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Terror digital

Como o Estado Islâmico usou redes sociais para angariar fundos e simpatizantes. E assim conseguiu chocar a Al-Qaeda, ressuscitar uma forma de governo extinta e criar uma nova nação no meio de dois países caóticos.

Por Luiz Romero
Atualizado em 4 nov 2016, 19h03 - Publicado em 1 dez 2015, 19h45

“Estamos numa guerra. E mais da metade dessa batalha acontece na mídia”, escreveu, em 2005, o egípcio Ayman al-Zawahiri, um dos cabeças da Al-Qaeda, em uma carta para o iraquiano Abu Musab al-Zarqawi, fundador de um grupo fundamentalista parceiro da organização de Osama bin Laden. Ayman sabia da importância das mensagens em vídeo gravadas pelo chefe. Das cavernas do Paquistão, Bin Laden aparecia em televisões do mundo inteiro. “Estamos numa corrida pelos corações e mentes da opinião pública”, concluiu.

Ayman estava preocupado, porque a organização de Abu Musab não parecia estar empenhada em conquistar público algum. Ao divulgar vídeos de propaganda com prisioneiros sendo decapitados, Abu Musab desagradou aos parceiros da Al-Qaeda.

Mas ele não queria ser só mais um apoiador de Bin Laden. Seu plano era muito mais ousado: atacar os próprios iraquianos, a fim de acelerar o início de uma guerra civil, o que abriria caminho para a fundação de um novo Estado, criado por sua organização, que teria como missão unir todos os muçulmanos, inaugurando uma nova ordem islâmica.

Abu Musab pode ter incomodado os chefões da Al-Qaeda, mas ele parece ter assimilado, mesmo que à sua maneira, as palavras de Ayman. Ele morreu em 2006, e seu plano começou a ser posto em prática em 2014, graças, em boa parte, à popularização das redes sociais – e ao dinheiro do petróleo de refinarias conquistadas. Sua organização trocou de nome ao longo dos anos, e ficou conhecida no Ocidente como Isis (Estado Islâmico no Iraque e na Síria, na sigla em inglês).

“Certamente, é o grupo extremista que usa com mais eficiência as mídias sociais”, diz J.M. Berger, especialista em terrorismo e autor de Jihad Joe (inédito no Brasil). “Existem outros grupos que usam redes sociais. Mas eles estão aprendendo com o Estado Islâmico.” Veja nas próximas páginas as maiores ações do grupo em 2014, no campo de batalha e na internet, que o transformaram na nova dor de cabeça dos Estados Unidos.

Ataques atribuídos ao grupo

Ele ficou conhecido em 2014, mas está na ativa há anos. Veja a evolução da ofensiva.

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2004: 51
2005: 58
2006: 5
2007: 56
2008: 62
2009: 78
2010: 86
2011: 34
2012: 603
2013: 419

O que eles querem?

Coisa simples: implantar uma nova nação islâmica que resgataria o apogeu dos antigos califas, que com sua política expansionista exportaram o islamismo à Europa e à África.

O que já conquistaram?

Dominaram áreas importantes da Síria em 2013 e, em 2014, avançaram em direção ao Iraque, tornando-se a maior ameaça aos EUA. Sua influ- ência no Oriente Médio e no Ocidente, graças à internet, cresceu no ano.

Por que o isis ataca os Xiitas?

A intenção do grupo é iniciar uma guerra civil no Iraque e, dessa forma, criar instabilidade suficiente para dominar o país. Para disparar esse conflito interno, o grupo se alinha à minoria sunita e ataca os xiitas, que, nas eleições, conquistaram a maioria dos assentos.

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O que é um califado? 

Após a morte de maomé, em 632, seus seguidores criaram o califado, palavra que em árabe significa “sucessão”. o primeiro, de rashidun, fundado pelo sogro de maomé (portanto, um sistema de governo sunita), cobriu uma área da atual líbia ao irã. a partir de então, o expansionismo foi assunto importante para os califas. E foi esse estado que inspirou o ex-isis a querer unir muçulmanos em uma mesma nação. E mais: sem reconhecer governos islâ- micos atuais.

Leia: 6 técnicas do Estado Islâmico nas redes sociais

Entenda as guerras

 

Janeiro

Guerra física – invasão: na virada do ano, o então desconhecido Isis invade as cidades iraquianas de Fallujah e Ramadi. Usando a província de Anbar como base, o grupo começa a ocupação do Iraque.

Guerra digital – autopromoção: o grupo divulga vídeos que detalham a tomada de Ramadi, com caminhonetes apinhadas de homens armados desfilando pela cidade. As ações do Isis costumam vir acompanhadas de uma intensa movimentação digital. Não basta fazer, é preciso divulgar.

