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Um futuro muito louco

Jacob diz que não há limites para a tecnologia, mas as ambigüidades da fala humana continuarão sendo um obstáculo intransponível para as máquinas, cada vez mais inteligentes.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h22 - Publicado em 30 abr 2002, 22h00

Alexandre Versignassi

Futurólogo profissional, o bem-humorado Jean Paul Jacob, pesquisador da IBM americana há 40 anos, é um dos cientistas brasileiros mais respeitados no exterior. Já foi contestado por prever o fim do disco de vinil e o surgimento do notebook. Desta vez, ele polemiza novamente, apostando no desaparecimento dos computadores, tal qual os conhecemos, e na expansão devastadora da internet. A rede do futuro, segundo ele, será vitaminada: vai interligar bilhões de objetos pessoais, de privadas a fornos microondas. Em algumas décadas, existirão chips capazes de serem conectados à internet até nos piercings que os jovens usarão. Impossível? “Meu primeiro projeto científico, para a Nasa, em 1961, era produzir um sistema que simulasse gravidade em laboratórios espaciais. Os médicos da época duvidavam, dizendo que, sem a gravidade, os órgãos dos astronautas sairiam por qualquer buraco do corpo. Estavam errados”, diz Jacob, que vive na Califórnia e falou com a Super durante uma breve passagem por São Paulo.

Super – Que tecnologias farão parte do nosso cotidiano daqui a algumas décadas?

Os objetos que nos cercam estarão todos conectados entre si. O nosso despertador, ligado à internet, verá como anda o tráfego nas avenidas que precisamos atravessar para chegar ao trabalho. A cafeteira vai saber a que horas deverá começar a fazer o café. E assim mais um trilhão de objetos interligados no mundo inteiro por uma nova rede, uma extensão da internet, que eu chamo de “pele”. Será uma rede com sensores, que poderão prever desde as condições climáticas para que a irrigação de um campo aconteça no tempo certo até se o ar-condicionado estará ligado ou não quando você entrar numa sala. E essa “pele” terá a capacidade de computar todas as informações, mesmo as mais díspares. Os ambientes que nos cercam serão “atentos”. Sua privada, por exemplo, poderá analisar suas fezes e comunicar ao seu médico se você tem algum problema de saúde. A receita do remédio viria pela internet e o forno microondas sintetizaria essa receita.

Quais seriam as idéias mais malucas?

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A Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos promoveu um workshop e convidou funcionários de grandes empresas de tecnologia para discutir especulações absurdas para daqui a 50 anos. A sugestão mais maluca que surgiu ainda não tem como ser concretizada. Imagine um vapor que tomasse conta da sala onde você estivesse e que apresentasse campos eletromagnéticos, gerados pela sua palavra. Você diria: “Quero uma xícara de café”, por exemplo, e o vapor se condensaria em uma. Ou, então, falaria: “Preciso de tal medicamento” e logo teria um nas mãos. Muita gente acha que poderemos fabricar objetos a partir de vapores ou neblinas daqui a uns 100 anos. Existem outras idéias mais simples, como dar gosto a alguma coisa por comando. Você teria um copo com um líquido, com uma série de partículas em suspensão, como pequenas esferas com gostos diferentes. Você diria “suco de uva” e a respectiva cápsula se abriria. As outras ficariam inodoras e sem gosto.

O que desaparecerá nas próximas décadas, com o avanço tecnológico?

Os computadores certamente desaparecerão. O texto de abertura do meu site (www.almaden.ibm.com/cs/informa tics/index-p.html) começa com a frase: “Esqueça os computadores, lembre-se de computação”. No futuro, tudo lhe dará acesso à internet. Todos os objetos que você carrega, ou que cabem no seu bolso, têm a possibilidade de se tornarem meios de acesso à rede. Os computadores, portanto, tendem a sumir, mas os chips surgirão em todos os lugares. Isso não é futurologia. Estou convencido de que pode acontecer mesmo.

E os computadores “sensíveis”, que sabem o seu humor? Qual seria a utilidade de uma máquina que percebe que você está aborrecido?

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Imagine que você chega nervoso ao trabalho, sua mão está suando e seu mouse – que mede a pulsação, a temperatura do dedo etc. – sabe disso. Será que vamos ter um Grande Irmão (entidade onipresente que dirige a vida dos cidadãos no livro 1984, de George Orwell) controlando o que pensamos? Não, a utilidade não é essa. Imagine um controlador de tráfego aéreo, que tem a vida de muitas pessoas em suas mãos. Ele chega de casa agitado. O mouse informa que ele não está com suas medidas normais. “Vá descansar uns minutos”, sugere a máquina. Ou você está guiando um carro, irritado. E joga o carro de lado, num movimento que provavelmente resultaria numa capotagem. A direção pode compensar e salvá-lo. Tudo o que desenvolvemos para fazer com que o computador entenda nossas emoções não visa a atitudes independentes das máquinas. São aplicações que facilitam a realização das nossas vontades.

Como as máquinas vão interagir com a gente?

Fazemos vários experimentos no computador para que ele saiba para onde você está olhando. A utilidade? Você faz uma pesquisa num site de busca e encontra 35 000 referências. Olha só as dez primeiras. Se o computador monitorar a sua pupila e souber quais delas chamaram sua atenção, ele conhecerá o tipo de informação que você procura. Aí filtrará os dados nos outros 34 990 links. E vai trazer as que mais lhe interessam como “as próximas dez referências”.

O que só máquinas milhões de vezes mais rápidas poderiam fazer?

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Prospecção de dados. O conhecimento produzido pela Editora Abril por meio de suas publicações pode ser suficiente para resolver questões importantes para o país, por exemplo. Mas ninguém sabe como juntar essas informações. Veja o problema da epidemia de dengue. Se eu tivesse acesso a todas as publicações da Abril, com um bom sistema de prospecção de dados talvez encontrasse a solução nesse banco de idéias. Isso é futuro: usar informações dispersas para extrair conhecimento. O mundo está explodindo com o volume de idéias que circulam atualmente, mas elas só são valiosas se aproveitadas de forma mais organizada.

E o que a tecnologia não pode fazer?

Nenhuma máquina jamais conseguirá reconhecer integralmente a fala humana, com todas as suas nuanças. Quando conversamos, você não entende exatamente o que eu estou dizendo, mas sim a sua interpretação sobre o que eu digo. Cada um de nós interpreta um poema de forma diferente e sente emoções distintas. O reconhecimento da fala depende do background cultural, das expectativas que você tem, do quanto conhece a pessoa com quem fala e da capacidade de perceber as ambigüidades nas declarações. Se nem mesmo a gente entende totalmente a fala do outro, por que a tecnologia compreenderia? A ambigüidade traz para você interpretações que dependem da sua memória e do seu conhecimento anterior. Se tentarmos calcular o volume de informações comuns que nós temos, esse número é tão grande que não existe banco de dados que possa armazená-lo. É impossível, então, fazer com que um computador tenha os conhecimentos que você tem. Aliás, esse é um grande desafio. Também há coisas que nem queremos que a tecnologia resolva. Não quero um programa que interprete poesia por mim.

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Frase

“Se um dia houver teletransporte, espero não ficar perdido numa conexão”

Jean Paul Jacob

• Tem 65 anos de idade. Nasceu em São Paulo, SP, e é torcedor do Tricolor do Morumbi

• Gerente de Relações Técnicas no Almaden Research Center da IBM, em San Jose, Califórnia

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• Professor no Departamento de Engenharia Elétrica e Ciência da Computação na Universidade da Califórnia, em Berkeley

• Afirma não ler um livro há 25 anos. Somente poesias

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