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Visionário ou vendilhão?

Após fundar o Greenpeace, Patrick Moore virou a casaca e passou a defender tudo que os ecologistas odeiam. Será que ele ficou doido? Ou enxergou o que ninguém viu?

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h25 - Publicado em 31 ago 2007, 22h00

A Guerra do Vietnã continua firme. Secretamente, EUA e União Soviética aceleram a corrida armamentista. Estamos em 1971 e o clima é tenso. Mas aí uma turma de pacifistas se junta pra fazer algo nunca visto. Alugam um barco e navegam até o Alasca para protestar contra os testes nucleares americanos.

Incrivelmente, dá certo: pressionado pela opinião pública, o governo interrompe os testes. Os ativistas ganham a atenção do mundo e formam o que viria a se tornar uma superpotência ambiental – o Greenpeace, hoje presente em mais de 40 países. Um dos tripulantes nessa primeira missão era o canadense Patrick Moore: na época, um hippie com 24 anos e cabelos longos.

Três décadas depois, tudo mudou. A Guerra Fria e os hippies estão extintos. As grandes preocupações são a emissão de poluentes, a comida transgênica e o aquecimento global. Patrick Moore, agora um senhor, também está diferente. E como: hoje defende tudo o que os ecologistas clássicos mais detestam. Execrado por seus antigos colegas, ele se tornou o inimigo número 1 do Greenpeace: talvez porque, além de ter cometido “traição”, defenda com inteligência suas opiniões. Será que ele tem razão? Ou simplesmente se vendeu?

Recentemente, você escreveu: “Fico triste em ver os ativistas ecológicos se equivocando tanto, com informações e prioridades tão erradas”. De fato, às vezes ongs ambientalistas são acusadas de agir politicamente, ignorando a ciência. O que aconteceu?

Na década de 1980, o movimento ambiental começou a ficar mais extremista. E existem dois motivos para isso. Primeiro, naquela época a maioria das pessoas já aceitava as nossas propostas (dos ecologistas). Então, a única forma de continuar “do contra”, questionando o establishment, era adotar posições mais e mais extremas – eventualmente abandonando a ciência e a lógica. O outro motivo foi o fim do comunismo. Muitos ativistas políticos de esquerda migraram para o movimento ambientalista. Eles aprenderam a usar termos “verdes” para defender seus projetos – que têm muito mais a ver com anticapitalismo do que com ecologia. Em 1985, eu era o único diretor do Greenpeace com formação científica, um mestrado em ecologia. Os meus colegas não respeitavam isso e diziam: “Somos todos ecologistas”.

Aí você resolveu sair.

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Eu estava cansado de ser contra tudo, queria achar soluções para as coisas. Em 1982, ouvi pela primeira vez o termo desenvolvimento sustentável e percebi que esse era o desafio: incorporar ao dia-a-dia os valores ecológicos. Mas o Greenpeace não estava interessado. Defendi, por exemplo, o cultivo de peixes como alternativa à pesca indiscriminada. Eles não concordaram. Além disso, na época o Green­peace­ queria banir o uso de cloro. Eu disse que a água clorada era o maior avanço na história da saúde pública. Eles não se importaram e iniciaram uma campanha contra o cloro que dura até hoje. Eu não podia continuar numa organização assim.

E hoje? Como você vê o Greenpeace?

O Greenpeace influencia muito as políticas públicas. Mas está fazendo mais mal do que bem. Suas campanhas contra alimentos transgênicos, energia nuclear, cloro, criação de peixes em cativeiro e exploração florestal são todas baseadas em medo e desinformação. Eles dizem que querem reduzir o consumo de combustíveis fósseis – mas aí se opõem às principais alternativas, que são a energia nuclear e a hidrelétrica. Eles falam como se fosse possível resolver tudo com energia solar e eólica – o que é claramente impossível.

Você costuma ser acusado de trair o movimento ecológico, de se vender ao inimigo porque hoje dá consultoria a empresas, inclusive da área nuclear. Você virou a casaca?

Eu não mudei de lado, pois sempre acreditei que nós precisamos equilibrar as necessidades das pessoas com a proteção do ambiente. O que há de errado em ajudar a indústria a vencer desafios ambientais? Afinal é ela, com seus produtos e serviços, que torna a vida civilizada possível. Al Gore e os líderes do Greenpeace vivem com todos os confortos modernos, mas querem que nós voltemos a uma espécie de era pré-industrial.

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Transgênicos poderiam acabar com a desnutrição no planeta. Bloquear sua utilização é um crime contra a humanidade. O Greenpeace deveria ser julgado por fazer isso.

O aquecimento global é o tema ambiental que mais mobiliza a atenção do público hoje. Na sua opinião, esse é um problema que merece tal importância?

O aquecimento é uma questão importante, merece a nossa atenção. Mas não sou alarmista e não acho correto usar termos como caos ou catástrofe climática. E também não acho possível provar, cientificamente, que os seres humanos são a causa do aquecimento global. Não é razoável supor que os fatores ambientais que sempre guiaram o clima, durante toda a história da Terra, deixaram de existir – e nós, agora, somos os grandes causadores das mudanças. As elites políticas estão tentando assustar o público para ganhar controle sobre ele. Na minha opinião pessoal, a maior questão ecológica é a pobreza. Sociedades pobres não conseguem limpar a água que sujam, nem replantar as árvores que cortam.

Mas e os relatórios divulgados recentemente pela ONU? Um deles afirma que, se a temperatura subir 1,5 0C, 30% de todas as espécies animais e vegetais correrão perigo de extinção.

