Ecologia , o dever de preservar
O almirante Ibsen de Gusmão Câmara é nosso homenageado este ano, por dedicar sua vida às baleias, às florestas e à biodiversidade.
Bernardo Esteves, do Rio de Janeiro, RJ
No começo dos anos 60, um jovem oficial da Marinha, chamado Ibsen de Gusmão Câmara, costumava voar pelos céus do Brasil a bordo dos bimotores da força. Nesses sobrevôos, uma coisa chamou sua atenção – a paisagem lá embaixo mudava a cada ano. As florestas de araucária, que, em 1961, tomavam o Paraná, no final da década tinham praticamente sumido. A Mata Atlântica nordestina, exuberante nos primeiros vôos, dava lugar ao verde monotônico das plantações de cana. Em 1967, o oficial se mudou para a Amazônia, a serviço da Marinha, e lá morou por dois anos. Formava-se ali, acompanhando de perto a devastação, um dos mais influentes – e dos primeiros – ambientalistas brasileiros.
Naquela época, a palavra de ordem era “desenvolvimento”. Ninguém parecia se preocupar com o efeito que aquilo teria sobre o ambiente. Mas o marinheiro Ibsen se preocupava. Naquele ritmo, a natureza que ele aprendera a amar não duraria muito. Por ter sido um dos primeiros a perceber esse risco, por dedicar as três décadas que se seguiram a tentar evitar que ele se concretizasse e, principalmente, pelas conquistas que obteve nessa luta árdua e desigual, o almirante Ibsen de Gusmão Câmara mereceu o Prêmio Especial, o reconhecimento do Prêmio Super Ecologia 2002 ao trabalho de uma vida toda. “Mais que uma bandeira, a preservação da natureza é um dever ético da espécie humana”, disse à Super em entrevista realizada no lindo jardim de sua casa no Rio de Janeiro.
Em todos esses anos dedicados à causa ambiental, o almirante se envolveu em campanhas de proteção a espécies ameaçadas, trabalhou nos bastidores do Congresso pela criação de reservas ambientais, fundou e inspirou várias ONGs, conheceu a fundo os problemas ambientais brasileiros. Admirado pela esquerda, respeitado pela direita, sempre teve trânsito em Brasília, mesmo no período militar.
Ibsen nunca concebeu conservação sem a existência de um sistema estruturado de unidades de conservação. A instituição de reservas foi uma de suas principais frentes de batalha, seja na mobilização de parlamentares para a criação dessas áreas, seja na delimitação e no estudo dos territórios protegidos. Exemplo emblemático é a criação da reserva do Atol das Rocas, em 1979, grande vitória política do almirante, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil. A medida foi vital para várias espécies migratórias de aves e peixes que freqüentam o atol.
Os ecossistemas marinhos e costeiros sempre mereceram carinho especial do almirante (“o mar ainda é muito negligenciado”, afirma). Ibsen teve atuação determinante para acabar de uma vez com a caça às baleias no país, em 1989, contrariando poderosos interesses econômicos. “Os japoneses, que financiavam uma empresa brasileira que capturava baleias nos anos 80, fizeram grande pressão para que o Brasil continuasse caçando”, diz. Hoje, graças em grande parte à sua atuação, o país é uma liderança na luta pela proibição mundial da caça – com o Japão comandando o campo oposto.
O interesse pelos cetáceos levou-o também a coordenar uma expedição que, em 1982, identificou baleias francas – então consideradas extintas em águas brasileiras – no litoral catarinense. A população sobrevivente desde então é monitorada e hoje ocorre em toda a costa sul do país. “Mas defender uma espécie não basta”, afirma. “O importante é preservar o ambiente em que ela vive.” Sem isso, é impossível conter a assustadora escalada das extinções.
Ibsen não se satisfez com a atuação política e ambiental – enveredou-se pela ciência e estudou Paleontologia por conta própria. Apesar de autodidata, recebeu reconhecimento internacional. Tanto que foi convidado para integrar cinco sociedades científicas, incluindo a Sociedade de Paleontologia de Vertebrados dos Estados Unidos e a prestigiosíssima Associação Americana para o Avanço da Ciência. Entre as muitas outras honrarias que o ambientalista recebeu, estão o reconhecimento da Academia Brasileira de Ciências por sua contribuição individual e o título de cavaleiro concedido pela realeza holandesa.
Aos 78 anos, Ibsen contempla os frutos da sua trajetória com um misto de realização – pelas batalhas ganhas e pelo aumento da conscientização para a causa – e de decepção com a devastação que não pára de crescer. O trabalho compensa? “Sim, mas o resultado não é proporcional ao esforço.” Isso bastaria para frustrar muitos aprendizes de ambientalista. Mas não um obstinado como o almirante. Ainda bem.
Os finalistas
Cada membro da comissão julgadora tinha direito a indicar uma pessoa ou instituição para o prêmio especial. Os mais votados, além do veterano almirante, foram duas lideranças relativamente novas: Virgílio Alcides de Farias, que se destaca pela defesa dos mananciais ao redor de São Paulo, e a senadora acrea-na Marina Silva, ex-seringueira tida como herdeira política de Chico Mendes. Também houve duas ONGs indicadas: a Fundação Biodiversitas, de Belo Horizonte, e O Instituto Ambiental, do Rio de Janeiro.