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Árvore com brilho próprio

A carnaúba, uma versátil palmeira nordestina usada para fazer desde casas até cosméticos, ingressa na era da informática. Sua cera foi parar dentro dos chips de computador.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h00 - Publicado em 31 jan 1999, 22h00

Ivonete D. Lucírio, com Rita Célia Faheina, de Fortaleza

Nas tórridas terras em que cresce, ela é conhecida como a “ árvore da vida”, aquela que tudo provê. Não é para menos. A brasileiríssima, nordestinérrima carnaúba tem um monte de utilidades. Seu tronco, que chega a 15 metros de altura, é usado na construção de casas. Com a polpa da fruta se faz farinha. A amêndoa, torrada e moída, produz uma bebida conhecida como cafezinho da carnaúba. Quase toda exportada, a cera extraída das folhas entrou, há dois anos, até nos chips de computador, funcionando como isolante elétrico.

“Só em 1997, o Brasil, único produtor mundial, vendeu 1 tonelada para empresas de informática do Japão”, disse à SUPER o presidente do Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba do Ceará, Francisco Vitrício de Moraes. Para polimento, então, as qualidades da cera são incomparáveis. Em 1935, seu brilho arrebatador atraiu o empresário americano Herbert Johnson a uma verdadeira aventura ao Ceará. Ele sabia que a cera da carnaúba reluz e vale muito, como você vai ver nas próximas páginas.

Ninguém cultiva a planta que tudo dá

O ouro não era a única carga preciosa que as caravelas dos portugueses levavam do Brasil no século XVIII. Usada para fazer as velas que iluminavam as casas da nobreza européia, a cera de carnaúba transformou-se, já naquela época, em um dos principais produtos brasileiros de exportação. O consumo aumentou nos séculos seguintes e atingiu o auge nos anos 50, quando saíam das folhas da planta quase 100 000 toneladas de cera, usadas para fazer papel- carbono e graxa para sapatos, impermeabilizar metais e na fabricação dos falecidos discos de vinil.

A partir daí começou a crise, pois a demanda continuou crescendo, mas não havia palmeiras em quantidade suficiente para dar conta do recado. Isso fez com que o produto fosse substituído aos poucos por outros, derivados do petróleo. Embora com menos qualidade, esses eram mais baratos. Assim, muitos empresários abandonaram a cera natural. Nenhum se preocupou em cultivar a palmeira.

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“Ainda hoje, ninguém quer plantar a árvore e esperar dez anos, que é o tempo que ela leva para começar a produzir cera”, explicou à SUPER o agrônomo Eugênio Emérito Araújo, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Piauí. Sempre explorando matas nativas, a produção atual caiu para 18 000 toneladas anuais, quase tudo exportado para os Estados Unidos, Japão e Alemanha, para muitas aplicações (veja na página ao lado).

O Brasil também deixa de ganhar dinheiro com a carnaúba devido aos métodos de extração rudimentares. Cortadas manualmente, as folhas secam ao sol e são batidas para a retirada do pó branco que, derretido, vira uma pasta,comprada pelas indústrias para ser purificada e exportada. Mas, na primeira fase do processo, feita pelos pequenos produtores, perde-se até 40% do material.

Fabricada pela palmeira para se proteger do implacável calor nordestino (veja infográfico abaixo), a cera da carnaúba é quase invulnerável, graças à estrutura de suas moléculas, formadas pelo alinhamento de até 34 átomos de carbono. “Numa escala de 0 a 10, a sua dureza – isto é, a dificuldade de ser riscada – é 8”, explica Araújo.

Da maçã ao código de barras

A carnaúba está ao seu redor o tempo todo.

Beleza pura

A resistência do batom ao calor é obtida acrescentando-se a cera à sua composição. Por isso, mesmo sob alta temperatura, o cosmético mantém a consistência.

Brilho fácil

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A aplicação mais comum é no polimento de assoalhos, móveis e carros. Das ceras vegetais e animais, a de carnaúba é a mais resistente e com brilho mais intenso.

Cera high-tech

Por não conduzir energia elétrica, a cera vem sendo usada como isolante em chips. Além disso, ela pode ser aplicada em outras partes do computador, protegendo-as contra a umidade.

No balcão da farmácia

A carnaúba forma um revestimento sobre os comprimidos para evitar a umidade. É também usada na fabricação de cápsulas de remédios.