Essa afirmação parece absurda. A Terra já foi muito mais quente. Hoje, a temperatura média está em 14,5 ºC. Por boa parte da história do planeta, chegou a 22 ºC – nem existia gelo nos pólos. As espécies que hoje estão vivas sobreviveram a esses períodos quentes. Eu até acho que seria uma boa idéia reduzir o consumo de combustíveis fósseis, mas pela qualidade do ar e por questões geopolíticas, como reduzir o conflito com o Oriente Médio.

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Você defende a energia nuclear. Mas o fato é que ela sofre rejeição maciça da sociedade.

O movimento ambiental, especialmente o Green­peace, foi criado sob o temor de uma guerra nuclear (entre os EUA e a antiga União Soviética). Nós cometemos um erro, que foi tratar a energia nuclear da mesma forma que as armas nucleares – como se fossem parte do mesmo holocausto. Não faz sentido banir uma tecnologia só porque ela pode ser usada para o mal. Se fosse assim, os humanos jamais teriam usado o fogo. A energia nuclear não sofre rejeição maciça – na verdade, ela é cada vez mais aceita em todo o mundo.

Mas e o lixo nuclear, ou a possibilidade de vazamento de radiação?

Atualmente é fácil controlar o lixo nuclear. Ele não vaza, pois não é líquido – é um material sólido envolvido por camadas de metal e concreto. Não escapa para o ambiente, como a poluição produzida pela queima de combustíveis fósseis. Além disso, creio que o perigo da radioatividade tem sido exagerado, para assustar as pessoas. Todos nós somos expostos e recebemos radiação todos os dias. Mas só altos níveis de radiação são perigosos – e só Chernobyl lançou esses níveis no ambiente até hoje. Nunca mais, porém, existirá um reator tão mal projetado quanto o de Chernobyl.

Você é a favor dos alimentos transgênicos?

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Nunca se provou que as plantações geneticamente modificadas façam algum mal à saúde – ou ao ambiente. Pelo contrário, há muitos efeitos positivos, como menos uso de pesticidas, menor exposição do lavrador a produtos químicos, menos erosão do solo. Alguns tipos de transgênicos poderiam acabar com a desnutrição – como o arroz dourado, que incorpora ferro e vitaminas A e E. E essa tecnologia já existe. Mesmo assim, o Greenpeace continua a bloquear a utilização. É um crime contra a humanidade que deveria ser julgado em tribunal internacional. A oposição aos alimentos transgênicos se baseia em ignorância e medo.

Você disse que, para o ambiente, “os automóveis são a tecnologia mais destrutiva já inventada pela humanidade”. Como vê o carro a álcool? E o carro a hidrogênio?

O carro a hidrogênio não será viável num futuro próximo, pois há muitos obstáculos técnicos. Já o álcool é uma boa alternativa, pode ser o biocombustível do futuro.

Num de seus textos, você diz que a humanidade deveria consumir mais madeira e que isso faria bem ao planeta. Como assim?

A madeira é a maior fonte de energia renovável que existe. E sua exploração leva ao reflorestamento. O que prejudica as florestas é a agricultura. Quando compramos madeira, estamos estimulando a plantação de mais árvores para satisfazer à demanda. Os países que mais consomem madeira são os que têm as florestas mais saudáveis.

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Certo, mas isso não acaba reduzindo a biodiversidade? Afinal, geralmente vários tipos de árvore são derrubados – mas apenas uma espécie é replantada no lugar.

A exploração florestal mexe, sim, com a biodiversidade. Mas, tendo um sistema de áreas intocadas e reservas ecológicas, é possível preservar ao máximo a biodiversidade – e ainda assim ter uma boa produção de madeira.

Os ativistas ecológicos tendem a fazer previsões pessimistas para o futuro. Qual é a sua?

Acho que há motivos para ser otimista. As pessoas estão vivendo mais, e com mais saúde. As espécies não estão desaparecendo no ritmo que os catastrofistas previam. A população mundial deve se estabilizar em 9 bilhões – e nós vamos conseguir alimentar toda essa gente. A tecnologia está ficando mais limpa, mais verde – e as pessoas estão mais conscientes do que nunca sobre o ambiente.

Os outros inimigos do verde

Bjorn Lomborg

Sentiu a ira verde ao publicar o livro O Ambientalista Cético, onde minimiza os riscos de catástrofes ambientais. Como resposta, ganhou uma edição da revista Scientific American dedicada a desmontar suas idéias.

Richard Lindzen

Físico do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ajudou a redigir um relatório sobre o aquecimento para a ONU. Depois, virou a casaca: hoje afirma que a Terra vai esfriar – e não esquentar – nos próximos 20 anos.

Roy Spencer

Meteorologista da Nasa, ganhou fama ao afirmar que o efeito estufa não está esquentando o planeta. Mas caiu em desgraça ao defender o criacionismo.

Martin Durkin

Seu documentário The Great Global Warming Swindle insinua que o homem não é responsável pelas mudanças no clima. Para ecologistas, o filme está cheio de erros.

Patrick Moore

– Cresceu numa família envolvida com a exploração madeireira; mesmo assim (ou talvez por causa disso), se tornou ecologista.

– Mora em Cabo Pulmo, vilarejo mexicano famoso por seu recife de coral e pela vida marinha; não tem telefone em casa.

– Acredita que a floresta Amazônica é “uma das mais preservadas do mundo” e boa parte dela “vai continuar intocada por séculos”.

– Ganha dinheiro dando palestras sobre energia nuclear e com sua consultoria, a Greenspirit (“Espírito Verde”), que ajuda empresas a perseguir a chamada “sustentabilidade ecológica”.

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