A vontade faz milagres
Enquanto você, com tudo no lugar, fica grudado na TV, eles vão à luta nas quadras. Os atletas paraolímpicos provam que não há limites para a disposição de vencer
Maurício Ribeiro
Quando os últimos participantes da Olimpíada estiverem voltando para casa, após o final dos Jogos, outros 4 000 atletas estarão desembarcando no aeroporto de Sydney. Não, eles não são retardatários compulsivos. Esses competidores vão participar da XI Paraolimpíada, que reúne deficientes físicos de todo o mundo. De 18 a 29 de outubro, eles disputarão medalhas em dezoito esportes diferentes, como o futebol, o basquete em cadeira de rodas, a natação e o atletismo. Para o Brasil, os Jogos Paraolímpicos têm rendido bem mais medalhas do que as competições tradicionais. Nas últimas três Olimpíadas para deficientes (Seul-88, Barcelona-92 e Atlanta-96), os brasileiros ganharam 55 medalhas, entre elas nove de ouro, enquanto que os atletas olímpicos trouxeram dos Jogos correspendentes apenas 24, das quais só seis eram de ouro.
Essa diferença deve crescer depois de Sydney. Muitos dos 65 competidores da delegação paraolímpica brasileira têm chances de vitória. “Quero voltar de lá com três ouros no peito”, diz a corredora Ádria Rocha, 26 anos, um dos destaques da delegação. Completamente cega, ela vai disputar as provas de 100, 200 e 400 metros rasos para deficientes visuais. “Para isso, estou treinando forte 3 horas por dia”, afirma. Ádria já tem um ouro paraolímpico – venceu os 100 m em Barcelona-92. Outra esperança é o nadador Luís Silva, atual recordista mundial dos 50 m, 100 m, 200 m livre e 50 m borboleta na categoria “amputados”. “Desde que comecei a competir, aos 13 anos, botei na cabeça que iria participar dos Jogos”, diz Silva, estreante em Paraolimpíadas.
A atleta Sueli Guimarães, 42 anos, recordista mundial no lançamento de disco e ouro em Barcelona-92, acredita que a grande contribuição da Paraolimpíada é dar um golpe no preconceito contra o deficiente físico. “O esporte mostra que podemos superar as limitações também no dia-a-dia”. Ela perdeu as duas pernas num acidente, aos 7 anos de idade, atropelada por um bêbado.
Um raio na escuridão
Guarde este nome: Marla Runyan. Ela é uma corredora americana, especialista na prova dos 1 500 m rasos. Mesmo que não conquiste nenhuma medalha em Sydney – o que é provável que aconteça -, ninguém mais vai se esquecer de Marla por um simples detalhe: ela é cega. Isso mesmo! A atleta tem apenas 10% da visão e, por isso, não percebe nada mais do que vultos ao seu lado. Note bem: ela está participando das Olimpíadas normais, e não dos Jogos para deficientes. Marla conquistou vaga na poderosíssima equipe olímpica dos EUA durante as seletivas realizadas em julho. Ficou em terceiro lugar, com o tempo de 4min06s44 (o recorde mundial da prova é 3min53s27), e foi aplaudida pelos mais de 20 000 espectadores. “Não posso esquecer as cartas que recebo de pessoas que sofrem o mesmo problema que eu”, disse, após a conquista da vaga. “É bom poder influir positivamente na vida delas.”
Aos 31 anos, Marla é uma supercampeã paraolímpica, ganhadora de medalhas de ouro nas Paraolimpíadas de Barcelona-92 e de Atlanta-96. Mas sempre quis correr também com atletas que não tivessem deficiência física. Na Olimpíada passada, ela já havia tentado uma vaga na equipe de heptatlo (prova que reúne sete modalidades diferentes), mas ficou em sétimo lugar nas seletivas e não se classificou. Em Sydney, ela vai realizar o sonho, ao competir como atleta olímpica. “Marla é extraordinária, tem uma força incrível”, diz seu treinador, o ex-atleta Mark Manley. Alguém duvida?
Superbrasileiros
Ádria Rocha, cega, é favorita à medalha de ouro nas provas de 100, 200 e 400 m rasos para deficientes visuais: “O esporte me deixou mais segura para andar sozinha”
Sueli Guimarães perdeu as pernas quando criança, vítima de atropelamento. Hoje é recordista mundial no lançamento de disco: “Treino 3 horas todos os dias”
Aos 18 anos, Luís Silva vai estrear em Paraolimpíadas. O nadador, que nasceu sem as duas pernas, as duas mãos e um dos braços, é certeza de ouro: “O esporte me deu objetivos”