Como essa história começou, ninguém sabe ao certo. Mas reza a lenda que um médico alemão fez a seguinte descoberta: após consumirem alimentos crus, pacientes com leucocitose, um distúrbio que leva ao aumento dos leucócitos (as células de defesa do organismo), apresentaram uma diminuição no seu contingente. Ora, a diminuição dos leucócitos só acontece quando o corpo está com seu sistema imunológico fortalecido, a ponto de dispensar parte dos seus protetores naturais. Daí que o tal médico alemão chegou à conclusão de que a comida crua fortaleceria o sistema imunológico. Detalhe: nada disso jamais foi comprovado cientificamente. Mas o mito pegou.
Em 1984, a mania da comida crua – ou crudivorismo – se popularizou graças à escritora Leslie Kenton, que lançou o best seller Raw Energy. Segundo a autora, uma dieta baseada em alimentos crus serviria para prevenir doenças degenerativas, retardar os efeitos do tempo, conferir energia e equilíbrio ao corpo. De lá pra cá, a raw food entrou e saiu de moda várias vezes, sempre com a promessa de melhorar a saúde e desintoxicar o corpo.
Que o crudivorismo tem lá suas virtudes, isso tem. Afinal, submeter vegetais ao calor do cozimento rouba até 60% de suas substâncias benéficas. A questão é que os macronutrientes, como proteínas, gorduras e carboidratos, essenciais à saúde, ficam de fora dessa dieta. Tudo o que o crudivorismo tem a oferecer são os micronutrientes, caso de vitaminas e sais minerais que, sim, contam (e muito) para a boa nutrição. Só eles, porém, não bastam. “Os crus tanto podem pavimentar o caminho para a boa saúde como levar a um quadro de desnutrição”, resume o nutrólogo Eric Slywitch, de São Paulo. “Para alcançar um equilíbrio, deve-se consumir também feijões, ervilha, lentilha e grão-de-bico, que fornecem proteínas e calorias.”
Quando o calor não faz mal
Nem sempre o calor é responsável por eliminar nutrientes dos alimentos. No caso do betacaroteno (cenoura, abóbora, batata-doce, couve, mamão e caqui) e do licopeno (tomate em forma de molho, e goiaba vermelha e melancia preparadas como geleias), os alimentos ganham mais nutrientes quando submetidos a determinadas temperaturas. “O mesmo acontece com os fitoquímicos presentes nas folhas escuras e amargas, como almeirão e chicória, que devem ser refogados rapidamente”, diz o nutricionista Vanderlí Marchiori. A temperatura máxima permitida fica em torno de 42° C. “Os brócolis, como qualquer vegetal, devem ser cozidos com um mínimo de água, que, depois, pode ser aproveitada em outras preparações. Mas o ideal mesmo é consumi-los crus, bem picadinhos, em vinagretes, ou sobre pratos quentes, como macarrão e arroz. Uma boa dica é abafá-los um pouco com uma tampa para reter o calor e deixá-los mais macios.”
Acredite se quiser: feijão, lentilha, ervilha, grão-de-bico e trigo podem ser consumidos crus. Para experimentar, é só deixar leguminosas e cereais imersos em água, por horas ou mesmo dias a fio, dependendo do grão, em processo de germinação. Quando adquirirem consistência macia, nem precisa aquecer para consumir. “Em geral, esses alimentos apresentam uma pequena redução dos seus nutrientes”, avisa o nutrólogo Eric Slywitch. Embora até a batata possa ser consumida crua, o melhor é cozinhá-la. “Isso atenua seus fatores antinutricionais, aquelas substâncias que interferem na absorção dos nutrientes”, diz Marchiori.
Comer só alimentos crus pode levar a um quadro de desnutrição, já que eles não têm tudo de que o corpo necessita.