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Boa para o estômago

Antes de serem exportadas, frutas como manga e maçã são cobertas com cera, o que evita a perda de água, mantém a qualidade e dá brilho. Sem gosto ou cheiro, não dá para perceber a cobertura.

É barra

Vários vernizes carregam carnaúba na sua fórmula. Uma das mais recentes aplicações é em tintas térmicas que facilitam a leitura de códigos de barra.

Carnaubalândia

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A cera da carnaúba dá em três Estados nordestinos.

Expedição pioneira gerou multinacional

Quando cruzou o céu de Fortaleza no dia 17 de novembro passado, o avião Sikorsky – modelo da década de 30, mas reluzindo de tão novo – chamou atenção. Do lado de fora, via-se o nome Carnaúba na fuselagem. Dentro, o empresário Samuel Johnson, dono da empresa SCJohnson, mais conhecida por Ceras Johnson, estava no comando.

A aeronave era uma réplica perfeita do hidroavião usado por Herbert Johnson, pai de Samuel, em 1935. Herbert partiu da cidade americana de Racine e, após uma viagem de três meses, pousou na água, em frente à Avenida Beira-Mar, pois Fortaleza nem possuía aeroporto. Tinha um objetivo: conhecer a carnaúba tête-à-tête. A empresa de Johnson já usava a cera nos seus produtos para polimento de assoalhos e ele queria ter certeza de que havia palmeiras para produzir matéria-prima em quantidade suficiente.

O grupo dispunha em Fortaleza de uma parafernália mandada por navio. Toneladas de equipamentos de caça, pesca e acampamento. Só facas, vieram 144. Veio também um pequeno laboratório que viabilizou o cruzamento de sementes das palmeiras que produziam cera mais pura. O melhoramento criou exemplares vigorosos. Graças à carnaúba, a Ceras Johnson virou uma potência que atua em vinte países e faturou 5 bilhões de dólares em 1998.

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O herdeiro Samuel organizou essa segunda viagem de 1998 para prestar uma homenagem ao pai e à planta que mudou os rumos de sua empresa. Hoje ela fabrica dezenas de produtos que usam a cera como matéria-prima e os vende para mais de 100 países. “Meu pai me pediu, antes de morrer, em 1978, que refizesse a sua expedição”, contou Sam à SUPER. “Afinal, foi graças a ela que a carnaúba passou a fazer parte dos nossos negócios.”

Para saber mais

O Poder dos Trópicos, Gilberto Felisberto Vasconcellos e J. W. Bautista Vidal, Editora Casa Amarela, São Paulo, 1998

Protetor solar vegetal

A folha da palmeira fabrica uma defesa para resistir ao calor.

“Todas as plantas produzem cera para se proteger das agressões do ambiente”, explica a botânica Débora Cursino dos Santos. Só que a carnaúba é natural do sertão nordestino, onde a temperatura está sempre acima dos 30 graus Celsius. Por isso, ela precisa produzir uma cera mais forte e que só derrete acima de 84 graus.

1. A cera é produzida nas células internas da folha e migra para a sua superfície.

2. Ela forma uma película na folha que impede que a planta perca muita água por transpiração.

Riqueza desperdiçada

Plantas brasileiras produzem valiosas fontes de energia.

A carnaúba não está sozinha. Várias plantas que crescem no Brasil produzem óleo de valor comercial, bom combustível para indústrias e transporte.

É a energia da biomassa, extraída da massa biológica das plantas, renovável e não-poluente. O óleo do babaçu e o do dendê substituem o diesel e a gasolina. O da mamona, conhecido como rícino, é usado como laxante. O Brasil tem terra e sol suficientes para ser o que a Arábia Saudita é para o petróleo. “Só que essas plantas levam anos para produzir e a idéia que perdura é ter lucro imediato”, lamenta Abrahão Iashan, assessor da diretoria do Instituto Nacional de Tecnologia, no Rio de Janeiro. Uma pena.

Aventura revisitada

Sam Johnson fez o mesmo caminho do pai, mas parou menos vezes.

A distância percorrida pelo pioneiro Herbert Johnson foi de 25 000 quilômetros em 160 horas de vôo. A viagem demorou cerca de três meses. O filho Sam Johnson fez o mesmo percurso em 21 dias, graças ao menor número de escalas e à facilidade abastecer a aeronave.

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