Orquídeas de pedra
As orquídeas da Chapada Diamantina são uma impressionante vitória da teimosia sobre a adversidade. Resistem à falta d¿água, de comida, ao sol causticante e até às queimadas. Crescem nas rochas.
Denis Russo Burgierman
O sertanejo é, antes de tudo, um forte. A sabedoria da mais famosa frase de Os Sertões, do escritor Euclides da Cunha, também se aplica, quem diria, a flores. As orquídeas que se ancoram nas rochas escaldantes da Chapada Diamantina – uma ponta da Serra do Espinhaço, que rasga a terra da Bahia até Minas Gerais – são obstinadas além dos limites.
Bravas e exuberantes, florescem com quase nada de alimento e água, conjugando o vigor com a beleza. Ao contrário das outras espécies da família – que cravam suas raízes na segurança da terra úmida ou se apegam à sombra fresca de um tronco de árvore –, elas se agarram às pequenas reentrâncias da pedra áspera e resistem. “As raízes aproveitam um pouco da água de chuva que escorre pela rocha e a acumulam nos caules”, explica o botânico Fábio de Barros, chefe do orquidário do Instituto de Botânica de São Paulo. São flores de pedra.
Abelhas não vêem bem as cores, mas são atraídas por desenhos. São elas que espalham o pólen de algumas orquídeas (como esta Cyrtopodium fedmundoi ). É para atraí-las que ela tem pintinhas coloridas
Os caules grossos das flores de pedra garantem o armazenamento de água. A cor avermelhada (desta Cattleya elongata) reflete os raios quentes do sol
As flores se adaptam à falta d’água. Mas, na chapada, também chove forte. Elas suportam o excesso de umidade e aproveitam para acumular o líquido
Cada orquídea tem sua própria caixa d’água
As soluções da natureza para estocar água são engenhosas. Os caules das orquídeas da chapada são mais espessos, para guardar mais líquido. Parecem cacto do deserto. Mas armazenar só não basta. Como qualquer planta, elas precisam de gás carbônico para a fotossíntese, isto é, absorver gás carbônico do ar e liberar oxigênio. Só que, se abrissem de dia os seus estômatos – as células por onde entram os gases –, deixariam escapar água. “Para evitar isso”, diz o botânico Gilberto Kerbauy, da Universidade de São Paulo, “elas se abrem somente à noite.” O gás fica preso até a manhã seguinte, à espera do sol, que fornece energia para a fotossíntese.
Repare, neste panorama das montanhas, como as orquídeas só aparecem nos paredões, presas às rochas, e não nos lugares mais úmidos e sombreados
As orquídeas também servem de alimento para pequenos mamíferos, como o roedor mocó (Kerodon rupestris) que você vê nesta foto
Algumas espécies pequenas e delicadas (como esta Laelia bahiensis) mostram mais resistência à falta de água do que a maioria
Esta variedade branca de Cattleya elongata é muito rara. Os botânicos sabem muito pouco sobre ela
A esfuziante Cattleya elongata ocorre com grande variedade de cores na Chapada Diamantina. E só lá
As folhas protegem os brotos do fogo
Acostumadas aos maus-tratos do sertão, essas flores são duras de matar. Além de resistir ao calor de uma região que alterna longos períodos de calor e estio com chuvas torrenciais, elas não só sobrevivem às queimadas como tiram proveito delas. As folhas formam uma capa que protege os brotos das labaredas. Elas queimam, eles não. Assim que as chamas passam, as orquídeas começam a florescer com força redobrada. “É uma estratégia única para aproveitar as condições adversas”, observa Fábio de Barros. As novas flores atraem insetos e aves que espalham as sementes em lugares antes ocupados pela vegetação destruída pelas chamas. E tudo recomeça.
As queimadas varrem a chapada todo ano. As orquídeas, assim como muitas plantas do cerrado, aprenderam a resistir ao fogo e a se beneficiar dele
Note como as folhas desta variedade cor-de-rosa de Cattleya elongata fazem sombra sobre a flor
Uma espécie não classificada do gênero Encyclia. A chapada está cheia de espécies desconhecidas