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Entulho do bem

A prefeitura de Belo Horizonte criou um projeto que legitima a profissão dos carroceiros, que antes depositavam entulhos clandestinamente na cidade, e os transforma em parceiros na reciclagem dos rejeitos. O meio ambiente agradece.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 30 jun 2003, 22h00

Lauro Henriques Jr., de Belo Horizonte, MG

Manoel Cândido, o Nico, encostou sua carroça e despejou uma montanha de entulho na caçamba da prefeitura de Belo Horizonte. “Hoje, sei o valor de se jogar o lixo no lugar certo”, afirma Nico, que ganha até 800 reais por mês com sua atividade. Há bem pouco tempo, contudo, o cenário na capital mineira era outro. Nico era um dos milhares de carroceiros que todo mês despejavam mais de 4 mil toneladas de entulho nas ruas, beira de córregos e depósitos clandestinos na cidade. As conseqüências de tanta sujeira eram o entupimento das vias de drenagem das águas das chuvas – trazendo junto as enchentes –, a formação de abrigos para vetores de doenças, como a dengue, e a degradação da paisagem.

Essa realidade começou a mudar em 1997, com a implantação de um projeto pioneiro de educação ambiental e reciclagem com os carroceiros de Belo Horizonte. A solução, quem diria, já estava pronta. “Como os carroceiros já recolhiam o entulho, era só fazer com que o depositassem no lugar correto”, diz a geógrafa Maria Estella Neves Pereira, uma das idealizadoras e coordenadoras do projeto. “Em vez de persegui-los, optamos em trabalhar junto com eles.”

Fruto de uma parceria entre a prefeitura e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o programa envolveu a criação de áreas para o depósito dos rejeitos, as chamadas Unidades de Recebimento de Pequenos Volumes (URPVs), onde o entulho é separado e encaminhado para as estações de reciclagem. Regulamentados pela prefeitura, os carroceiros ganharam ainda o Disque-Carroça, um número de telefone pelo qual são contratados pela população, que paga, em média, 10 reais pelo serviço. À Escola de Veterinária da UFMG, cabe a vacinação dos cavalos que puxam as carroças e a inseminação artificial das fêmeas.

A iniciativa foi tão bem-sucedida que a cidade já conta com 22 URPVs – no início eram apenas seis – e 1 800 profissionais cadastrados, reunidos em duas associações. O resultado disso tudo? Só no ano passado, foram recicladas mais de 110 mil toneladas de entulho que antes eram jogadas clandestinamente nas ruas, sendo que metade desse volume foi coletado pelos carroceiros. O uso do material reciclado vai desde a pavimentação de ruas até a fabricação de blocos e meios-fios. Tudo isso com um custo muito menor: a produção de concreto chega a ficar 35% mais barata. Sem contar o aumento da renda dos carroceiros, que chegam a ganhar o triplo do que conseguiam quando agiam ilegalmente. “Hoje, a população nos respeita e sabe que somos trabalhadores dignos, que merecem consideração”, diz o carroceiro Osildo Teodorico dos Santos, ex-presidente de uma das associações. O Projeto Carroceiros protege o meio ambiente e, ao mesmo tempo, forma cidadãos.

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