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Você ainda vai sentir saudades da China

Até ontem o único jeito de se impor contra os EUA era pela economia, como faz a China. Agora a Rússia mostra suas cartas de porrete na mão. A Guerra Fria voltou?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h22 - Publicado em 30 set 2008, 22h00

Texto Maurício Caligueri

Houve uma época em que czares russos comandavam a mais rica potência européia. Houve outra em que a União Soviética e os EUA dividiam o mundo como uma pizza com azeitonas nu- cleares. E houve mais uma em que o presidente da Rússia foi Boris Ieltsin – um alcoólatra corrupto que, na implantação do capitalismo, criou oligarcas bilionários como Boris Berezovski (sim, aquele do Corinthians) enquanto a população russa empobreceu 75%.

Hoje, a Rússia quer reconquistar o que considera seu lugar natural no mundo. E o Ocidente está dividido demais para decidir como agir.

A nova subida da montanha-russa veio em 2000, quando Ieltsin passou o bastão para Vladimir Putin, ex-agente da KGB (a agência de informação e segurança soviética). A dança de cadeiras tirou poder da oligarquia e estatizou suas empresas, como a Yukos (a Petrobras russa) e meios de comunicação, que passaram a servir como instrumento de propaganda, no melhor estilo comunista. Também fortaleceu o FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor da KGB), que aumentou o controle sobre a sociedade e redividiu o país em 7 distritos federais com representantes apontados pelo presidente. Putin agora era visto como um czar montado sobre as maiores reservas de gás do mundo. Conseguiu recuperar a casa, com crescimento econômico anual de 7%. A pobreza caiu, a classe média cresceu. E hoje o urso eslavo acha que chegou a hora de botar sua ordem no quintal, abocanhado pelo Ocidente enquanto hibernava.

Na Guerra Fria, uma Cortina de Ferro separava as áreas de influência dos EUA e da URSS. De um lado, atuava a aliança militar ocidental – a Otan. De outro, a aliança militar soviética – o Pacto de Varsóvia. Mas, com o fim da URSS em 1991, a Federação Russa viu 14 das 15 repúblicas soviéticas declarar independência. No xadrez mundial, sobraram os EUA como a única superpotência. Sim, o mundo parecia mesmo entrar numa era unipolar. A Otan incorporou quase todos os membros do Pacto de Varsóvia que não faziam parte da URSS (veja no mapa da página sequinte) mais os 3 países bálticos, que faziam. A Rússia estava humilhada: com Estônia, Letônia e Lituânia, via pela primeira vez a aliança ocidental chegar à sua fronteira. E os EUA, responsáveis por 70% dos gastos militares da Otan, relaxavam no trono.

Mas a cadeira está balançando. Hoje os EUA estão metidos em dois fronts eternos (Afeganistão e Iraque). E não combatem um inimigo palpável, mas, sim, o terrorismo, um conceito fluido. Enquanto isso, vêem emergir dois antigos impérios-monstro: a Rússia, montada em quase metade das armas nucleares do mundo, e a China. Os dois, que eram adversários, resolveram suas disputas territoriais e junto com 4 países asiáticos formam hoje a Organização de Cooperação de Xangai, criada para combater o separatismo na região. O novo tabuleiro, portanto, não é unipolar. E a Rússia quer deixar isso bem claro.

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Que o diga a Geórgia. Com sua localização estratégica no Cáucaso, entre a Rússia e o Irã, a ex-república soviética tinha tudo para ser aliada do Ocidente: poderia tanto servir de base militar quanto de corredor para o gás e o petróleo do mar Cáspio e da Ásia Central, evitando passá-lo pela Rússia. E foi isso mesmo que ela fez a partir de 2003: o presidente Mikhail Saakashvili, um advogado formado nos EUA, abriu a economia do país e permitiu que seu Exército fosse treinado pelos americanos. Em 2007, sua economia crescia a 12%, bombada por investimentos estrangeiros, e seu Exército tinha 2 mil soldados no Iraque.

O próximo passo era tentar entrar na Otan. Os EUA apóiam. Países como a Alemanha, maior parceiro econômico da Rússia, ficam em cima do muro e a Rússia grita que não quer. Com isso, a candidatura ficou congelada. Mas a Geórgia quis testar o apoio ocidental. E atacou a Ossétia do Sul, uma província sua que desde 1992 funcionava como protetorado russo – o vizinho do norte até distribuíra passaportes russos aos ossetos. Em pouco mais de uma semana, foi derrotada por Putin.

Guerra quente

Mas a maior ira dos russos é outra, bem mais relevante que a Geórgia: a intenção americana, apoiada pela Europa, de expandir um escudo antimísseis na direção da Rússia (note que um “escudo” é basicamente um monte de mísseis apontados para algum lugar). Os EUA dizem que serviria para proteger o Ocidente de um ataque de países como o Irã. Não importa: a Rússia vê o escudo como ameaça.

Em junho, já levantou a voz quando a República Checa assinou um tratado permitindo a instalação em seu território de uma base do escudo. Como resposta, a Rússia cortou em 40% o fluxo de petróleo entregue aos checos.

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Na metade de agosto, foi a vez de a Polônia permitir a instalação de 10 mísseis interceptores americanos. Mas, desta vez, tinha um detalhe extra: ela exigiu que junto viessem baterias de mísseis de defesa voltados para a Rússia. Para piorar, a Ucrânia, vizinha que quer entrar na Otan, ofereceu seus radares aos americanos.

A questão não é se os EUA vêem a Rússia como inimiga. O ponto é que os países do Leste Europeu estão se aliando aos EUA não por temer o Irã, mas, sim, a Rússia.

Os EUA continuam como os maiores atores num tabuleiro com vários outros jogadores menores que não disputam o mundo, mas buscam recuperar sua área de influência. Além disso, a Rússia de hoje não tem a força dos tempos dos czares nem dos soviéticos. Em 1830, ela tinha o maior PIB entre as potências européias, com o equivalente a atuais US$ 78 bilhões, contra US$ 60,9 bilhões da Grã-Bretanha. Hoje, a Rússia tem US$ 1,6 trilhão, contra US$ 2,6 trilhões dos britânicos, US$ 13,7 trilhões dos EUA e US$ 14,7 trilhões da União Européia. Além do mais, seu crescimento econômico e militar recente está ligado (ou limitado) aos altos preços do petróleo e do gás nos últimos anos. Baixou o preço, baixou a guarda russa.

Mesmo assim já dá saudade de anteontem, quando a China tentava virar superpotência só pela via econômica. A Rússia decidiu se fazer respeitar de porrete na mão. Conseguiu. E agora o futuro não é mais como era antes.

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