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Você ainda vai sentir saudades do EUA

A china superpotência começa a mostrar sua cara. E ela não é das mais bonitas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h26 - Publicado em 31 dez 2006, 22h00

Eduardo Szklarz e Sérgio Gwercman

O ex-líder chinês Deng Xiaoping tinha um lema para definir sua política exterior: taoguang yanghui – ou “esconda sua capacidade, espere a oportunidade”. Dito e feito. Há 50 anos, a China raramente viajava no carro dos líderes que guiavam o planeta. Há 10 anos, de vez em quando conquistava o direito de sentar no banco de trás. Hoje, a oportunidade de que Deng Xiaoping falava parece ter aparecido. A China dá toda a pinta de estar interessada em assumir o volante do carro: já disputa com a Alemanha o posto de 3ª economia mundial e, se continuar nesse ritmo, em 3 ou 4 décadas será capaz de rivalizar com os EUA.

Parece uma grande notícia para quem está cansado de ver os americanos dar sozinhos as cartas no planeta (e alguém não está?). Mas, a julgar por suas primeiras ações, a superpotência China não está lá muito preocupada em entrar para a história moderna pela porta da frente. Os chineses não têm grande apreço pela opinião pública. Não parecem se importar com as conseqüências do que fazem. E adoram esconder seus objetivos.

Por isso mesmo, ninguém sabe ao certo como a China se comportará quando chegar à liderança. A única certeza é que o país tem duas prioridades internacionais: evitar que a independência de Taiwan seja reconhecida e suprir suas (enormes) necessidades energéticas. A primeira prioridade tem sido moleza: em busca de acordos comerciais ou investimentos em infra-estrutura, muitos países a­­fri­canos e latinos (Brasil inclusive) têm concordado em colocar a ilha rebelde no gelo. Para resolver a segunda, a China enfia o pé na lama. Em busca de minério de ferro, óleo ou madeira, os chineses saíram às compras, em todos os cantos do planeta, sem se preocupar com os detalhes – bobagens como poluição, aquecimento global ou a ficha do vendedor.

O petróleo é deles

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A China só perde para os EUA em emissões de gases que causam o aquecimento global. É considerada a nação mais suja e poluída do planeta – Pequim recentemente teve de suspender as aulas após a poluição do ar atingir 414 numa escala de 500. Mas, enquanto o mundo inteiro promete investir em energias alternativas, os chineses vão em outro sentido. As importações de petróleo só crescem. Hoje, chegam a 45% do consumo. Em 2020, serão 60% – e estamos falando aqui do segundo maior consumidor de óleo do mundo.

Se você vive neste mundo, já deve saber que petróleo é um produto disputado. Suprir necessidades como as chinesas não é simples. É para resolver esse problema que o país tem se aliado a governos de índole duvidosa (não que a desculpa cole: o Japão importa 96% do petróleo que consome e nem por isso desfila com as piores figuras globais). O caso do Sudão é um bom exemplo. A comunidade internacional responsabiliza o governo local pelo genocídio de tribos não árabes no oeste do país. Já são 400 mil mortos e 2 milhões de refugiados – os números continuam crescendo. Mas qualquer tentativa de intervenção internacional é bloqueada pela China, para quem o conflito “é um assunto interno do Sudão”. Coincidência: o país é sede do maior investimento em petróleo que Pequim já fez no exterior. É de lá que saem 5% de todo o óleo que a China consome.

Governos africanos, aliás, adoram os chineses. O comércio entre eles chega a US$ 30 bilhões por ano e pelo menos 31 países já tiveram dívidas canceladas. O dinheiro chinês bancou linhas de trem, estádios e casas – uma parceria bem diferente dos financiamentos europeus e americanos, normalmente vinculados à saúde, educação ou redução da pobreza. “Os chineses não exigem reuniões sobre impactos ambientais, direitos humanos, corrupção. Eles fazem o serviço e não impõem grandes exigências”, disse Sahr Johnny, embaixador de Serra Leoa em Pequim, em entrevista ao Canal 4, da Inglaterra.

A China, por sua vez, também vê vantagens em trabalhar com parceiros desse tipo. Para cuidar dos próprios telhados de vidro, eles não se metem em “assuntos internos” chineses: poluição, execuções sumárias, corrupção. Uma mão lava a outra e ninguém reclama. Não que algum chinês ouvisse as reclamações – por lá, a internet, as universidades e a imprensa não são livres. Não há democracia.

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Para muitos analistas, esse comportamento em relação à África dá o tom do que a China quer ser quando crescer: um Estado pragmático, baseado em ganhos econômicos, sem debates ideológicos ou princípios morais. É um modelo surpreendente. Superpotências, afinal, são líderes mundiais. Moldam o planeta a sua imagem e semelhança. Têm dinheiro e força para fazer valer seus valores. A União Soviética, por exemplo, quis exportar o comunismo. Os EUA, a democracia e o liberalismo. Mas qual será o legado da China? Enriquecer a qualquer custo?

Não é necessariamente uma tragédia – pior que não ter ideologia é usá-la destrutivamente, como a Alemanha de Hitler. Mas, se um país se dispõe a atuar como protagonista no cenário mundial, é de esperar que traga junto algumas idéias. É do presidente americano Woodrow Wilson, por exemplo, a tese de que todos os países devem conviver harmoniosamente e se ajudar – o que hoje chamamos de comunidade internacional. É graças a esse princípio que existem organizações onde, ao menos em tese, nações resolvem diferenças e prestam auxílio umas às outras. Caso da ONU, do Banco Mundial, do FMI e da Organização Mundial do Comércio – dos poucos ambientes em que repúblicas frágeis derrotam as grandes potências (e isso acontece com freqüência).

A China cresceu aceitando as regras desse jogo. Faz parte da ONU e tem direito de veto no Conselho de Segurança. Mas parece incapaz de fazer de sua ascensão uma novidade saudável para o planeta. Se você passou os últimos anos preocupado com os EUA, fique atento. É hora de começar a olhar também para o outro lado do mundo.

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