A polêmica dos remédios para emagrecer
Nova lei libera a produção e a venda no Brasil de medicamentos que haviam sido proibidos em 2011; entenda o caso e confira a repercussão
Acaba de ser aprovada a lei que libera o uso de remédios para emagrecimento vetados desde 2011 por uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esses medicamentos levantaram polêmica por, apesar dos resultados na balança, serem anfetamínicos – substâncias com potencial para causar dependência e males cardiovasculares, por exemplo.
De um lado, entidades médicas se mostraram favoráveis à liberação. Maria Edna de Mello, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, por exemplo, afirmou: “A liberação via projeto de lei não é o melhor caminho. Mas se for o único caminho que temos para ampliar as opções de tratamento da obesidade, é bem-vindo”.
Do outro, organizações como a Anvisa e o Instituto de Defesa do Consumidor já haviam se posicionado de maneira contrária à decisão. “Não concordamos com a liberação de medicamentos feita por lei. Pode ser que, posteriormente, se descubra que esses remédios possam oferecer algum risco ou perigo a quem os consumir. O papel do Congresso é outro: cobrar da Anvisa eficiência, transparência e acompanhar seus processos. Mas não substituir as funções da Anvisa”, ressalta o diretor-presidente da Agência, Jarbas Barbosa.
A Anvisa lembra, por exemplo, do caso da fosfoetanolamina sintética, substância alardeada como a cura do câncer que chegou a ter sua comercialização autorizada e que, posteriormente, demonstrou ineficácia em estudos com seres humanos. Mas Maria Edna faz uma ponderação: “Claro que não há [estudos de eficácia e segurança sobre esses remédios emagrecedores]. Afinal, eles foram lançados há mais de meio século, tendo como base pesquisas e regulamentações vigentes naquela época. Se prescritos com responsabilidade, são muito úteis no tratamento da obesidade. Além disso, estudos assim são caros e nenhuma indústria farmacêutica investirá milhões de dólares em um medicamento barato e sem patente”.
Ficou confuso? É porque, de fato, a medida é controversa. Como já dissemos, os anfetamínicos oferecem riscos consideráveis à saúde – assim como a obesidade. Diante disso, SAÚDE traz abaixo as opiniões de diversas entidades sobre o assunto:
Conselho Federal de Medicina
Um avanço importante no tratamento de doenças que dependem do uso de anorexígenos, como é o caso dos pacientes com obesidade. Essa foi a avaliação do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei nº 2.431/11, que autoriza a produção, comercialização e consumo, sob prescrição médica, de sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol. O resultado atende as expectativas da entidade médica, que há sete anos vem se manifestando contra decisão tomada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2011, suspendendo todos esses processos para essas drogas.
Desde 2011, a Comissão de Assuntos Políticos (CAP) do CFM tem atuado junto aos parlamentares sensibilizando-os sobre a importância de facilitar o acesso dos pacientes aos produtos. Para a autarquia, esses medicamentos são importantes arsenais terapêuticos no tratamento da obesidade e deveriam ser liberados com acompanhamento e prescrição médica. “A interdição da venda dessas substâncias representa uma interferência direta na autonomia de médico e de pacientes na escolha de métodos terapêuticos cientificamente reconhecidos no tratamento de problemas graves de obesidade”, denunciava o CFM, em nota à sociedade, divulgada na época.
Com apoio da CAP, desde 2011 a autarquia passou a subsidiar deputados e senadores com informações esclarecedoras que ajudaram os parlamentares a entenderem o equívoco da medida anunciada pela Anvisa. Assim, mostrou como pacientes com características especiais, como os que lutam contra quadros de obesidade mórbida, estavam sendo penalizados. “Nosso trabalho buscou, sobretudo, mostrar que os problemas estavam na falta de controle do processo de venda dos produtos, que eram entregues, muitas vezes, sem prescrição médica. Ou seja, a medida foi excessiva, pois focou nos remédios, considerados importantes e efetivos, e não na fixação de barreiras para evitar os abusos”, disse o conselheiro Dalvélio Madruga, um dos diretores do CFM, e membro da CAP.
O autor do PL 2.431/11, deputado Felipe Bornier (Pros-RJ), elogiou a aprovação do projeto “que dará mais esperanças a milhões de brasileiros obesos”. Segundo o deputado, a proibição aumentou a venda descontrolada dos anorexígenos no mercado negro. Com o PL, o medicamento terá venda controlada, com a cópia da receita ficando retida na farmácia. O PL foi aprovado pela Câmara, passou pelo Senado e voltou para ser apreciado novamente pelos deputados. O texto segue agora para a sanção presidencial.
