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Do mico ao mundo

E o Prêmio Especial vai para o pesquisador que quer mudar o mundo e para a ONG que ele fundou

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 30 jun 2004, 22h00

Rafael Kenski, de Teodoro Sampaio (SP)

Cláudio Paiva nos acorda às 4h30 da manhã e avisa que já é tarde. Vamos sonados até o Parque do Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema, São Paulo, um dos poucos pedaços de mata Atlântica da região que resistiram ao desmatamento. Havia uma boa razão para acordar tão cedo. Teríamos a honra de encontrar alguns dos poucos micos-leões-pretos que sobraram no planeta.

Há 26 anos, quando tinha 30 de idade, já casado e pai de um filho, Cláudio era um executivo bem-sucedido na indústria farmacêutica. Aí decidiu largar tudo e prestar vestibular para biologia. Ex-caçador, queria ter mais contato com a natureza. Foi quando topou com o mico-leão-preto, uma espécie tão desconhecida que até 1970 era tida como extinta. Cláudio calcula que houvesse só uns 100 deles quando chegou ao Pontal para fazer pesquisas em parceria com o Instituto Florestal de São Paulo. Passou três anos acordando na mesma hora que os micos, indo dormir quando eles dormiam, se embrenhando na mata enquanto os micos saltavam entre as árvores. Por isso, nos guiar pela mata escura não é difícil para Cláudio – ele conhece muito bem o lugar.

“Naquela época, eu achava que bastaria conhecer os hábitos do mico para salvá-lo. Fui descobrindo que precisava de algo mais”, diz Cláudio. Esse “algo mais” virou um dos projetos ecológicos mais bem-sucedidos do país – o Ipê, Instituto de Pesquisas Ecológicas – hoje com 35 pesquisadores em cinco sedes. Graças ao Ipê, o número de micos subiu para 900 e o sonho de escapar da extinção já não parece absurdo. Mas micos são apenas uma parte das preocupações dos pesquisadores do instituto – eles estudam de peixes-bois na Amazônia a papagaios em São Paulo. O segredo do sucesso em tantos empreendimentos diferentes? Cláudio nos dá uma dica lá mesmo, no meio da mata. Enquanto esperamos que os micos saiam de dentro do oco de árvore em que costumam dormir, ele senta em um tronco e começa a conversar sobre filhos, sem-terra e a seleção natural de Darwin, tudo como se fosse um mesmo assunto. Foi essa capacidade de ver o problema como um todo e explicá-lo a qualquer um que fez com que Cláudio e seu Ipê merecessem o Prêmio Especial, pelo conjunto de suas obras. Principalmente porque eles não param na teoria: ao ver algo errado, logo pensam em soluções.

Um dos projetos do Ipê é o “Café com Floresta”, que estimula o plantio de árvores nativas em meio aos cafezais do Pontal. Além de tornar a lavoura um ambiente favorável a morcegos, insetos e aves, as árvores protegem o café da geada, trazem polinizadores e eliminam a necessidade de adubo. Ou seja, ajudam tanto a preservar quanto a produzir. Além disso, Cláudio mediou uma parceria em que os fazendeiros cedem o espaço e os sem-terra entram com a mão-de-obra para plantar as árvores. E, enquanto elas não crescem, cultivam café, milho, feijão. Preste atenção: o sujeito conseguiu o feito de arrumar um acordo amigável entre sem-terra e latifundiários. Precisa dizer mais sobre sua habilidade?

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“Não adianta apenas proibir a população de fazer ações que degradem o ambiente, é preciso encontrar uma alternativa que seja atraente”, diz Cláudio. Oferecer alternativas, aliás, é a especialidade dos criativos pesquisadores do Ipê. Para evitar que pescadores começassem a agir dentro da reserva de Superagüi, sul de São Paulo, eles ensinaram as mulheres da região a fazer fantoches dos animais da reserva e vendê-los a zoológicos europeus. Além de gerar uma boa fonte de renda, a idéia criou simpatia da população pelos animais. Entre os outros projetos estão cooperativas para a venda de mudas de árvores, produção de artesanato e o plantio de florestas ao redor de reservas, mesmo que seja apenas para a exploração da madeira – é melhor que nada.

Quando o sol nasce na floresta, interrompendo nosso papo, quatro micos aparecem e correm para os galhos mais altos. José de Souza, guia da floresta e velho amigo de Cláudio, assobia e o animal balança a cabeça, procurando-o. Como José, Cláudio conhece cada um dos micos a ponto de contar sua história como se falasse de um amigo. Os pesquisadores do Ipê não têm intimidade apenas com os animais – cada um precisa saber ganhar a confiança da comunidade, administrar ações educacionais e ainda arrecadar dinheiro para os projetos. E, é claro, publicar trabalhos e orientar alunos. O Instituto pretende inaugurar, até 2006, cursos de mestrado e doutorado que espalhem sua experiência e seu modo de pensar para centenas de outros projetos. Tudo isso para quê? “O nosso plano de longo prazo é mudar o mundo”, diz Cláudio, ao voltar da floresta. Bom plano.

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Como ajudar

Idéias são bem-vindas – e doações também, claro. Escreva para o e-mail ipe@ipe.org.br. Para obter mais informações sobre todos os projetos do Ipê, visite o site https://www.ipe.org.br

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