José Augusto Lemos, de Cruzeiro do Sul
Chico Mendes gostaria de ter visto o Encontro dos Povos da Floresta do Alto Juruá, realizado em abril em Cruzeiro do Sul, no Acre – quando índios, seringueiros, ONGs, o Ibama, a Funai e o Ministério do Meio Ambiente passaram quatro dias debatendo problemas e procurando soluções.
Tudo corria em clima amigável até entrar em debate o futuro de uma das mais ricas reservas ecológicas do mundo, motivo de briga há mais de dez anos. Ali, onde a floresta se encontra com os Andes, está o mais alto índice de espécies animais (1233) e vegetais (720) da Terra – e esses números são só o começo, falta muito o que conhecer por lá. Com isso, talvez não exista local mais estratégico para a conservação do planeta.
Em 1989, a área, de 843 mil hectares, virou o Parque Nacional da Serra do Divisor. Mas o projeto nunca saiu do papel. O impasse dura meia década. O plano de manejo do parque prevê um mínimo de presença humana, reservando-o para pesquisa, ecoturismo controlado e projetos de educação ambiental. Mas não diz como nem onde reassentar as 522 famílias que habitam a área.
Enquanto não se resolve a pendenga, o santuário permanece fechado, sem estrutura para turismo (que geraria recursos para a conservação) e espécies raras correm risco de extinção. Para piorar, o parque, na fronteira com o Peru, se tornou fonte de contrabando de madeira, carne e pele de caça, e porta de entrada de quase toda a pasta de cocaína que vem ser refinada no Brasil.
Como então desatar o nó? O Ibama prevê manter 25 famílias, contratando nas que melhor conhecem o território seus fiscais e agentes florestais. O destino das 497 restantes, chave do problema, é uma questão cercada de desconfiança. Os moradores não querem abandonar seu paraíso nem mesmo quando, segundo desabafo no encontro, os invasores aliciam seus filhos pré-adolescentes para o tráfico e a prostituição.
Em agosto do ano passado, foi criado um conselho para que representantes de todos os lados compartilhem a decisão. Aí se concentram as esperanças de um acordo até agosto de 2004 , prazo concedido pelo governo federal. Surgiram duas propostas, ambas bem recebidas no encontro.
A primeira foi apresentada pela principal autoridade acadêmica em Alto Juruá, o antropólogo Mauro Almeida, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mauro propõe transformar os entornos do parque em reservas extrativistas, modelo de conservação florestal que permite exploração econômica controlada.
A segunda alternativa foi defendida por uma lenda viva da história contemporânea do Acre, o indigenista e sertanista Antonio Luis Macedo. Ela prevê maior interferência na natureza do parque, transformando-o em “reserva mista” – o que dividiria a maior parte do território em reservas extrativistas, preservando intacta apenas a serra onde estão as nascentes do rio Juruá e as raras espécies andinas e subandinas.
Uma dessas propostas, ou a combinação de ambas, poderá, enfim, trazer um final feliz para as tragédias que rondam o parque. Parceiros há duas décadas, Mauro e Macedo são bem quistos pela população local e podem ajudar o conselho a chegar a um consenso decisivo para a história da ecologia brasileira e mundial.
AVES
Há no parque cerca de 485 espécies de aves. Desse total, algumas precisam de especial proteção: três são totalmente novas para a ciência, quatro estão ameaçadas de extinção, 23 de aves migratórias e seis consideradas raras
POPULAÇÃO
Índios katukinas, araras, nauas e nuquinis dividem o parque com caboclos. No total, são 522 famílias
FLORES
Destaque para a fartura de espécies de orquídeas e bromélias, acantáceas e aráceas (grande família dos filodendros e antúrios), todas de alto valor ornamental
INSETOS E ARANHAS
Das 299 espécies de aranhas, algumas são inéditas para a ciência. Há também 161 espécies de abelhas, vespas e formigas. Delas, 64 são do grupo das abelhas sem ferrão, número que supera todo o resto do planeta
ÁRVORES
Foi encontrada uma espécie nunca antes identificada de árvore. Só de palmeiras, foram encontradas 51 espécies, o equivalente a 70% do total da Amazônia Ocidental. O parque contém dez tipos diferentes de florestas
O PARQUE
O Parque Nacional da Serra do Divisor fica no extremo noroeste do Brasil, onde o Acre faz fronteira com o Peru. Ali se formam as cabeceiras do Rio Juruá, um dos principais afluentes do Amazonas – daí o nome pelo qual a região é conhecida: Alto Juruá
MAMÍFEROS
Há 98 espécies. Entre elas, o maior morcego das Américas, com um metro de envergadura. Têm valor especial as 14 espécies de primatas (de um total de 17 para toda a Amazônia), 5 delas ameaçadas de extinção
RÉPTEIS E ANFÍBIOS
Das 40 espécies de répteis e 100 de anfíbios, as mais ameaçadas são as que fazem parte da alimentação dos moradores do parque: jabuti e jacaretinga. O total de espécies deve chegar a 150 quando terminar a catalogação