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Direto no alvo

Com o avanço da pesquisa genética, as próximas gerações de remédios serão feitas sob medida para cada paciente e agirão somente onde interessa.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 31 jul 2003, 22h00

Rui Dantas

A consultora de vendas paulista Vera Pereira, 39 anos, é canhota, tem diabetes, apresenta alterações na tireóide e desenvolveu um nódulo no seio. A vida dessa paciente é envolta em bulas, remédios e visitas a consultórios de médicos. Todos os dias, ela aplica insulina subcutânea, com auxílio de uma injeção, e toma remédios em cápsula para controlar as outras doenças. Depois de se submeter a uma mastectomia, passou a freqüentar também consultórios de oncologistas para sessões de radioterapia.

Rotinas como a da vendedora acima acontecem aos milhares em todo o mundo. Mas tudo isso está prestes a mudar, em breve, com o aparecimento de novas drogas que prometem resolver antigos problemas e tratar doenças conhecidas de forma muito menos lesiva aos pacientes. E o melhor, os remédios serão feitos sob medida, considerando a carga genética do paciente e do microorganismo que ataca, além de agir somente no local afetado pela moléstia. Os doentes ainda terão suas informações genéticas disponibilizadas em um cartão magnético, por exemplo, para consulta rápida antes da prescrição de medicamentos. Com o conhecimento da carga genética dos pacientes, será ainda possível atacar o aparecimento de moléstias que o indivíduo certamente manifestaria em um estágio mais adiantado da vida.

“Nos próximos dez anos, a revolução na área dos remédios se dará na forma como eles são ministrados”, afirma Antônio Carlos Zanini, coordenador do Serviço de Informações sobre Medicamentos do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Entre dez e 20 anos, começarão a surgir os resultados das pesquisas em genoma humano e das pesquisas genéticas nos microorganismos causadores de doenças”, diz o médico. Segundo o médico, em 20 anos, o número de princípios ativos – as substâncias essenciais dos remédios – passará dos atuais 2 mil em todo o mundo para 40 mil ou mais.

Uma das primeiras revoluções são os pró-fármacos, que têm o potencial de atuarem especificamente no local onde o paciente necessita. A maioria dos remédios da forma como conhecemos hoje não tem a capacidade de diferenciar em que área exatamente deve atuar – e pode causar efeitos adversos perigosos. Se o paciente tem uma úlcera, o mesmo “inofensivo” comprimido que faz a dor de cabeça passar pode gerar uma hemorragia estomacal.

“O exemplo que dou é o do Cavalo de Tróia”, afirma Maria Amélia de Barata Silveira, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. “Você manda o seu exército – o remédio – para dentro do local onde ele deve atuar e, chegando lá, quimicamente, ele é liberado.”

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Os médicos apostam que esse tipo de medicamento funcionará muito bem especificamente contra as doenças crônicas, como diabetes, câncer e hipertensão. O principal motivo é que os pacientes passam anos tomando remédios para essas doenças. E, muitas vezes, nesses anos todos o remédio atua também onde não deveria.

Para chegar a essa façanha, os laboratórios tiveram de estudar as várias reações fisiológicas pelas quais os seres humanos passam quando estão doentes e quando consomem medicamentos. Depois, pensaram na possibilidade de agregar esses conhecimentos às fórmulas dos princípios ativos já conhecidas. Um dos casos é um pró-fármaco do câncer.

As drogas existentes matam tanto as células cancerosas quanto as sãs, tornando o remédio extremamente tóxico ao paciente. Os cientistas descobriram que tais células invasoras passam a absorver desenfreadamente determinados tipos de aminoácidos e proteínas, como a fenilalanina. A idéia, então, foi “soldar” microscopicamente os remédios já conhecidos a essas estruturas protéicas. Células sãs também absorvem a fenilalanina, mas em quantidade bem menor, o que torna o medicamento menos tóxico a quem consome.

NA MEDIDA JUSTA

Como na alta-costura, feita sob medida, os remédios também serão, no futuro, elaborados para se adequarem exatamente à carga genética do paciente. Para que o tratamento seja eficiente, uma série de questões precisa ser levada em consideração na administração de medicamentos. Cada indivíduo tem características pessoais, como a quantidade de absorção do princípio ativo do remédio e o tempo de vida do remédio no organismo do paciente. Em uns, o organismo absorve o remédio em menor quantidade, e o fígado filtra em poucas horas. Isso faz com que o medicamento fique no organismo por menos tempo, agindo menos do que em outros indivíduos. Há casos de remédios que não são sugeridos a determinados tipos físicos, como certos anti-hipertensivos, que não podem ser ministrados em pacientes negros.

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Assim, serão receitados aqueles medicamentos que apresentam o menor índice de reações adversas em grupos com carga genética parecida, num primeiro momento. Os fármacos ainda terão dosagens mais altas para os pacientes que, por características genéticas, absorvem seu princípio ativo em menores quantidades.

As características genéticas poderão, no futuro, ser armazenadas em um simples cartão magnético. “Na maioria das vezes, quando uma pessoa precisa de socorro, ela está inconsciente em um hospital”, diz a professora Maria Amélia. “Com o cartão, evitaríamos coisas como a que ocorreu com o meu pai, diabético. Ele teve um problema circulatório na rua e, quando cheguei ao hospital, descobri que queriam dar-lhe glicose.”

O MAPA DAS DOENÇAS

As pesquisas genéticas dos agentes patológicos também mudarão o panorama dos medicamentos. Hoje, a cultura de algumas bactérias em laboratório dá origem a alguns antibióticos. Manipuladas geneticamente, essas bactérias poderão produzir antibióticos mais potentes ou, ainda, produzir os mesmos antibióticos em maior escala, o que diminuiria os custos. A intenção é aumentar a eficácia e diminuir as reações adversas. Com o mapeamento genético de bactérias, vírus e parasitas, será possível atacá-los em seus pontos fracos.

