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Schwarzenegger : super-herói americano

Você riu quando a Califórnia elegeu o Exterminador do Futuro governador? Pois saiba que Schwarzenegger está entre as melhores novidades da política.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h25 - Publicado em 30 nov 2006, 22h00

Texto Sérgio Abranches*

No primeiro filme da série O Exterminador do Futuro, Arnold Schwarzenegger interpretou um ciborgue quase indestrutível que volta no tempo para matar o futuro líder da resistência humana contra o domínio das máquinas – um roteiro nada simples. Nos filmes que deram seqüência à série, ele passou para o lado dos mocinhos: continuou ciborgue quase indestrutível, mas agora imbuído de defender o líder da resistência humana. A audiência, pelo jeito, não se incomodou com a virada de casaca. Anos mais tarde, ele repetiria a dose. Eleito (e depois reeleito) governador da Califórnia pelo Partido Republicano, tradicionalmente ligado aos empresários e resistente à agenda ecológica, ele assumiu a liderança de uma cruzada nacional contra o efeito estufa. Concedeu aumentos que elevaram o salário mínimo no estado ao patamar mais alto da história americana. Está determinado a impedir que a burocracia estatal empurre a Califórnia para a decadência econômica. E, de quebra, é um sujeito espirituoso. Ator de segunda categoria, Schwarzenegger está se transformando em um político de primeira.

Arnie, como é conhecido, trocou a fantasia de ciborgue pelo paletó de governador quase que instantaneamente. Havia acabado de filmar O Exterminador do Futuro 3 e fazia a tradicional roda de talk shows para lançar o filme, no início de 2003, quando a política da Califórnia entrou em ebulição. O governador Gray Davis sofria com a impopularidade por causa de um apagão elétrico que atingira o estado. E uma petição popular ganhava assinaturas nas ruas solicitando um recall, mecanismo em que os eleitores são chamados a retornar às urnas e decidir se o governante deve seguir no cargo ou ser substituído. Enquanto o teatro político se debatia entre recall ou não recall, a imprensa especulava quem seriam os possíveis candidatos. O nome de Schwarzenegger, ativo militante do Partido Republicano, freqüentemente aparecia na lista – mas quase sempre em tom de piada.

E foi em tom de piada que a candidatura acabou anunciada. Ao entrar no palco do The Tonight Show para uma entrevista sobre o novo filme, Arnie ouviu o apresentador Jay Leno apresentá-lo como “Schwarzenegger, o próximo governador da Califórnia”. Na saída, cercado por um batalhão de repórteres, ouviu um deles perguntar, com ar jocoso, se ele seria mesmo o próximo governador. Schwarzenegger fez cara de sério e disparou: “Cheguei à conclusão de que, embora tenha de fazer muitos sacrifícios, é meu dever entrar nessa corrida. Sou um candidato único, porque sou forasteiro” , disse referindo-se ao fato de ter nascido na Áustria e se naturalizado americano em 1983. Foi o início de uma campanha meio extravagante. Entre as dezenas de candidatos, estavam uma estrela de filmes pornôs, um ator anão decadente e, é claro, o homem que havia feito o papel principal em produções como Um Tira no Jardim de Infância; Conan, o Bárbaro; e Predador. O comportamento do candidato Schwarzenegger só ajudava a ressaltar a estranheza daquilo tudo: num debate, por exemplo, perguntou ao adversário do Partido Democrata “qual havia sido o momento mais engraçado da sua campanha”. (Era uma pegadinha: quando o oponente respondeu que “todos os dias haviam sido igualmente divertidos”, o ator-político disse que “o fato de alguém não conseguir falar algo engraçado num momento desses diz muito sobre a pessoa que ele é”.) O Exterminador do Futuro venceu as eleições de lavada. Nem assim conseguiu ser levado muito a sério.

Incrível Hulk

Os primeiros atos de Schwarzenegger no governo, verdade seja dita, não foram exatamente empolgantes. Como a Califórnia ainda estava sacudida pela bagunça que levou ao recall, ele decidiu levar a voto popular uma série de medidas duras que gostaria de implantar. Seu receituário incluía remédios amargos como a redução dos gastos públicos, mudanças na legislação trabalhista e diminuição do poder dos sindicatos. O resultado não poderia ser mais decepcionante: sofreu uma derrota acachapante nas urnas.

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O resultado do referendo, porém, marcou uma virada na legislatura. Foi a partir daí que Schwarzenegger abraçou a causa ambiental. Suas tacadas seguintes fariam dele o Incrível Hulk da Califórnia: um homem verde e forte. De um lado, dizia não estar no cargo “para mudar as caixas de lugar, mas para explodi-las”, prometia resolver o problema da falta de luz e ainda melhorar as contas públicas. Do outro, aprovava uma das mais avançadas lei mundiais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa, apontada por analistas como “marco fundador” de uma nova política do clima nos EUA.

