa ambiental.

De que forma é possível ajudar o ambiente sem interferir no dia-a-dia de pequenas comunidades que dependem da natureza para viver?

O problema do desmatamento provocado pelos pequenos agricultores tem raízes antigas, é socio-econômico e precisa ser encarado dessa forma. O desmatamento na Amazônia foi produzido em grande parte por uma visão incompleta de reforma agrária. As pessoas foram colocadas lá sem ter como sobreviver, o dinheiro que elas conseguem é por meio da mata. Isso aconteceu na época da ditadura militar e continua acontecendo agora.

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Por que continuamos repetindo o erro?

A questão da reforma agrária e da proteção da Amazônia teve um peso muito grande no imaginário popular. A floresta Amazônica sempre foi vista como uma área de fronteira que tinha que ser defendida. A ditadura militar entendeu que colocando pessoas lá teríamos mais condições de defender esse espaço. É verdade que a ditadura tinha um objetivo e a esquerda tem outro, que é o de facilitar o acesso de todos à terra, mas ambos se igualam na incapacidade de oferecer assistência a quem recebe essa terra e de evitar o desmatamento.

As plantações de soja continuam invadindo regiões de selva amazônica?

Exato. Há agora um crescimento de 8% de desmatamento para plantar soja em comparação com o ano passado. Isso é resultado de um movimento econômico que não se consegue disciplinar.

Será que não se consegue ou não há interesse?

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Existem interesses contrários. Há um interesse forte do governo federal no sentido de evitar o desmatamento por saber que isso afeta a imagem ambiental do Brasil no exterior, e esse tema é cada vez mais importante. Por outro lado você tem dirigentes locais que têm interesse em atender os seus eleitores e fazem uma política local. O resultado é que o governo federal puxa o discurso para um lado, mas toda a sociedade local está comprometida com o desenvolvimento econômico local, a qualquer preço, sem se importar com as conseqüências, incluindo para as gerações futuras. O caminho é concretizar e viabilizar um projeto que atenda a todos. É preciso convencer as pessoas que o desenvolvimento sustentado também dá dinheiro e dessa forma tentar atrair a elite local.

Não há uma falta de política ambiental do governo que ofereça uma alternativa?

Sem dúvida. A saída é ter sustentabilidade econômica que possa realmente fazer avançar um processo de proteção do ambiente. Porque senão vão continuar desmatando sem nenhum problema. Hoje nós temos um sistema, o Sivam, que custou US$ 1,4 milhão e é destinado a proteger a Amazônia. Ele oferece dados muito reais, sabemos bem como está a situação da floresta. Mas só isso não adianta.

Quais propostas de sustentabilidade econômica poderiam ter sucesso na Amazônia, Pantanal e outras regiões de mata nativa que vêm sendo desmatadas indiscriminadamente?

Atualmente, na Amazônia existe uma área equivalente ao tamanho do estado de Santa Catarina que está desmatada. Um projeto de reflorestamento seria muito importante, claro. Mas seria bom também ter em mente que a riqueza de biodiversidade permite que se faça pesquisa com muitas possibilidades econômicas, de geração de dinheiro mesmo. Então, compete ao governo, que acompanha isso, saber como aproveitar essa biodiversidade e fazer parcerias para explorar economicamente o que pode advir daí. Existe uma terceira possibilidade que é desenvolver o turismo ambiental, que vem crescendo e pode ter um papel econômico importante. Uma outra possibilidade é a compra da produção sustentada de produtos extraídos por nativos em áreas protegidas. Todas essas possibilidades podem ser perfeitamente combinadas entre si.

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Qual a sua opinião sobre o futuro da questão ambiental daqui a 30, 40 anos?

Tenho pensado muito sobre isso. O momento atual mostra que as propostas do Protocolo de Kyoto perderam muito com países como EUA, China, Índia e Rússia ficando de fora. Isso limita o instrumento, mas não a idéia de que devemos buscar uma solução. Há uma tendência de aumento do consumo de combustíveis, o que tem contribuído para aumentar o preço do petróleo. Como o petróleo vai acabar, de qualquer forma, isso força a busca de novas fontes de energia. O preço do petróleo e as pressões internacionais para o fim do aquecimento global certamente vão fazer com que esses países mudem sua política a médio e longo prazo. Não tem jeito. Os EUA vão ter eleições agora e a posição fundamentalista do Bush com toda a certeza será superada. Temos países como Inglaterra e Alemanha que conseguiram diminuir as emissões de carbono consideravelmente. Podemos depositar as esperanças num projeto pós-Kyoto, por exemplo, algo que a gente consiga definir até 2050, um caminho de redução das emissões. Precisamos também admitir e entender que independentemente do que a gente faça haverá aumento da temperatura global. E temos que nos preparar para as conseqüências.

O que é isso, companheiro?

Escravos são usados para desmatar

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), existem entre 25 mil e 40 mil trabalhadores escravos hoje no Brasil, sendo que mais de 50% se concentram na Região Norte, principalmente nos estados do Pará, Maranhão e Piauí. São locais em que a floresta Amazônica é derrubada para dar lugar à criação de gado e ao plantio de soja. “Essas pessoas são chamadas só para desmatar a floresta e formar pastos e áreas de cultivos”, diz Andréa Bolzon, coordenadora do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo da OIT. “Os trabalhadores são enganados pelos intermediários que os contratam e prometem a eles boas condições e um pagamento bom”, revela. Os peões trabalham nas fazendas por 2 ou 3 meses, até não sobrar nenhuma árvore em pé. Muitas vezes só depois de cortada a última raiz é que ficam sabendo que não haverá um salário. “A situação é grave, pois, se eles reclamam, são até espancados”, diz Bolzon.

Fernando Gabeira

• Casado, pai de duas filhas, o deputado Fernando Gabeira tem 66 anos e mora no Rio de Janeiro quando não está em Brasília.

• Ajudou a planejar o seqüestro do embaixador americano Charles Elbrick no Rio, em 1969. A operação foi desmantelada e Gabeira partiu para o exílio, na Europa.

• Na Suécia, país em que passou maior parte do tempo exilado, fez de tudo: foi desde roteirista de TV até condutor de metrô em Estocolmo.

• Ao voltar do exílio, no verão de 1980, freqüentava a praia de Ipanema usando a parte de baixo do biquíni que pegou emprestado da prima Leda Nagle.

• Sua filha Maya, de 20 anos, é uma das melhores surfistas de ondas grandes do mundo.

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