A genética, no entanto, pode ir mais longe. Muito mais longe. Os médicos acreditam que, dentro de 20 anos ou mais, será comum a terapia genética em larga escala. Essa terapia terá como principal objetivo substituir genes que tornam um indivíduo propenso a desenvolver determinadas doenças. Como exemplo, tome uma família que tem histórico de hipertensão, problemas cardiovasculares ou calvície. Os genes do sujeito seriam, então, modificados a ponto de ele se livrar por antecipação dos problemas. Essa prevenção pode ser usada em um garoto cabeludo que ainda nem imagina que pode vir a ser calvo.

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O FIM DA AIDS

Além de ter um caráter preventivo, a terapia gênica poderia ainda corrigir um mal que está afligindo um paciente. A aids, nesse caso, poderá ter os dias contados. Você certamente já ouviu falar de casos de prostitutas que, por mais que tenham sido expostas ao HIV, nunca desenvolveram a doença. Isso porque, geneticamente, elas são imunes ao vírus, não permitindo que ele se multiplique dentro de seus organismos. A idéia seria colocar o gene protetor em pessoas que não têm essa imunidade.

Isso está bem longe de acontecer, mas os cientistas já estudam como fazê-lo. Eles seriam adaptados no organismo do paciente por meio de uma cirurgia, a que os médicos e cientistas dão o nome de transfecção. Essa terapia poderia ocorrer de duas maneiras: in vitro e in vivo. Na primeira, para um indivíduo que possui uma doença que ataca o fígado, como a hepatite C, seriam colhidas células do órgão, para que se pudesse manipulá-las. Essas células teriam o gene “defeituoso” modificado e seriam cultivadas em laboratório. “A cultura, realizada com o controle de temperatura, dentro de um meio químico adequado, seria então reinserida no paciente”, afirma o cardiologista Carlos Ruchaud, da Associação Brasileira de Biotecnologia, que trabalha para o laboratório americano Genzyme. Como as células são “peças originais” do próprio paciente, não haveria rejeição.

A transfecção in vivo, dentro do próprio paciente, é ainda mais complexa e, portanto, deve demorar ainda mais a acontecer. Os cientistas desenvolverão enzimas – chamadas por eles de restritivas – que serão capazes de ir até a seqüência genética que precisa ser modificada. “Elas cortarão o DNA em pontos específicos e irão inserir as outras seqüências que queremos”, diz Ruchaud.

Outros tratamentos ainda são cogitados com o advento da terapia gênica. Vírus, por exemplo, poderiam ser utilizados para curar. Ocorre que, quando um vírus infecta um organismo, ele entra dentro de uma célula, insere sua carga genética e passa a se multiplicar para, então, invadir novas células. Será possível, então, criar vírus que, já no organismo do paciente, inocularão os genes que os pacientes precisam. Esse tipo de terapia ainda tem um longo caminho a percorrer. Os vírus têm a tendência de sofrer mutações, o que os torna pouco seguros. E a idéia beiraria também a esfera ética. “Se já fazem tamanha polêmica com a questão dos transgênicos, o que se dirá quando a ciência indicar para tratamentos que inoculam vírus em doentes?”, diz Ruchaud. A pergunta não será respondida tão cedo. Mas é certo que histórias como a da consultora Vera tendem a ter finais muito mais felizes dos que temos conhecimento por ora.

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Em breve, numa farmácia perto de você

Conheça algumas armas que serão usadas nas próximas batalhas da guerra contra as doenças

AIDS E HEPATITE C

O laboratório brasileiro Aché, o maior da América Latina, aposta suas fichas no desenvolvimento de imunomoduladores, defesas que o organismo desenvolve contra vírus, como o da aids e o da hepatite. Comparado a uma batalha, em vez de atacar diretamente o exército inimigo – o vírus -, a idéia do medicamento é aumentar o número de armas que o corpo dispõe para combatê-lo. “O remédio está sendo desenvolvido a partir de um fitoterápico (remédio feito a partir de plantas), e a resposta nos humanos, que sempre apresentou rejeições com imunomoduladores sintéticos, está dando ótimos resultados”, vibra o farmacêutico e bioquímico Luiz Francisco Pianowski.

DISFUNÇÕES SEXUAIS

Depois de conquistar o mercado mundial com o Viagra, a Pfizer promete atacar uma disfunção conhecida como anorgasmia feminina, isto é, a dificuldade de orgasmo que algumas mulheres possuem. A empresa ainda estuda alguns medicamentos que atuem em outras áreas envolvidas na sexualidade feminina, como o desejo, a dor sexual e a disfunção da excitação.

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DOENÇAS CARDIOVASCULARES

O laboratório alemão Boehringer Ingelheim aposta no desenvolvimento de certos trombolíticos (que dissolvem coágulos) que poderão, no futuro, ser injetados diretamente na veia do indivíduo. Isso representará um enorme avanço no tratamento de acidentes cardiovasculares, como o infarto. No momento do fenômeno, em vez de o paciente ter de ser imediatamente levado a um hospital para iniciar os tratamentos, que são ministrados no organismo gota a gota, a simples injeção da droga poderia levar o infartado a sobreviver.

REUMATISMO

A Aché ainda promete o desenvolvimento de um poderoso antiinflamatório com menor índice de reações adversas utilizado no combate ao reumatismo. “Os efeitos serão bem melhores e sem ocorrência de problemas estomacais comuns a esse tipo de medicamento”, afirma Pianowski.

 

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