Fevereiro 

Guerra física – divórcio com Al-Qaeda : meses de disputas internas entre Al-Qaeda e Isis resultam no fim da aliança. Os sucessores de Osama bin Laden, acredite, consideram os métodos do grupo muito violentos. Em resposta à ruptura, o Isis comete um atentado suicida em Aleppo, a maior cidade da Síria, matando um integrante da Al-Qaeda.

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Guerra digital – autopromoção: além do Iraque, o Isis luta na Síria, vizinho que passa por uma sangrenta guerra civil desde 2011. Para manter as duas frentes de soldados, o grupo usa uma estratégia típica de recrutamento online, com questionários no site ask.fm que trazem perguntas como: como você entrou, pela Turquia? Você conhecia pessoas antes de viajar?

Março 

Guerra física – reação: o exército iraquiano, ajudado pelas tribos da região, consegue recuperar a cidade de Ramadi. Os conflitos entre soldados e militantes resulta em 336 mortos, 300 mil refugiados, 1500 feridos. Até o final do ano, a violência do Isis expulsaria de casa 2,7 milhões de iraquianos.

Guerra digital – convites e democracia: “As portas da jihad estão abertas”, convida um soldado, em inglês, em um vídeo de recrutamento. As mensagens são postadas em sites como YouTube e direcionadas a estrangeiros que desejam se juntar à guerra na Síria e no Iraque. O Isis publica no Twitter pôsteres colados nas cidades ocupadas e ameaça a realização das eleições de abril. O grupo usa dezenas de perfis diferentes para evitar que as mensagens sejam bloqueadas.

Abril

Guerra física – terror estilo Noé: os fundamentalistas transformam uma barragem do Rio Eufrates, conquistada na invasão de Fallujah, em arma. Eles abrem as comportas para impedir o avanço de soldados inimigos (e, consequentemente, destroem fazendas nas cercanias). Depois, fecham a barragem e interrompem o abastecimento de outras cidades.

Guerra digital – míssil na timeline: no Twitter, o Isis posta imagens de armas e carros roubados dos soldados iraquianos. São brinquedos poderosos, como mísseis guiados, capazes de destruir tanques de guerra.

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Maio

Guerra física – eleições e guerra: o exército iraquiano expulsa o Isis de alguns vilarejos ao redor de Fallujah. Enquanto isso, o resultado das eleições parlamentares de abril são divulgados e reproduzem a divisão da população, ou seja, os xiitas ficam com a maioria das cadeiras.

Guerra digital – terrorismo de sofá e crucificados pelo sistema: a ideia é se vangloriar e intimidar os inimigos do movimento. terrorista de sofá Um simpatizante anônimo ameaça, via Twitter, enviar carros-bomba a Bagdá. Ele não tem ligação com o Isis confirmada. É apenas mais um caso de gente que fala em nome do grupo sem autorização. Problemas da popularidade crescente.

O ataque será nos pontos de encontro dos apóstatas do governo, em vingança pela campanha hostil que eles iniciaram contra nosso povo em Fallujah.

Ativistas que lutam contra a presença do Isis em Raqqa, maior cidade ocupada na Síria, postam no Facebook fotos de pessoas crucificadas pelo grupo. A crucificação existe desde a Antiguidade e foi espalhada pelos romanos. Ela está prevista entre as penas para crimes graves na charia, a lei islâmica, adotada pelo Isis.

Junho

Guerra digital – a volta do califa: na mais ousada ação do Isis, o grupo conquista Mosul, a segunda maior cidade do Iraque. Como sempre atentos às repercussões midiáticas, eles aproveitam o destaque na imprensa internacional e anunciam a mudança de nome: o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Isis) agora é apenas Estado Islâmico (EI). Para completar, o grupo anuncia a criação do califado.

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Guerra digital – anúncio e zumbis digitais: o Estado Islâmico divulga a fundação do califado. No Twitter, mapas indicam os planos de expansão, que incluem áreas de Israel, Jordânia e Kuwait.

A legalidade de todos os emirados e Estados é anulada pela expansão da autoridade do califado e pela chegada de suas tropas.

Trecho do arquivo de áudio que anuncia o novo califado.

O EI lança um aplicativo para Android chamado Aurora das Boas Novas. Ao instalá-lo, você dá o controle de seu Twitter ao EI. Após a tomada de Mosul, os perfis inundam a rede social com mensagens ameaçando invadir Bagdá.

Julho

Guerra física – destruição: terroristas explodem locais sagrados de Mosul, como a Mesquita de Jonas, um templo importante também para judeus e cristãos, construído no século 8. O objetivo do grupo é eliminar pontos de oração de outras religiões, mesmo que esses lugares sejam adorados no islamismo.

