As 6 máquinas que vão mudar a medicina
Uma máquina que identifica doenças pelo hálito. Um supercomputador mais inteligente do que qualquer médico. Conheça as seis tecnologias médicas mais avançadas do mundo.
Edição: Bruno Garattoni Reportagem: Carol Castro
1. Experiência sensorial
Você provavelmente nunca fez uma ressonância magnética (MRI). É aquele exame em que a pessoa se deita numa maca e sua cabeça entra num círculo gigante. A cena aparece bastante nos filmes – em que o exame sempre é rapidinho e tranquilo. Na vida real, não é assim. Ressonância é um dos exames mais desagradáveis que existem. Você fica até 45 minutos completamente imóvel, preso dentro de um túnel muito apertado, com uma máscara sobre o rosto. Mas e se pudesse esquecer aquilo tudo e pensar em algo agradável? Essa é a ideia do Ambient Experience, um sistema que tenta recriar virtualmente ambientes como praia, floresta e fundo do mar – cujas imagens e cores são projetadas nas paredes da sala de exame. A tecnologia, criada pela empresa holandesa Philips, é usada principalmente com crianças. “Elas chegam assustadas, mas se distraem”, diz Tim Burrill, vice-presidente do Florida Hospital. No Brasil, o sistema está presente nos hospitais Samaritano e Santa Catarina, em São Paulo.
2. A cadeira que lê o cérebro
Nos últimos 20 anos, a neurociência fez bastante progresso. Hoje os cientistas sabem dizer quais regiões do cérebro estão relacionadas a cada aspecto do comportamento humano, como medo e afeto, por exemplo. Sabe como eles fazem isso? Colocando um voluntário deitado numa máquina de ressonância magnética, como aquela do texto anterior, que consegue medir a movimentação do sangue dentro do corpo enquanto a pessoa pensa (e é induzida pelos cientistas a sentir coisas como medo ou afeto). A máquina mede quais áreas cerebrais estão recebendo mais sangue – e, portanto, estão mais ativas. Grande parte da neurociência moderna se limita a isso: olhar o vai-e-vem do sangue.
Mas já existe uma tecnologia que permite ir além, penetrar mais fundo no cérebro e enxergar o que os neurônios propriamente ditos estão fazendo. Ela se chama magnetoencefalograma (MEG), e foi proposta pela primeira vez no final da década de 1960. Em vez de medir o fluxo de sangue, a ideia aqui é detectar os campos magnéticos que o cérebro emite, e com isso calcular em tempo real as descargas elétricas que estão sendo disparadas pelos neurônios. Ou seja: com o MEG, o médico consegue ver exatamente quais neurônios estão conversando. Quando você abre a boca para emitir uma frase, por exemplo, a máquina traça e apresenta o caminho que aquele pensamento fez. É uma ferramenta incrível para estudar o cérebro – e também algumas de suas doenças, como Alzheimer, autismo ou epilepsia. Levou tempo até que o MEG se tornasse viável (as máquinas eram caras e imprecisas demais), mas hoje elas já são realidade. O principal aparelho do tipo se chama Neuromag, e é fabricado pela empresa sueca Elekta. Ele custa aproximadamente US$ 5,3 milhões, e existem 72 unidades instaladas pelo mundo (por enquanto, nenhuma no Brasil).
3. Diagnóstico pelo ar
Câncer de pulmão é o tipo mais comum de câncer: mata 1,38 milhão de pessoas por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Isso acontece porque muita gente ainda fuma (o tabaco é responsável pela esmagadora maioria dos casos), e também porque a doença raramente é diagnosticada a tempo. Em 85% dos pacientes, ela só é detectada quando o tumor já se espalhou para outros órgãos. Uma novidade promete ajudar a mudar esse quadro. É a Metabolomx, uma máquina que detecta o câncer de pulmão a partir da respiração da pessoa. O paciente vai em jejum para o exame, que consiste em respirar normalmente numa mangueira. O ar que ele exalou é analisado pela máquina em busca de certos tipos de compostos orgânicos voláteis (VOC), um tipo de substância produzida pelo organismo quando há determinadas doenças. Se certos VOCs estiverem presentes, é porque há câncer. A tecnologia foi criada pelo cientista Kenneth Suslick, da Universidade de Illinois, que se baseou num fato curioso e surpreendente: um estudo realizado em 2011 por cientistas alemães mostrou que cães treinados são capazes de detectar câncer de pulmão com 71% de acerto. Isso acontece porque os cachorros, dotados de olfato extremamente apurado, sentem os VOCs que o paciente expira. “É um jeito mais fácil de ver se há doença [câncer]”, diz Suslick. A máquina promete fazer ainda melhor, com índice de acerto de 80% a 93%. Além de câncer de pulmão, o aparelho também é capaz de detectar câncer de cólon, tuberculose e alguns tipos de infecção. A Metabolomx ainda está aguardando aprovação da Food and Drug Administration (órgão do governo americano que regulamenta o setor médico).
4. Viagem ao centro do coração
As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, e têm nomes familiares – aterosclerose, arritmia, infarto. Mas também existe outra, que você provavelmente não conhece: a estenose aórtica. É um problema na válvula aórtica, que controla o fluxo de sangue no lado esquerdo do coração. É grave e é comum: só nos EUA, 1,5 milhão de pessoas tem. Nos casos mais sérios, a única saída é abrir o coração e trocar a válvula por uma artificial – ou a pessoa morre em no máximo dois anos. Mas essa cirurgia é muito agressiva, e 70% dos pacientes são velhos (e frágeis) demais para sobreviver a ela. E aí? Viver só dois anos, ou se arriscar a morrer na mesa de operação?