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, (SBEM), também elogiou a decisão dos deputados. “O uso racional desses medicamentos sempre foi defendido pela SBEM, e somos totalmente contrários ao uso desses medicamentos de maneira indiscriminada, como aconteceu no passado. Mas retirá-los do mercado nunca foi a solução para o problema” defendeu a entidade em nota. A SBEM também defende que esses medicamentos, que têm um valor de comercialização baixo, possam ser utilizados em pacientes na rede pública no tratamento da obesidade. De acordo com a entidade, a sanção presidencial permitirá a volta da produção dos medicamentos pelos laboratórios que deixaram de fabricá-los.
Anvisa
(parecer emitido antes da aprovação)
A Anvisa vê com preocupação a aprovação do Projeto de Lei 2.431/2011, que autoriza a produção, a comercialização e o consumo, sob prescrição médica, de medicamentos à base das substâncias anorexígenas sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol. A Agência entende que a medida representa sério risco para a saúde da população ao retirar do órgão a competência legal para a regulação a respeito do registro sanitário dessas substâncias.
Para a Anvisa, a aprovação do PL promove sério dano ao regime jurídico dos produtos submetidos ao controle da vigilância sanitária, estabelecido pelas Leis nº 6.360/76 e 9.782/99, e resguardado por recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A venda (dispensação) dos medicamentos à base de anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina é regulada pela Anvisa através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 133/2016.
“Não concordamos com a liberação de medicamentos feita por lei. Pode ser que, posteriormente, se descubra que esses medicamentos possam oferecer algum risco ou perigo a quem os consumir. O papel do Congresso é outro: cobrar da Anvisa eficiência, transparência e acompanhar seus processos. Mas não substituir as funções da Anvisa”, ressalta o diretor-presidente da Agência, Jarbas Barbosa.
O registro sanitário visa garantir a segurança e eficácia terapêutica dos medicamentos. Trata-se, portanto, de medida destinada a assegurar o direito constitucional fundamental da saúde, prevista de forma expressa como dever do Estado. A decisão do Congresso permite que as substâncias em questão sejam manipuladas mesmo sem a devida comprovação de segurança e eficácia asseguradas pelo registro na Anvisa, caracterizando-se, portanto, como risco para a saúde da população.
Um bom exemplo disso é o caso da fosfoetanolamina, propagada por seus produtores como a “pílula do câncer” e que teve seu uso autorizado pela Câmara, mesmo sem que a substância tenha registro na Anvisa. O STF barrou esta decisão, por entender que “a busca pela cura de enfermidades não pode se desvincular do correspondente cuidado com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico”.
Posteriormente à decisão do STF, todos os testes em torno da fosfoetanolamina demonstraram a não eficácia ou benefício clínico significativo na substância. Ou seja: se a decisão da Câmara estivesse em vigor, as pessoas teriam se submetido ao tratamento com um “medicamento” ineficaz e que poderia até mesmo ser prejudicial a esses pacientes ao fazê-los abandonar a quimioterapia tradicional.
Por fim, ressalta-se que a substância ativa sibutramina continua como opção terapêutica disponível para a população brasileira em medicamentos industrializados – com o devido registro na Anvisa – e que podem ser produzidos e comercializados por farmácias de manipulação. O registro de medicamentos com as substâncias anfepramona, femproporex, mazindol pode ser solicitado e poderá ser concedido mediante a apresentação de dados que comprovem a eficácia e segurança dos mesmos, conforme Art. 2º da Resolução de Diretoria Colegiada-RDC nº. 50/2014.
A Anvisa se coloca à inteira disposição do Congresso para colaborar com o debate e fornecer todas as informações técnicas possíveis. No entanto, é importante reiterar que liberar medicamentos que não passaram pelo devido crivo técnico seria colocar em risco a saúde da população.
Assessoria de Comunicação da Anvisa
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
“Desde 2011, quando houve a proibição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, da comercialização dos derivados de anfetamina e da sibutramina no Brasil, a SBEM se posicionou contrária à essa decisão. A aprovação do Projeto de Lei 2431/11, da comercialização desses medicamentos é o reflexo da certeza que tínhamos desde o início.
A fiscalização da comercialização desses remédios deve ser feita, mas é fundamental estar disponível no arsenal terapêutico dos médicos, que trabalham seriamente com obesidade, a possibilidade da utilização dos derivados de anfetamina: mazindol, femproporex e anfepramona.
