PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

CNS recomenda homeopatia e outras terapias pseudocientíficas contra Covid

Órgão do Ministério da Saúde recomenda que Pics como Reiki e Acupuntura sejam usadas de forma complementar ao tratamento da doença. A comunidade científica não gostou.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 13 mar 2024, 10h09 - Publicado em 29 Maio 2020, 19h36

O Conselho Nacional de Saúde (CSN), instância deliberativa do Sistema Único de Saúde (SUS) e integrante do Ministério da Saúde, publicou um documento recomendando que órgãos de saúde de todo o país adotarem as chamadas Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) para auxiliar no tratamento de Covid-19. As Pics são terapias que não tem eficácia comprovada cientificamente, como homeopatia, reiki, florais, acupuntura etc. e normalmente são recomendadas como complemento aos tratamentos com fármacos comuns. 

“Neste momento, em que não há ainda medicação para a cura, vários profissionais estão utilizando as práticas integrativas como forma de complementar a assistência. Estamos conversando com diversas pessoas e sabemos de alguns registros com a melhora em alguns tratamentos, que estão sendo realizados em nível nacional”, afirmou em comunicado Simone Leite, coordenadora do setor de práticas integrativas do CNS.

Para grande parte da comunidade científica, o uso dessas técnicas em sistemas públicos de saúde não se justifica devido a falta de evidências sólidas sobre sua eficácia. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece 29 terapias que se enquadram como Pics. A nova recomendação salienta que elas devem ser utilizadas contra a Covid-19 de forma apenas complementar, sem substituir métodos de eficácia comprovada.

“A nota do CNS veio poucos dias depois de a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitir uma orientação alertando contra o uso de terapias sem comprovação científica no combate à Covid-19. Dessa forma, o Conselho vai na contramão da tendência internacional”, diz Natália Pasternak, microbiologista do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e diretora do Instituto Questão de Ciência, associação sem fins lucrativos que defende o uso de evidências científicas para formular políticas públicas.

Para formular a recomendação, o CNS se baseou em um documento que reúne diversas pesquisas publicadas sobre as práticas indicadas. Mas, das 37 referências citadas, apenas três estudos se referem especificamente a Covid-19, e todos têm foco na fitoterapia da medicina tradicional chinesa combinada com as Pics. Fitoterapia, vale explicar, é o uso de plantas com propriedades medicinais – e essas, evidentemente, podem fazer efeito. Ou seja: os estudos não abordam as Pics isoladamente. 

Continua após a publicidade

Além disso, o próprio documento ressalta que essas pesquisas precisam passar por revisões para atestar sua veracidade. “Ou seja, sugere-se o uso de PICs com base em ‘evidências’ cuja qualidade sequer foi auferida”, diz Pasternak.

Outro argumento utilizado pelo CSN é que a recomendação também se baseia em orientações prévia da OMS sobre práticas integrativas. De fato, a OMS já defendeu tais técnicas no passado, em diferentes ocasiões. 

Mas a pandemia é um cenário totalmente diferente, e o órgão engrossou o tom para a ocasião. Uma nota um pouco contraditória divulgada no começo de maio, intitulada “A OMS apoia a medicina tradicional comprovada cientificamente”, afirma que mesmo no caso de terapias que derivam de práticas tradicionais e naturais, é essencial “estabelecer a eficácia e segurança através de rigorosos testes clínicos”. Ou seja: as Pics podem até não fazer bem, mas é importante que elas não façam mal. 

Continua após a publicidade

A mudança incisiva no discurso da organização se deve, em partes, pelo cenário de desinformação anticientífica criado pela pandemia. Despontam pelo mundo supostos medicamentos milagrosos que curariam a Covid-19 facilmente – o mais famoso é um chá natural supostamente descoberto pelo governo de Madagascar, na África, que leva em sua base a planta artemísia.

O uso da bebida tem sido incentivado até pelo presidente do país para tratar ou prevenir a infecção por coronavírus. Não há nenhuma comprovação de sua eficácia, e é quase certo de que a história não passe de uma grande farsa. Para piorar, a promessa de uma falsa cura pode fazer com que a população se descuide de medidas de prevenção ou faça uso da auto-medicação, o que pode ser prejudicial à saúde, como alerta a própria OMS.

Cloroquina 

A decisão do CSN também chamou a atenção de pesquisadores porque, no mesmo dia em que publicou a recomendação sobre as práticas integrativas, o Conselho pediu a suspensão do protocolo que prevê o uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com sintomas leves da Covid-19 – uma orientação adotada recentemente pelo Ministério da Saúde. O motivo seria a falta de evidências científicas sobre a eficácia desses fármacos.

Continua após a publicidade

Defensores das Pics afirmam que não há contradição: todas as evidências disponíveis levam a crer que a cloroquina e a hidroxicloroquina podem ter efeitos colaterais graves – o que não se aplica à maioria das terapias alternativas, que em geral são inofensivas e apenas complementam o tratamento embasado cientificamente. Isso explicaria porque o órgão barrou um, mas recomendou o outro. 

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Simone Leite, do CSN, reforçou esse argumento: a cloroquina seria um tratamento específico para a Covid-19 que não possui comprovação, enquanto as práticas como acupuntura, massagens e florais são complementares à assistência médica, e não se propõem a curar a doença. Além disso, as Pics ajudariam a controlar o estresse e ansiedade dos pacientes. 

Os críticos afirmam, porém, que em um momento em que o sistema de saúde já enfrenta sérias dificuldades, a concentração de recursos financeiros deve ser feita em setores cruciais ao combate da Covid-19, como aquisição de equipamentos de proteção, assistência aos profissionais de saúde, melhor comunicação do governo com a população, etc.

“Sugerir que recursos sejam desviados para a promoção de práticas baseadas em supostas ‘evidências’ cuja qualidade ninguém se deu ao trabalho de avaliar é um desrespeito à gravidade do momento vivido pela nação”, diz Pasternak. “Se a preocupação é a saúde mental, o Conselho Nacional de Saúde teria agido melhor se recomendasse ações de promoção do bem-estar que têm embasamento científico adequado.”

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.