Amazônia desconhecida
O homem que encampou a heróicatarefa de entender como funcionaa complexa Floresta Amazônica
Sérgio Gwercman, de Santarém (PA)
O Brasil não conhece a Amazônia que tem. Não sabemos como cada árvore se reproduz. Nem quais os efeitos da derrubada de uma delas. Desconhecemos o modo como se equilibra a biodiversidade. Ignoramos formas de identificar espécies quase idênticas. Não temos muita idéia de como explorar a floresta sem exauri-la.
Agora pense na dificuldade de achar respostas a essas questões. Pense nas áreas enormes e de difícil acesso. Nas árvores que escondem seus segredos em copas que ficam a 40 metros do solo. E imagine um Hércules capaz de desvendar tudo isso.
O Hércules em questão é um filho de japoneses. Do alto de seu 1,65 metro, o engenheiro florestal Milton Kanashiro se meteu – por puro prazer – na maior enrascada de sua vida. Ele criou um projeto cujo único e ambicioso objetivo é entender como a Amazônia funciona. À frente dos 50 profissionais do Dendrogene, um programa da Embrapa com parceria do Ibama e financiamento do governo inglês, Milton passou os últimos cinco anos avaliando a composição genética de sete espécies e suas características – para isso, construiu seis torres de observação com 35 metros de altura cada. De quebra, organizou formulários de identificação de outras 57 espécies madeireiras, adaptou um software, o Simflora, que simula os impactos da exploração, e ainda promoveu oficinas para ensinar mateiros a reconhecer as espécies. Deu no que deu: vencedor do troféu do Grande Prêmio Super e do prêmio de 5 mil reais – o melhor projeto ambiental do Brasil em 2003.
Os trabalhos do Hércules se dividem entre os laboratórios em Belém e uma área florestal de 500 hectares em Santarém, onde as idéias são testadas e verificadas. As pesquisas já começaram a render frutos. O Dedrogene colocou em dúvida os números que o Ibama usa para aprovar projetos com o selo de manejo sustentável. Até hoje, o órgão do governo olhou para a floresta como uma porção de árvores desconectadas – se uma espécie leva 30 anos para crescer, exige-se apenas que os madeireiros esperem 30 anos entre uma derrubada e outra. A equipe de Milton, com a ajuda do Simflora, demonstrou que não é tão simples: por exemplo, ao se retirarem árvores de grande porte, abrem-se clareiras na floresta, o que aumenta a quantidade de luz na mata e afeta outras plantas – árvores nobres precisam de sombra para crescer. Essas simulações estão levando a cálculos mais precisos e a um manejo mais eficaz.
Outro problema identificado pelo Dendrogene: não temos segurança sobre a autenticidade das madeiras no mercado. A identificação das espécies é feita pelo caule, apesar de suas diferenças muitas vezes serem notadas apenas na copa. Para piorar, árvores iguais recebem nomes diferentes ao redor do país. Com o treinamento de mateiros o Dendrogene espera minimizar o problema. O objetivo é que a identificação seja feita pelo nome científico, garantindo que o consumidor saiba exatamente o que está comprando. O angelim, por exemplo, tem 136 variações diferentes. Algumas duras o suficiente para usar na construção, outras incapazes de sustentar estruturas. Mas, nas lojas de madeira, todas são “angelim”. “Assim prejudicamos o consumidor, que não sabe o que compra, o vendedor, que tem seu produto desvalorizado, e as espécies raras, cortadas sem critério. Isso é tudo que um manejo sustentável não deve fazer”, diz Milton.
O problema é que, para continuar evoluindo, o Dendrogene precisa de reconhecimento governamental. Primeiro, porque esses esforços só serão úteis se a fiscalização estatal for rigorosa. Sem ela, conhecer ou não a floresta é indiferente – ela vai para o chão mesmo. Para piorar, o orçamento anual de 2 milhões de reais garantido pelos ingleses termina no final do ano. Para sobreviver, portanto, o Dendrogene vai precisar entrar para as prioridades do governo brasileiro. Na batalha contra a falta de conhecimento sobre a floresta, Milton saiu-se bem. Agora chegou a hora de o Hércules enfrentar a burocracia.
Como ajudar
Consuma com consciência. Pesquise a origem da madeira que está comprando e exija que ela seja certificada – o selo FSC é uma garantia da origem. Para entrar em contato, ligue para (091) 277-4649