Para vigiar a floresta
É hora de varrer debaixo do tapete de árvores da Amazônia, que esconde tráfico de drogas e roubo de madeira. Será que o Sivam dá conta do recado?
Ivonete D. Lucírio
Depois de cinco séculos de abandono e 530 000 quilômetros quadrados de floresta queimados – uma área equivalente à da França –, depois do tráfico de drogas e das mineradoras ilegais, chegou a hora. Já é tempo de vigiar a Amazônia.
Apesar do atraso, o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) deslanchou. A idéia original era montar um sistema de controle de tráfego aéreo para a região, por onde passam 300 000 vôos por ano orientados só por instrumentos de bordo, o que é arriscado. Mas, diante das ameaças sobre o ambiente e de muita violação das leis, o projeto cresceu. Agora, o que vem por aí é um sistema único. Se der certo, o Brasil terá uma parafernália de vigilância sem igual.
Desde a proposta, em 1990, foram sete anos de controvérsia (veja na página 56). Mas, agora, a implantação já começou. “Serão cinco satélites, 25 radares e centenas de instrumentos meteorológicos e sensores”, conta Tarcísio Muta, da empresa Atech, que faz o software do sistema. “Tudo isso, sincronizado, vai dar informações a órgãos como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).” Só o sensor Erieye, uma das estrelas do Sivam, enxergará até 2 metros abaixo do chão e 50 metros debaixo d’água.
Uma vasta massa de dados metereológicos, geológicos, hidrológicos e ambientais será coletada regularmente e repassada. Cerca de 1 000 órgãos de governo, instituições de pesquisa e organizações não-governamentais vão se beneficiar.
A Polícia Federal não sabe exatamente quantas pistas clandestinas existem na região, mas passam de 700. Servem a contrabandistas, traficantes de drogas e donos de garimpos ilegais.
O desmatamento da Amazônia já chegou a 530 000 quilômetros quadrados, 13% da área de floresta. Metade foi devastado ilegalmente por pecuaristas, agricultores e madeireiros.
Por ano, são extraídos 28 milhões de metros cúbicos de madeira. O suficiente para encher 3 milhões de caminhões. Mais da metade é retirada contra a lei por madeireiras clandestinas.
Só em 1997, entre junho e novembro, foram registrados, diariamente, mais de 1 000 focos de queimada. As regiões mais afetadas são o nordeste e sudeste do Pará, o norte de Mato Grosso e Rondônia.
Mas ainda é preciso esperar até o ano 2002
Desde outubro, pesquisadores da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudam, in loco, os melhores lugares para colocar os equipamentos na selva, protegendo-os das condições ambientais. Os radares serão instalados no ano 2000, pela multinacional Raytheon. Sim, a Raytheon é aquela mesma do escândalo que tomou conta dos jornais em 1995. Foi tanto que, no final daquele ano, funcionários do governo e o ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra, demitiram-se sob acusações de favorecimento à empresa. Aí, uma comissão do Senado investigou o contrato durante seis meses. Em maio de 1996, afinal, ele foi aprovado.
Cientistas brasileiros notáveis, como o físico Rogério Cerqueira Leite e o ex-presidente do Conselho Nacional de Pesquisas, Aldo Vieira da Rosa, protestaram contra a pouca participação de empresas nacionais no projeto. Mas o major Marcos Antônio de Oliveira, presidente da Comissão Coordenadora do Sivam, defendeu, para a SUPER, a decisão: “O nosso parque industrial infelizmente não produz equipamentos de ponta como o projeto requer”. O custo do Sivam, 1,4 bilhão de dólares, engrossa a polêmica. É muito dinheiro – mas também é muita tecnologia. Agora, vamos ver se ela vai dar conta do recado.
Para saber mais
Na Internet
yabae.cptec.inpe.br/lba
Três elogios e três críticas
“Nós, do Ibama, somos uma espécie de garoto-propaganda do Sivam. Com sua implantação, além das queimadas poderemos conferir até a exploração seletiva de madeira, o corte só de árvores nobres.”
Eduardo Martins, presidente do Ibama
“Sou amplamente favorável ao projeto. O Sivam seria desnecessário se a Amazônia não sofresse um processo de exploração predatória.”
Márcio Nogueira Barbosa, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
“O uso de equipamentos eletrônicos de última geração é a única saída recomendável para controlar uma região tão grande.”
Fernando Gabeira, deputado federal do Partido Verde (RJ)
“O projeto não deveria ser tocado por uma empresa americana e financiado por banco americano. Deixaram que os economistas tomassem conta do Sivam.”
Luiz Pinguelli Rosa, diretor da COPPE
“O sistema peca por não se preocupar com a educação do povo da região, sem o qual é impossível fazer uma defesa muito eficiente.”
Sérgio Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
“A tecnologia não basta. As prioridades são a implementação de uma política agroflorestal, uma de desenvolvimento econômico e um zoneamento ecológico.”
Marina Silva, senadora do Partido dos Trabalhadores (AC)
Muitos olhos e ouvidos
A novidade do Sivam é conjugar informações recolhidas por várias fontes. A “conversa“ entre os equipamentos vai facilitar a rotina de quem protege a Amazônia – e infernizar o dia-a-dia dos criminosos.
Sinal de fumaça
Os responsáveis pelo Sivam prometem que mais de 1 000 pesquisadores receberão, de graça, laptops equipados com modem para alimentar o banco de dados do sistema e enviar alarme sobre fumaça na selva. Os aviões de sensoriamento também detectam os focos de calor das queimadas.
Água suja
Uma área desmatada perto do rio é esquadrinhada pelos satélites. Ali perto, plataformas de coleta de dados instaladas no rio detectam uma quantidade anormal de partículas estranhas na água. Processando os dados, descobre-se que a sujeira do rio vem de um garimpo ilegal.
Mira orbital
Satélites como o Landsat e o Radarsat fotografam uma área e registram desmatamento. Na mesma região, sensores de comunicação interceptam ondas de rádio e detectam movimentação de barcos. Para o Ibama, isso faz soar o alarme. Pode ser um transporte ilegal de madeira.
Ondas de rádio
Radares em terra e em aviões de vigilância descobrem os teco-tecos que circulam baixo, a serviço do crime. A comunicação por rádio é interceptada. Os satélites localizam as pistas clandestinas. Avisada de uma suspeita de tráfico de drogas, a Polícia Federal pode agir com rapidez.