Retrato em close da Mata Atlântica
Software brasileiro permite a confecção de mapascom um nível de detalhamento inédito. A ferramenta ajudaa identificar focos mínimos de desmatamento
Karen Gimenez
A Mata Atlântica é uma região que possui uma das mais ricas biodiversidades do planeta. Originalmente, ela se estendia por toda a costa brasileira, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Após cinco séculos de destruição pelo homem, porém, restam apenas 7% do 1,47 milhão de quilômetros quadrados originais. A cada quatro minutos, ela perde o equivalente a um campo de futebol. Para preservar o que restou desse importante bioma (região com características de clima, solo, fauna e flora que a tornam única), um grupo de empresários, cientistas e ambientalistas criou, em 1986, a Fundação S Mata Atlântica, uma organização não-governamental.
Na época se tinha uma idéia aproximada do desmatamento em curso, mas não havia um quadro real de onde e como a vegetação estava sumindo. “Tínhamos bastante conhecimento do desmatamento e da situação a partir das bordas, mas eram poucas as informações precisas do miolo”, lembra o geógrafo Mario Mantovani, diretor da S. A preocupação em conhecer a verdadeira dimensão do problema para buscar soluções mais eficientes levou a ONG a fazer uma parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Queríamos documentar o que restava do bioma e os pequenos focos de desmatamento, mas os instrumentos disponíveis não atendiam às nossas necessidades. Precisávamos do maior nível de detalhamento possível de uma área que cobre 16 Estados brasileiros.”
Depois de quase quatro anos de trabalho, o Inpe apresentou, em 1991, um software que abriu um novo caminho para o mapeamento de biomas e o acompanhamento de sua degradação. A tecnologia deu origem ao Atlas da Mata Atlântica, lançado em 2004, e começa a ser usada também na Amazônia. “Antes, conseguíamos informações por meio de sobreposições de imagens e, no máximo, em uma escala de 1 para 250 000. O software nos proporcionou dados em uma escala de 1 para 50 000”, diz geógrafo. “E o melhor é que essa tecnologia também permitiu que tudo seja disponibilizado para a sociedade de forma simples e prática.”
Ao mudar a escala de visualização das áreas, o software possibilitou a confecção de mapas mais minuciosos. Até então, ao se fazer o levantamento da vegetação de áreas tão grandes, cada centímetro representado no documento correspondia a, no mínimo, uma área de 2,5 quilômetros. Com a nova tecnologia, a S conseguiu mapear os 16 Estados por onde a floresta se espalha com maior nível de detalhamento: cada centímetro do mapa corresponde a área de apenas 500 metros.
“Há diversos softwares no mundo que geram mapeamentos até mais detalhados, mas não de áreas tão grandes nem com a vegetação como tema. Com isso, passamos a identificar focos mínimos de desmatamento, aqueles feitos por pequenos proprietários, por exemplo. Pessoas que, se bem orientadas, podem perceber que têm maiores possibilidades de lucros, inclusive financeiros, conservando a mata do que a eliminando”, diz Mantovani.
Em termos práticos, outro ganho importante com esta tecnologia é o desenvolvimento de políticas públicas locais. A região da Mata Atlântica está dividida no Atlas município a município. Assim, qualquer prefeitura, ONG, universidade ou até uma pessoa sozinha pode examinar a situação da Mata Atlântica no seu município e, com base nas informações dos mapas, promover ações locais. Essa base de dados serve para estimular pequenas ações que, somadas, podem ter grande efeito no bioma como um todo. “É praticamente impossível estabelecer medidas eficientes em nível nacional. Precisamos dessa soma de pequenas ações em rede para a recuperação da floresta”, diz Mantovani. Ele acredita que, sem esse mapeamento, a mata certamente estaria condenada a desaparecer em poucos anos. Mantovani prevê que a tecnologia desenvolvida no Brasil poderá ser exportada em breve e contribuir para a conservação de biomas no mundo inteiro.®
Grande e frágil
Muitas espécies sumiram. E o homem nem se deu conta disso
A Mata Atlântica que Pedro Álvares Cabral encontrou nestas terras, ao desembarcar em 1500, estendia-se sobre um mar de morros e trechos baixos ao longo de toda a costa brasileira. Era uma verdadeira muralha, coberta com árvores de até 60 metros de altura e formava um sistema auto-suficiente de vida. Hoje, é impossível traduzir a biodiversidade da Mata Atlântica em números. Apenas uma pequena parte das espécies foi estudada – e muitas desapareceram sem que o homem ao menos soubesse que elas existiram algum dia.
As copas das árvores mais altas se fecham, formando uma cúpula protetora das espécies que se desenvolvem debaixo delas. As folhas e sementes que caem servem de alimento para insetos e outros animais que compõem a cadeia alimentar. Muitos são responsáveis pelo transporte de sementes e outras formas de reprodução da floresta, fechando o ciclo de vida. Qualquer intervenção, mesmo numa única espécie animal ou vegetal, pode levar a uma destruição em cadeia. A variação de características geográficas ajuda a enriquecer o grupo de ecossistemas. A diversidade vegetal e animal é tamanha que uma árvore da mesma espécie pode apresentar características diferentes conforme esteja no nível do mar ou no alto do morro.
O impacto da descoberta
Mapeamento minucioso, feito com a ajuda de um software desenvolvido pelo Inpe, permitiu verificar que apenas 7% da área original da Mata Atlântica está preservada, chamando a atenção para a necessidade de sua preservação