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Sem país: o cosmonauta que estava no espaço quando a União Soviética acabou

O que era para ser uma missão de rotina de 5 meses acabou durando mais que o dobro, e quando Sergei Krikalev voltou à Terra, seu país não existia mais.

Por Bela Lobato
Atualizado em 3 set 2024, 20h47 - Publicado em 3 set 2024, 20h00

Em 1991, o cosmonauta soviético Sergei Krikalev fazia sua segunda visita ao espaço. O engenheiro mecânico partiu para uma missão de reparos de rotina que deveria durar cinco meses na Mir, a estação espacial da URSS que orbitava o planeta Terra a 400 quilômetros de altura. 

Krikalev acabou passando 312 dias por lá, o dobro do tempo previsto. Foi tempo suficiente para dar cinco mil voltas no planeta – mas em nenhuma delas ele pôde ver o tamanho do caos que tomava conta do seu país, que deixou de existir durante a viagem.

Essa é a história de Sergei Krikalev, conhecido como “o último cidadão soviético”. Ele decolou em 18 de maio de 1991, deixando para trás o país comunista em que havia crescido. Durante sua estadia no espaço, a URSS se dissolveu, e avisaram ao engenheiro que ele teria de ficar por lá até que alguém resolvesse o que fazer com ele. Durante todo o tempo, Krikalev não sabia exatamente o que estava acontecendo em solo terrestre.

Embora outros cosmonautas (os astronautas soviéticos) tenham chegado e ido embora da Mir durante o período de dez meses de estadia de Krikalev, não havia quem o substituísse na posição de engenheiro mecânico responsável pela estação. 

Krikalev se tornou uma figura reconhecida mundialmente naquele tempo, especialmente por ter sido o primeiro astronauta a se comunicar com radioamadores da Terra. Todos os dias, pessoas de todo o mundo sintonizavam a frequência usada pelo engenheiro para ouvir seu relato de como iam as coisas na estação.

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Sua esposa, Elena Terekhina, trabalhava como operadora de rádio no programa espacial soviético. Os dois se comunicaram, mas não trocaram detalhes sobre a situação política da URSS. “Estava tentando não falar com ele sobre coisas desagradáveis ​​e acho que ele estava tentando fazer o mesmo”, lembrou Terekhina no documentário da BBC O último cidadão soviético, de 1993.

Ele ficou lá, em um limbo sem previsão de retorno, em uma época que ninguém sabia exatamente quais os impactos que o tempo em órbita poderia causar ao corpo humano. Hoje conhecemos alguns dos riscos, como a exposição à radiação extraterrestre, a perda de massa muscular e óssea, impactos ao sistema imunológico, além de deterioração da saúde mental causada pelo isolamento.

Um homem vestido como astronauta. Há três seguranças segurando-o por seus braços.
(TASS/Sovfoto/Eastfoto/Reprodução)
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A operação que trouxe Krikalev de volta foi uma colaboração inédita entre as potências da Guerra Fria. Foi o começo de uma relação um pouco menos competitiva que permitiu a criação da Estação Espacial Internacional, que pode ser usada por vários países. É onde hoje estão “presos” dois astronautas norte-americanos que partiram para uma missão de 8 dias em junho deste ano, e devem ficar até fevereiro do ano que vem.

Quando finalmente retornou, em 1992, pisando em solo da Rússia, Krikalev estava pálido, suado, e precisou da ajuda de quatro homens para conseguir ficar em pé. “Apesar da força da gravidade, foi muito agradável voltar, nos libertamos de um fardo psicológico”, disse o cosmonauta em entrevista ao documentário da BBC. “Não diria que foi um momento de euforia, mas foi muito bom.”

Como Krikalev passou muito tempo no espaço viajando em altas velocidades, a dilatação do tempo fez com que ele voltasse 0,02 segundos mais jovem do que alguém que tenha nascido ao mesmo tempo que ele.

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Apesar da situação dramática, Krikalev não se traumatizou com o espaço e participou de diversas outras missões nas décadas seguintes. Hoje ele ocupa o quarto lugar no ranking de pessoas que passaram mais tempo fora da Terra. No total, ele soma 803 dias, 9 horas, e 39 minutos no espaço.

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