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Unipolaridade americana: O império vai cair

O cientista político americano KennethWaltz diz que os Estados Unidos perderão a liderança em poucas décadas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 29 fev 2004, 22h00

Eduardo Szklarz

Quando o império soviético desmoronou, muitos analistas internacionais pensaram que os Estados Unidos passariam a disputar o mundo com países como Japão, Rússia, Alemanha e China. Eles se enganaram. Pela primeira vez na história, uma só nação assumiu um poder muito acima das demais, uma situação que os especialistas chamam de unipolaridade. Os domínios de Carlos Magno se limitavam à Europa. Os romanos chegavam mais longe, mas conviviam com um grande império na Pérsia e um maior ainda na China. Hoje, a história é bem diferente. Os Estados Unidos gastam em defesa o mesmo que a soma dos outros 25 países mais poderosos do mundo. Em 2007, vão gastar mais que todas as demais nações juntas.

Até onde a vista alcança, nada parece deter a superpotência solitária. “Mas ela vai cair. É apenas uma questão de tempo”, diz Kenneth Waltz, professor de ciência política da Universidade de Colúmbia, Estados Unidos, e membro da Academia Americana de Artes e Ciências. Waltz é o pai do neorealismo, que parte da teoria clássica de que os países são o que importa nas relações internacionais, e não organizações, empresas, fundos ou bancos. A novidade de Waltz é estudar a lógica – ou, em suas palavras, a estrutura – que define o comportamento entre os países. Não importa muito quem esteja governando cada país, a estrutura estabelece regras que fazem a relação entre eles ser sempre parecida.

Uma dessas regras é que, por não existir nenhum governo que regule a relação entre as nações, cabe a cada uma competir para sobreviver. Quando um país poderoso começa a emergir, outros tratam de detê-lo para impedir que se torne hegemônico. Waltz diz que esse equilíbrio de poder sempre aconteceu ao longo dos séculos – basta ver o que aconteceu com a França de Napoleão e com a Alemanha nas duas guerras mundiais. Quando alguém conseguirá então medir forças com os Estados Unidos? Foi o que Waltz explicou à Super.

Não fossem os atentados ao World Trade Center, haveria nova guerra no Iraque?

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Sim. Algumas lideranças da atual administração Bush já queriam invadir e derrotar o Iraque desde a primeira Guerra do Golfo. Os ataques de 11 de setembro de 2001 apenas facilitaram essas ações. Possibilitaram levá-las a cabo mais cedo, mais rápido e com menos oposição dentro e fora dos Estados Unidos. Hoje sabemos que a denúncia de armas de destruição em massa foi inventada. Poderíamos ter esperado que as inspeções prosseguissem. Por que não poderíamos deter o Iraque? Conseguimos derrotar a União Soviética!

Quais as conseqüências da atual unipolaridade americana?

Vai depender do que nós, americanos, quisermos fazer dela. Unipolaridade significa que não há nenhuma combinação possível de países que possa se opor efetivamente aos americanos. Não temos que considerar uma oposição de outros países a menos que queiramos fazer isso. Antes, olhávamos para o mundo da Guerra Fria e víamos a interação entre Estados Unidos e União Soviética: um limitava o outro. Essas limitações não existem mais. Se é para haver uma oposição efetiva à política externa americana, ela terá que partir de dentro dos Estados Unidos. Outros países ainda não podem fazer isso.

A China pode ser uma ameaça ao poder dos Estados Unidos?

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Ainda não. Um dia os chineses poderão ter condições de igualar forças com os Estados Unidos, mas tudo vai depender de como os dois países vão se desenvolver nas esferas econômica, tecnológica e militar. Penso que esse equilíbrio só ocorrerá daqui a 20 ou 30 anos. Na última crise entre China e Taiwan, os Estados Unidos mandaram porta-aviões às águas chinesas e não houve nada que os orientais pudessem fazer. Foi muito impressionante do ponto de vista militar americano e muito deprimente do ponto de vista chinês.