O uso racional desses medicamentos sempre foi defendido pela SBEM, e somos totalmente contrários ao uso desses medicamentos de maneira indiscriminada, como aconteceu no passado. Mas retirá-los do mercado nunca foi a solução para o problema. São substâncias antigas que têm um valor de comercialização baixo e, por isso, podem ser utilizadas em pacientes na rede pública no tratamento da obesidade.
A SBEM entende que diante do caminho político escolhido para resolução do retorno da comercialização dos derivados da anfetamina no Brasil, a assinatura desse projeto de lei pelo presidente em exercício Rodrigo Maia foi a melhor solução. Esperamos que, em futuras situações polêmicas, possamos debater de maneira mais intensa e profunda precocemente, antes de buscar soluções políticas para questões relacionadas aos medicamentos no Brasil. No momento, cabe a indústria farmacêutica decidir pela retomada da produção comercial destes medicamentos, e isto será uma nova etapa.
Alexandre Hohl, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso)
(parecer emitido antes da aprovação)
Na época da proibição, a Anvisa alegou que os inibidores de apetite podiam trazer riscos à saúde dos pacientes. Mas, para a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), a decisão foi arbitrária e intransigente. “A alegação foi que não havia estudos científicos recentes que comprovassem a segurança desses medicamentos. Claro que não há, afinal, eles foram lançados há mais de meio século, tendo como base pesquisas e regulamentações vigentes naquela época. Se prescritos com bom senso e responsabilidade, ou seja, respeitando a necessidade e contraindicação de cada paciente, eles são muito úteis no tratamento da obesidade. Além disso, estudos para avaliar segurança são caros e nenhuma indústria farmacêutica investirá milhões de dólares em um medicamento barato e sem patente”, afirma a especialista.
Segundo a doutora Maria Edna de Melo, a ABESO se colocou contra a proibição desses anorexígenos desde o início, especialmente porque a decisão limitava duramente o tratamento da obesidade, que é uma doença crônica, multifatorial e em que apenas 20% dos pacientes conseguem emagrecer com reeducação alimentar e atividade física. “Há casos em que a medicação é crucial para que o indivíduo melhore seus hábitos alimentares, emagreça e mantenha o peso alcançado”, afirma a médica. Vale lembrar que devido à proibição do femproporex, da anfepramona e do mazindol, nos últimos cinco anos médicos e pacientes ficaram limitados ao uso da sibutramina e do orlistat. Nenhum deles está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
Nota da assessoria de imprensa
Instituto de Defesa do Consumidor e Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(parecer emitido antes da aprovação)
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) vêm a público repudiar a decisão da Câmara e exigir o veto de Temer, considerando os riscos aos pacientes e os prejuízos à saúde pública caso seja liberada definitivamente a comercialização e o consumo dos anorexígenos: sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.
Proibido na Europa e em vários países, o uso desses medicamentos, conforme evidências científicas mundialmente consagradas, faz aumentar o risco cardiovascular e não há comprovação de que contribuem para a diminuição do peso corporal e para o controle da obesidade. Esses derivados das anfetaminas são substâncias psicoativas que prejudicam o sono e alteram o comportamento e o humor.
Medicamentos têm papel reduzido e complementar no tratamento do sobrepeso, que deve ser baseado no apoio nutricional, pedagógico e psicológico para que o paciente consiga alterar seus hábitos e modos de vida.
Assim como em 2014, quando deputados e senadores aprovaram o Decreto Legislativo 273/14 suspendendo a primeira proibição da Anvisa, também agora prevaleceram interesses privados sobre a saúde e o bem estar coletivo.
A liberação atende exclusivamente ao lobby e poder econômico das empresas farmacêuticas e dos prescritores que lucram com a produção, a venda e as comissões sobre remédios para emagrecer. Cabe ressaltar que diversos parlamentares receberam em eleições financiamento de campanha da indústria farmacêutica.
A aprovação da lei é uma afronta ao Sistema Único de Saúde (SUS) e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que atuam na segurança e controle da produção, comercialização e propaganda de medicamentos, atuação que requer inclusive proibições e restrições visando a garantia da saúde da população.
Para isso, a Anvisa deve contar com autonomia e independência em relação aos partidos, empresas, corporações e interesses privados. Suas decisões técnicas e sanitárias não podem ser substituídas pelo juízo político, conforme definiu o STF em 2016. Recorreremos, portanto, ao Judiciário, se a lei for sancionada.
Em defesa do SUS e da ANVISA, conclamamos a todos que se juntem à nossa ação e campanha: #VETATEMER, NÃO LIBERE OS REMÉDIOS PARA EMAGECER PROIBIDOS PELA ANVISA.
Conteúdo originalmente publicado em SAÚDE