A medicina criou uma terceira opção. Colocar uma válvula artificial dentro de um cateter (um tubo fino e longo), que é introduzido por uma artéria da perna ou por um pequeno corte entre as costelas. Os médicos guiam esse tubo por dentro do corpo, com a ajuda de imagens de ultrassom e radioscopia (um raio-x contínuo), até chegar ao coração. Dentro do coração. Quando isso acontece, a peça é inflada – e se encaixa no lugar da válvula danificada. Uma cirurgia cardíaca delicadíssima, sem precisar abrir o peito do paciente. A válvula é feita de metal e pericárdio bovino (tecido extraído do coração de boi), mede 2,3 cm por 1,4 cm e 23 milímetros de diâmetro. Ela é fabricada pelas empresas CoreValve e Edwards Sapien (já aprovada pela FDA), e aumenta em 40% as chances de sobrevivência.
A pessoa evita uma cirurgia de alto risco e prolonga sua vida. Em compensação, a válvula traz um pequeno risco de derrame (13%), e custa caro: só a peça, sem contar as despesas de hospital, sai por US$ 30 mil. No Brasil, os testes com ela tiveram início em 2011, e já existem estudos para fabricá-la por aqui, o que reduziria o custo em 30%. No exterior, a válvula já está sendo usada em operações no lado direito do coração.
5. O LHC do câncer
O Large Hadron Collider (LHC), um túnel de 27 quilômetros na fronteira entre a França e a Suíça, é o maior acelerador de partículas do mundo. Nele, prótons são acelerados a 99,9999991% da velocidade da luz e se chocam uns contra os outros. O objetivo é quebrá-los em partículas subatômicas e estudar essas partículas. O acelerador de partículas é a grande ferramenta dos físicos para desvendar os segredos da matéria e do Universo. E também a nova arma dos médicos para tratar o câncer.
O Centro de Terapia com Raios Iônicos fica em Heidelberg, na Alemanha, e é um conjunto de prédios construídos em torno de uma máquina gigantesca. Ela se chama Iontris, foi criada pela empresa alemã Siemens, e pesa 670 toneladas – mais do que o Airbus A380, maior avião de passageiros do mundo. É um acelerador de partículas, como o LHC. A diferença é que, em vez acelerar prótons, acelera íons de carbono, e a uma velocidade ligeiramente menor: “apenas” 75% da velocidade da luz, ou 225 mil quilômetros por segundo. E essas partículas não são arremessadas umas contra as outras. Elas são disparadas contra o tumor que está dentro do corpo de uma pessoa.
A vantagem é que o feixe disparado pela máquina é incrivelmente potente, e incrivelmente preciso – atinge apenas o tumor, sem danificar as células que estão em volta. “Quinze minutos depois da sessão, o paciente consegue levantar e tomar um café”, diz Matthias Kraemer, da Siemens. Por isso, a Iontris é indicada para tratar os tipos mais delicados de câncer, como no cérebro. A empresa diz que em seis meses, depois de dez ou 20 sessões, a máquina é capaz de eliminar a maior parte dos tumores. Apesar disso, o sistema é um fracasso comercial. A Siemens investiu US$ 1 bilhão para desenvolver a tecnologia e construir duas máquinas (a de Heidelberg e outra em Xangai, na China), mas teve US$ 521 milhões de prejuízo – e recentemente cancelou duas Iontris que seriam montadas na Alemanha.
6. O supergênio
Já aconteceu com quase todo mundo. Você vai ao médico com algum problema e ele não consegue descobrir o que é ou dá um diagnóstico errado. Acontece. O médico também é um ser humano. Mas e se não fosse? O supercomputador Watson está sendo preparado para ser o primeiro médico artificial do mundo. Watson foi criado pela divisão de pesquisa da IBM, e no ano passado venceu o programa Jeopardy, um game show de perguntas e respostas da televisão americana. Pode parecer bobagem, mas é um feito impressionante. Watson mostrou que era capaz de entender e responder perguntas enunciadas em inglês (não em linguagem de computador) e bastante capciosas, que são a marca do programa. Exemplo: “Um parente deste inventor o descreveu como um moleque que passa horas olhando o chá ferver. Quem é o inventor?” Resposta: James Watt. O supercomputador consegue responder essas coisas porque armazena uma quantidade incrível de dados na memória, e é capaz de raciocinar com inteligência usando esse conhecimento. Agora, a IBM pretende ensiná-lo a fazer diagnósticos. Ele será programado com todas as informações sobre doenças (sintomas, tratamentos, estudos científicos), receberá informações sobre o paciente (“paciente X sente falta de ar e dores”, por exemplo) e irá cruzar as duas coisas para dar um veredicto: “falta de ar e dor nos ossos podem ser sinais de leucemia”, por exemplo. Enquanto faz o cruzamento, Watson analisa qual a probabilidade de acertar – se for menos de 50%, ele não se arrisca a responder. A tarefa de ensinar o computador é árdua, pois uma quantidade enorme de informações médicas terá de ser programada na memória dele. A IBM espera que o processo leve no máximo dez anos.