Guerra digital – o líder e a convocação: Abu Bakr al-Baghdadi, recluso líder do EI, comanda preces em uma mesquita de Mosul. É um dos poucos registros do autoproclamado califa do novo Estado. Lançamento da Dabiq, publicação oficial do EI. A revista diz que o grupo trouxe “segurança e estabilidade” e alerta médicos, engenheiros e advogados muçulmanos de sua “obrigação” de migrar ao Iraque e integrar o movimento.

Agosto

Guerra física – extermínio: no caminho da expansão, o EI tenta “purificar o Iraque” de outros grupos religiosos, como os yazidi, minoria étnica que segue uma religião própria. Pessoas dessa comunidade fogem e acabam presas pelo grupo nas montanhas da região. Milhares de yazidis morrem atacados pelos militantes ou vítimas das condições adversas. Centenas de mulheres são estupradas e traficadas como escravas sexuais. Ao tentar conter o massacre, os EUA bombardeiam a região.

Guerra digital – o horror: divulgação de decapitação de reféns americanos e ingleses. Os vídeos são postados no YouTube e no LiveLeak, site que tem restrições mais brandas.As gravações, depois removidas, são uma resposta aos ataques de EUA e Inglaterra o Iraque.

Setembro

Guerra física – Xiitas no poder: o novo primeiro- -ministro, Haider al-Abadi, toma posse no lugar de Nouri al-Maliki. Opositores acusavam Maliki de ser favorável aos xiitas. Mesmo assim, o novo premiê também é xiita.

Guerra digital – pegadinha: o jornalista britânico John Cantlie, refém do grupo desde 2012, é obrigado a gravar um programa em que responde a críticas da mídia ocidental ao EI. O grupo usa hashtags populares como #WorldCup para aparecer mais nas buscas e fisgar até quem só queria ver um gol do Messi.

Outubro

Guerra física – expansão: apesar de ser atacado por uma coalisão de americanos e europeus, o EI consegue expandir sua presença em Anbar, capturando inclusive uma base militar iraquiana próxima da pequena cidade de Hit (onde angaria mais tanques, armas e munições). Além dessa região, o combate se concentra em Kobani, cidade estratégica para ter acesso ao interior da maior potência regional, a Turquia.

Guerra digital – segmentação: os vídeos de recrutamento focam públicos específicos. Um deles, para atrair jovens, usa cenas de explosões e tiroteios do jogo GTA 5. Em outro vídeo, o EI mostra um campo onde soldados fazem exercícios de guerra.

Novembro

Guerra física – boataria: o acesso de jornalistas a áreas de conflito se complica. Histórias sem comprovação se espalham, como o rumor de que o EI estava matando ex-policiais e soldados para impedir a criação de milícias de resistência.

Guerra digital – mais cabeças e ampliação: novos vídeos de execu- ções, que incluem um voluntário americano e 18 soldados sírios. Em produções anteriores, os militantes mataram integrantes do exército libanês e soldados curdos. Grupos terroristas de cinco países declaram apoio ao EI, que divulga um arquivo em áudio comemorando a expansão do califado.

Anunciamos a expansão do Estado Islâmico para novas regiões, para a Arábia Saudita, Iêmen, Egito, Líbia e Argélia. Aceitamos os juramentos daqueles que nos prometeram fidelidade nessas terras.

Dezembro

Guerra física – em espera: o Iraque planeja invadir Mosul, mas os EUA alertam que a melhor atitude seria esperar a capacitação de mais soldados e que a expulsão do EI da cidade apenas faria com que os militantes retornassem à Síria, piorando a guerra civil naquele país. Segundo a ONU, o grupo tem armas suficientes para continuar lutando por mais dois anos.

Guerra digital – novas redes: o EI divulga um guia que explica como remover dados de localização que ficam escondidos em alguns arquivos de foto. O grupo ainda abre uma conta na Diaspora, rede social mais difícil de ser controlada. A censura o levou a deixar o Twitter em agosto.

NÚMEROS

Guerra física
– 636 bombardeis contra EI (entre agosto e dezembro de 2014) ao Iraque e 492 na Síria.
– 31 mil soldados o EI possui, diz a CIA.
– 160 ataques de homens bomba (dados de 2013).
– 537 bombas em carros (dados de 2013).
– 1047 execuções com atiradores de elite (dados de 2013).

Guerra digital
– 60 mil membros do “exército digital” do EI postaram mensagens positivas sobre o grupo entre agosto e setembro de 2014.
– 40 mil mensagens de contas dominadas pelo EI foram postadas em um único dia, graças ao app do grupo.
– 5 mil posts no mesmo dia ligados ao Jabhat al-Nusra, milícia síria inimiga do EI.

Leia também:
7 coisas que você precisa entender sobre o Estado Islâmico
O que o Estado Islâmico quer?

 

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