Maria Fernanda Vomero
Imagine uma área de 7,3 milhões de quilômetros quadrados coberta por 40 mil espécies de plantas – sendo 30 mil delas endêmicas, ou seja, que só existem ali – e onde se encontra um terço de toda a água doce do planeta. Estrategicamente posicionada entre o bloco de poder norte-americano, o continente europeu e a Ásia, tal região concentra a maior biodiversidade do mundo e riquezas minerais em seu solo, como ouro e reservas de nióbio – utilizado em ligas metálicas e aços especiais –, estanho e gás natural. Esse tesouro, cobiçado pelas grandes potências, pertence a nove países: Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Equador e Brasil. Sim, estamos falando da Amazônia, considerada por muitos especialistas o Eldorado do século 21, em alusão ao mítico país de construções de ouro e riquezas fabulosas que norteou o interesse dos exploradores espanhóis e portugueses no início da ocupação da América Latina.
“A Amazônia é um duplo patrimônio: as terras propriamente ditas e um imenso capital natural”, diz a geógrafa Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Brasil, por deter 63,7% da área total amazônica, está numa posição privilegiada no cenário internacional – tem à disposição um banco genético ainda pouco pesquisado, um grande potencial hídrico e um solo rico em recursos minerais. Para Bertha, ações de integração continental, como o fortalecimento do Tratado de Cooperação Amazônica (acordo entre os países amazônicos, com exceção da Guiana Francesa), são fundamentais para o progresso e a defesa da área. “Hoje, a Amazônia deve ser pensada em escala sul-americana, pela semelhança dos ecossistemas, na tentativa de formular uma estratégia de desenvolvimento conjunta”, afirma. “A regionalização continental é essencial para aumentar o poder de barganha dos países amazônicos e trazer recursos para a região e para o Brasil.”
Apesar da importância geopolítica, ao longo dos séculos a Amazônia foi tratada como um inferno verde – florestas longínquas dominadas por oligarquias e quadrilhas despóticas e palco de terríveis doenças tropicais e riquezas inacessíveis. “Até bem pouco tempo atrás, o Estado não se fazia presente na Amazônia”, diz o coronel Paullo Esteves, do Sistema de Vigilância da Amazônia, o Sivam. “O espaço aéreo não era controlado e assistíamos diariamente à violação das fronteiras, à extração ilegal de madeira, à contaminação dos rios por mercúrio usado no garimpo, ao narcotráfico, entre outros problemas.” Segundo Paullo, só com o tráfico de animais silvestres nas fronteiras amazônicas e no restante do país, por exemplo, o Brasil perdia anualmente cerca de 1,5 bilhão de dólares. Além disso, sempre houve perigo de biopirataria, ação de organizações não-governamentais fajutas.
Para manter o controle sobre os 5,5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia brasileira, o governo criou os projetos Sivam e Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia). O Sivam/Sipam tem como objetivo monitorar o espaço aéreo da região e criar uma rede de coleta e difusão de dados que permita a atuação mais eficiente de órgãos como a Polícia Federal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). Recebeu um investimento de 1,4 bilhão de dólares e começou a funcionar em julho de 2002. Os aviões de sensoriamento remoto já estão fazendo uma espécie de “ultra-sonografia” do território e produzindo mapas temáticos de grandes trechos de floresta. “Temos um imenso patrimônio genético e ambiental a preservar e a desenvolver de maneira sustentável, a fim de gerar riqueza para o Brasil e para seus vizinhos”, diz Paullo. Com o Sivam, aquela história de “eu não sabia” sobre a Amazônia vai acabar.
Pano verde
O que está em jogo na geopolítica da Amazônia
RADARES
A área de cobertura do Sivam chega a 5,5 milhões de quilômetros quadrados. O megaprojeto de controle aeroterrestre inclui radares, estações de telecomunicações e sensores. Cinco aviões R99A dotados de sistema de rastreamento fazem uma ultra-sonografia da floresta, mostrando pontos de garimpo, avanço da ocupação humana e movimentações na fronteira
BIOPIRATARIA
Parte da vida amazônica ainda é desconhecida dos brasileiros e do mundo. O grande número de espécies vegetais e animais atiça a cobiça de pesquisadores e dos grandes laboratórios farmacêuticos, que procuram princípios ativos para a produção de novos medicamentos. Os venenos da jararaca e de algumas espécies de sapos amazônicos já foram utilizados para esse fim
TRÁFICO DE ANIMAIS
O tráfico de espécies da fauna da Amazônia atende a dois interesses: fornecer animais a colecionadores e zoológicos do mundo inteiro e alimentar o comércio internacional de animais silvestres. A rota do tráfico segue para o Sudeste e, depois, Europa, Ásia e América do Norte. As espécies mais visadas são a arara-azul, a arara-canindé e a jaguatirica
GUERRILHA
A fronteira com a Colômbia é uma das mais preocupantes e turbulentas. Já foi identificada a presença de cinco cartéis colombianos ligados ao narcotráfico e à guerrilha, que se movimentam nos limites entre os dois países. “Não há fronteiras tranqüilas”, diz o coronel Paullo Esteves. As Forças Armadas mantêm, ao longo dos limites amazônicos, um total de 3 mil homens