A “onda verde” foi varrendo a Califórnia aos poucos. Arnie começou a ganhar a simpatia de alguns ecologistas quando, ainda em 2004, apoiou a decisão da agência ambiental californiana que endureceu os limites de emissão de gases e consumo de combustível permitidos aos carros que circulassem no estado. A indústria automobilística decidiu ir à Justiça contestar a medida, alegando que só o governo federal poderia baixar normas do tipo. Por trás do argumento, porém, havia outra motivação: se fosse um país independente, a Califórnia seria a 8ª maior economia do mundo. De tão grande que é seu mercado, seria praticamente impossível para a indústria fabricar um carro com limite de poluição rígido para vender aos súditos de Schwarzenegger e outro com limite elástico para enviar ao resto do país. O efeito prático da decisão californiana, portanto, seria modificar toda a produção automobilística americana.

A briga deu início a uma batalha jurídica que ainda não terminou. Ao lado de outros 12 estados, a Califórnia foi à Corte Suprema dos EUA pedindo que os juízes analisassem se o presidente do país – membro do mesmo partido – não estava cometendo uma ilegalidade ao se recusar a adotar medidas para controlar o efeito estufa. A guerra contra a indústria automobilística não pararia aí. Pouco após aprovar a nova lei de emissões de gases, em setembro deste ano, o procurador-geral estadual entrou com processo contra as 6 maiores montadoras de carros do estado. Queria uma indenização bilionária pelos danos ao ambiente causados por carros que eles fabricaram. A ação judicial foi inspirada nos processos que obrigaram a indústria do fumo a custear o tratamento de fumantes vítimas de câncer de pulmão. A lógica é simples: quem produz os danos deve arcar com os as con$eqüência$. O processo ainda está tramitando na Justiça americana.

O rigor com os carros é parte da proposta de Schwarzenegger de reduzir, até 2025, as emissões de carbono na Califórnia aos níveis de 1970. É uma meta mais ousada até que o Protocolo de Kyoto – o acordo que pretende reduzir as emissões dos gases estufa que provocam o aquecimento global. Em busca de apoio, Arnie cruzou o oceano e foi buscar Tony Blair, primeiro-ministro britânico, muito mais popular na Califórnia que o presidente dos EUA, George W. Bush. Juntas, Califórnia e Grã-Bretanha querem pesquisar energias limpas, cortar emissões de gases e formar um mercado transatlântico de carbono, que poderia incluir a Europa e, principalmente, outros estados americanos cujos governadores estejam em desacordo com a (inexistente) política ambiental de Bush. Se der certo, será uma proeza: os EUA cumprirão boa parte dos acordos propostos no Protocolo de Kyoto mesmo contra a vontade de seu atual presidente. E Schwarzenegger terá sido um dos principais líderes do movimento.

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O governador diferente

A conversão verde de Schwarzenegger surpreende. Muitos dos seus aliados tradicionais, identificados com a direita americana, fazem oposição a grandes projetos ambientais. Mas Arnie é um político diferente. Analistas políticos chamam a atenção para sua capacidade de se reinventar. A Slate Magazine, por exemplo, notou que estimular visitantes a tocar a espada usada no filme Conan, andar em jipões militares ou adotar I’ll be back como slogan de campanha transformariam qualquer outro político em piada. Mas Schwarzenegger fez tudo isso e ainda acabou consagrado nas urnas, reeleito governador em novembro com 3,8 milhões de votos – feito significativo para um membro do Partido Republicano na historicamente democrata Califórna. O mote da campanha, é claro, foi o ambientalismo. Suas promessas incluíram incentivos para o uso de energia solar, adoção de padrões ecológicos obrigatórios para qualquer nova construção, limites ao corte de madeira na Sierra Nevada e proteção dos mananciais. “Ele não é um político qualquer”, diz a Slate. “É o anti-político” (a propósito, ao comentar sua vitória, ele se saiu com essa: “Eu adoro continuações, mas esta é a minha preferida”).

Para o jornal San Francisco Chronicle, Schwarzenegger está mostrando que “coragem política não é suicídio político”. E a coragem não está apenas em brigar com as montadoras. Em 2005, espantou a Califórnia ao nomear como chefe da Casa Civil, uma democrata da ala mais à esquerda do partido, lésbica, defensora do casamento entre gays e que ainda havia sido auxiliar do governador defenestrado na crise pós-apagão. Seus interlocutores são igualmente dos Partidos Democrata e Republicano. Um político tradicional, afirmaram especialistas, dificilmente faria a mesma coisa. Seus auxiliares gostam de chamar a nova versão de “Arnie 2.0”.

