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Droga promissora contra Covid-19 age nas células do paciente, não no vírus

Em vez de atacar o invasor, o composto inibe uma proteína de nosso corpo que o vírus usa para infectar as células. Entenda como ele funciona.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 2 abr 2020, 20h10 - Publicado em 2 abr 2020, 17h06

Na corrida por um medicamento contra a Covid-19, que já infectou 1 milhão de pessoas em todo o mundo, uma nova estratégia está se mostrando promissora. Pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, anunciaram que vão iniciar testes clínicos (em humanos) do mesilato de camostato, princípio ativo que obteve bons resultados em testes iniciais.

Há um mês, um estudo publicado na revista Cell mostrou que essa substância consegue impedir que o vírus entre em células pulmonares humanas em experimentos feitos em laboratório. Além de ser mais uma aposta para combater a pandemia (existem outros tratamentos promissores, quatro dos quais estão sendo testados pela OMS), a droga também aposta em uma nova estratégia: ela age em nossas células e não no vírus em si, tornando mais difícil que os microrganismos se espalhem pelo corpo.

Funciona assim: o Sars-CoV-2, causador da Covid-19, tem uma padrão de infecção já conhecido. O vírus possui uma “coroa” de estruturas pontiagudas (spikes), que são proteínas cuja função é se ligar a receptores presentes nas células humanas para conseguir infectá-las. Nos humanos, essa porta de entrada é a enzima conversora de angiotensina 2, ou ACE 2, que está presente em vários tecidos do corpo, incluindo no trato respiratório e nos pulmões. (Entenda mais sobre o processo de infecção do novo coronavírus na reportagem de capa da SUPER deste mês – ela está aberta para não-assinantes.) 

Depois desse contato inicial entre o vírus e nossas células através da ACE2, outra parte do processo se inicia. É aí uma outra proteína humana entra na jogada: a TMPRSS2. O coronavírus usa essa proteína para “clivar” (termo técnico para dividir) suas proteínas spikes em duas sub-estruturas, chamadas de S1 e a S2 – são essas estruturas que garantem que o vírus vai entrar mesmo na célula e começar a se replicar.

O mesilato de camostato consegue bloquear a atividade da proteína TMPRSS2 no nosso corpo, dificultando que essa segunda parte do processo de infecção aconteça. E com isso, como mostrou o estudo publicado na revista Cell, ele impede que o vírus entre nas nossas células – pelo menos em células testadas em laboratório.

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Sair bloqueando a atividade de proteínas no nosso corpo pode não ser uma boa ideia, é verdade, mas não se sabe ainda exatamente qual a função da TMPRSS2 em condições normais. Estudos em camundongos mostraram que substâncias que a eliminem não parecem trazer alteração nenhuma para o metabolismo dos roedores.

Começar testes em humanos apenas um mês depois de testes em laboratório também parece apressado – em geral, há mais tempo para se garantir a segurança de sair ingerindo remédios novos em pessoas. Acontece que o mesilato de camostato não é exatamente novo: ele já é licenciado em países como Japão e Coreia do Sul para tratar pancreatite, uma inflamação no pâncreas. Por isso, todos os protocolos de segurança sobre seu uso já estão estabelecidos e sabe-se, por exemplo, qual dose é segura para uso.

No experimento dinamarquês, pacientes receberão a dose máxima permitida do medicamento por cinco dias, e haverá um grupo de controle que receberá apenas placebo. O principal objetivo do teste será saber se a dose máxima permitida é suficiente para bloquear a ação da proteína TMPRSS2 em nossos pulmões, o bastante para impedir a ação do coronavírus. Os resultados deverão sair em três meses, segundo informou Mads Kjølby, um dos cientistas envolvidos na pesquisa, à revista Science.

O medicamento é também um dos mais promissores na lista de remédios que agem diretamente em nosso corpo para combater a doença, e não no vírus em si. Essa estratégia pode ser efetiva também com outra substâncias: um estudo preliminar mostrou que o Sars-CoV-2 pode interagir com até 332 proteínas existentes em nosso o corpo. Na grande maioria delas, não sabemos para que o vírus usa as proteínas – sequer sabemos se ele realmente tem algum tipo de relação com elas ou se somente consegue estabelecer conexões, sem maiores consequências. Mas, assim como acontece com a TMPRSS2, bloquear alguma dessas proteínas em nosso corpo pode possivelmente dificultar que o vírus entre em nossas células. E o mesmo estudo encontrou 69 remédios já existentes que agem sobre alguma dessas proteínas, e por isso são considerados bons candidatos.

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Equipes de todo o mundo estão começando testes com essas substâncias para saber se alguma outra também se mostra eficaz. Mas há um perigo nessa abordagem: como já dissemos aqui, nem toda proteína pode ser simplesmente bloqueada em nosso corpo sem que haja consequências negativas. Por isso, novos remédios que sigam essa lógica tem que passar por muitos testes de segurança antes de virarem tratamento.

Mas também há uma vantagem: como esses remédios se voltam para nosso próprio corpo e não para o vírus, eles evitam a resistência a medicamentos – um problema crescente em terapias baseadas em antivirais.

Um outro medicamento que age em nosso corpo para evitar o vírus é bem conhecido dos brasileiros: a cloroquina (ou a hidroxicloroquina). O medicamento altera o pH dos endossomos – compartimentos na membrana da célula usados para colocar coisas de fora delas para dentro. Vale lembrar que, apesar de ter recebido bastante atenção, inclusive do presidente Jair Bolsonaro, o remédio ainda está em fase de testes – e pode ser tóxico se usado incorretamente, principalmente para pessoas com histórico de doenças cardíacas.

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