E a União Européia?

Depois da Segunda Guerra Mundial, os países europeus deixaram de ser grandes poderes e mudaram de comportamento. Antigos provedores de segurança para outras partes do mundo, eles se tornaram consumidores de segurança. Passaram a viver à sombra das duas superpotências: Estados Unidos e União Soviética. Se a União Européia fosse uma entidade política, poderia equilibrar forças com os Estados Unidos em pouco tempo. Tem todos os recursos para isso: população, economia e tecnologia. Só o que lhe falta é existência política. Ela existe como uma sociedade economicamente cooperativa, uma união que pode administrar, proteger direitos humanos e impor uniformidade de leis, mas é incapaz de ter uma política exterior e de defesa comum.

O terror não ameaça a superpotência?

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O terrorismo incomoda muito, mas não ameaça a segurança e o tecido social de um Estado forte. O Taleban destruiu dois edifícios importantes, causou danos ao Pentágono e matou algo como 3 mil pessoas. Em resposta, os Estados Unidos derrotaram e ocuparam o Afeganistão e o Iraque. A desproporção é imensa. Claro que não estamos acostumados a essas circunstâncias perigosas, por isso ficamos tão impressionados por eventos como os de 11 de setembro.

Segundo sua teoria, grandes poderes não podem se manter indefinidamente. Que política exterior os Estados Unidos devem seguir para adiar a queda?

Essa é a palavra: adiar. Sabemos pela teoria e pela história que o equilíbrio de poder vai se reconstituir. Só não sabemos quando. Duas coisas podem determinar o período de tempo até lá. Uma delas é o comportamento dos Estados Unidos. Se for moderado, levando em conta os sentimentos e interesses dos outros países, então aumentará esse prazo, mas não conheço nenhum caso na história em que a maior potência se comportou moderadamente. A outra é a disparidade entre o poder dos Estados Unidos e o das demais potências. Quanto maior a brecha, maior é o tempo necessário para preenchê-la. Como a disparidade econômica, militar e tecnológica é enorme, o processo levará muito tempo. Como disse, entre 20 e 30 anos.

Então a atitude arbitrária da Casa Branca pode ameaçar o domínio americano?

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Sim, mas lembre-se de que ainda assim é difícil resistir, porque os Estados Unidos podem oferecer favores e causar dor aos outros países. Veja o caso da França. Ela obviamente gostaria de conter os Estados Unidos, mas sabe que não pode. Os franceses criticam muito, mas acabam não indo longe. O Iraque é um exemplo disso: eles se opuseram à intervenção mas, quando a guerra já estava terminada, a França também quis participar da reconstrução do país. Ela sempre manteve negócios naquela região e gostaria de restaurar os contatos. Terminou pagando o preço de se opor aos Estados Unidos.

E qual o preço pago pelos americanos?

Exceto a Inglaterra, nenhuma outra nação poderosa se associou a eles contra o Iraque. O primeiro sinal do equilíbrio é quando os outros países começam a se distanciar da superpotência na política internacional. Há muitas indicações de que isso esteja acontecendo agora.

A globalização seria uma forma de amenizar essa diferença de poder?

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Globalização e interdependência são termos muito usados hoje, mas obscurecem a realidade. O mundo é altamente desigual. A diferença entre os países é imensa e está crescendo. Nos anos 90, cerca de 80% dos investimentos internacionais foram para os países do norte, sobretudo Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha. E os americanos buscam aumentar essa diferença. A política oficial da administração Bush é: seremos tão fortes que todos os demais vão desistir de competir conosco. As pessoas falam de integração, mas o mundo está cada vez mais desintegrado.

Kenneth Waltz

• É americano, tem 79 anos e fez doutorado em 1959

• Costuma dividir o tempo livre entre Nova York e o Maine

• Adora escutar música clássica, sobretudo peças de Bach, Schubert e Berlioz

• Seu romance preferido é Guerra e Paz, de Tolstói

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