Como bom astro de Hollywood, Schwarzenegger é um especialista em popularidade. Não sai da mídia. Desde 2005, quando foi derrotado no referendo popular, vem intensificando a produção de novos fatos políticos para ficar sob os holofotes. Quando o estado da Califórnia proibiu o fumo em espaços públicos – o que incluiu o prédio onde ele trabalha – Arnie mandou erguer uma tenda liberada para o fumo no jardim da mansão governamental e instalou ali seu escritório. É de lá que ele comanda o estado. Despacha com assessores, encontra-se com políticos e fuma os charutos de que tanto gosta. Todos feitos sob encomenda, na República Dominicana, e personalizados com uma etiqueta dourada onde se lê “Schwarzenegger”. Muitos analistas apontam esse comportamento como exemplo de um estilo de democracia que resume toda a disputa política ao marketing. Para eles, os políticos conquistariam eleitores com publicidade da mesma forma que a propaganda de produtos seduz os consumidores. A publicidade e os truques de comunicação têm mesmo uma enorme influência nas eleições dos EUA. Muito maior do que na Europa ou no Brasil. Mas há sempre um elemento de identidade entre interesses do eleitorado e a imagem construída para o candidato. Schwarzenegger não virou um hit de popularidade apenas com marketing. Ele mudou sua agenda de governo e entrou mais fundo do que talvez ele próprio imaginaria na ecologia. Está em sintonia com os desejos do eleitorado.

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As manchetes, porém, nem sempre são positivas. O governador é um mestre em gafes – conseqüência do hábito de falar de improviso. Num estado que preza o comportamento politicamente correto e censura frases machistas, por exemplo, seus comentários rendem polêmica. Durante a campanha, circulou na internet uma entrevista que ele havia dado a uma revista masculina contando o dia em que, durante um concurso de fisiculturismo (esporte pelo qual ele ganhou 13 títulos antes de se dedicar ao cinema), uma concorrente apareceu nua diante dos atletas e acabou fazendo sexo grupal com Arnie e outros 5 amigos. Recentemente, o governador se referiu à deputada Bonnie Garcia como “um tesão”. Diante da reação, explicou: “Como os cubanos e porto-riquenhos, Garcia tem sangue latino e sangue negro. A mistura dos dois é que faz isso, são todos muito quentes”. Diante da reação negativa, pediu desculpas à comunidade latina. (Nem todos os latinos se ofenderam. Bonnie Garcia, por exemplo, disse que “não chutaria o governador Arnold Schwarzenegger de minha cama”. Também ela acabou tendo de pedir desculpas públicas.)

Alguns ecologistas de carteirinha tampouco se convenceram inteiramente da conversão de Schwarzenegger ao ambientalismo. Apesar das atitudes cada vez mais firmes do governador em defesa de políticas de combate ao aquecimento global, muitos críticos continuam acreditando que é tudo “maquiagem política”. Mary Nichols, do Instituto para o Meio Ambiente da Universidade da Califórnia (UCLA), diz que “Arnold Schwarzenegger é um mestre comunicador, mas sua ação não casa com a sua retórica”. Um ponto concreto dessa desconfiança tem a ver com a construção de um terminal para estocar gás natural no litoral californiano. O projeto gerou o mais charmoso dos protestos anti-Schwarzenegger: ao saber que ele colocaria em risco a área de Malibu, onde mora a maior parte das celebridades de Hollywood, estrelas resolveram sair às ruas e brigar por seus direitos. Entre os indignados manifestantes estavam o ex-007 Pierce Brosnan, a louríssima Daryl Hannah, metida numa roupa de surfista de neoprene preto, e a modelo Cindy Crawford.

Mas as pesquisas de satisfação do eleitorado – e o resultado das urnas – mostram que os californianos adoraram seu governador super-estrela. E o estilo de Arnie desafia classificações dentro do espectro político americano: ele agrega aliados à direita e à esquerda, entre republicanos e democratas. A pergunta que se segue a essa informação é óbvia: então ele vai ser o próximo presidente dos EUA? Difícil. Para isso, seria preciso uma mudança na Constituição, que concede apenas a cidadãos nascidos no país o direito de ocupar a Casa Branca. Reformar a Carta, porém, dependeria do apoio dos congressistas, muitos deles também interessados em disputar a Presidência. Do seu lado, Schwarzenegger está em plena campanha. Tenta estimular um movimento popular a seu favor afirmando, em entrevistas, não entender que lei desigual é essa que proíbe americanos naturalizados de ocupar o principal cargo do país. O discurso termina, é claro, defendendo mudanças no texto constitucional. Seu futuro na política depende em grande parte da solução desse entrave. Se nada mudar na legislação, talvez só o reencontremos encenando O Exterminador do Futuro 4. De continuações ele já confirmou que gosta.

*Sérgio Abranches é diretor da agência de notícias O Eco (www.oeco.com.br), especializada em questões ambientais, e Ph.D. em ciência política.

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Para saber mais

The People’s Machine: Arnold Schwarzenegger And the Rise of Blockbuster Democracy – Joe Mathews, PublicAffairs, EUA, 2006

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Field Notes from a Catastrophe: Man, Nature, and Climate Change – Elizabeth Kolbert, Bloomsbury, EUA, 2006

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