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E se o vírus for inocente?

Com humor e argúcia, o pesquisador americano explica por que enfrenta a maioria dos especialistas e defende a polêmica hipótese de que o vírus HIV não é o causador da Aids.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 30 abr 1992, 22h00

Flávio Dieguez

O horror inspirado pela Aids se deve ao fato de ela ser transmitida pelo sexo, uma necessidade básica e um prazer insubstituível. Se o vírus transmissor, o HIV, não existisse, a Aids continuaria temível, mas o risco de contraí-la não pareceria tão inescapável, assustador. Quem, no entanto, ousaria afirmar que o vírus é inofensivo, quando se faz enorme esforço para mostrar às pessoas a necessidade de se protegerem contra ele e evitar que prolifere? A resposta é simples: apenas um cientista convencido de que a Aids é mais complexa do que se pensa, e que a pesquisa sobre o HIV pode ser uma trilha falsa, que ilude em vez de conduzir aos fatos. Peter Duesberg, nome desse cientista, é, há 23 anos, professor de Biologia celular e molecular na Universidade da Califórnia, Estados Unidos. Dono de um bom-humor contagiante, também usado como arma contra os adversários, ele pendura posters sobre o HIV em seu desarrumado laboratório, no quinto andar do prédio Stanley Hall, no campas de Berkeley. Mas ridiculariza o vírus com pichações: “O primeiro a matar somente depois de se desenvolver imunidade antiviral!” Em seus artigos científicos, em lugar de cabeçalhos técnicos, ele põe tiradas de Sherlock Holmes, ou cria epítetos engraçados para ilustrar os argumentos. Com 54 anos, nascido na Alemanha e há quase três décadas nos Estados Unidos, Duesberg tem a reputação de um grande astro da pesquisa médica, especialmente no campo dos retrovírus, categoria a que pertence o HIV. Um de seus feitos, na década de 70 foi descobrir os genes acionados por retrovírus, e associados ao câncer, os omogenes. Apesar disso, sua opinião sobre a Aids valeu-lhe uma espécie de exílio acadêmico. Ele reclama, em particular, a suspensão do Fundo de Notável Investigador, do NIH, órgão coordenador dos institutos de saúde americanos. Pode-se imaginar o que representa perder 350 000 dólares ao ano. O NIH alega que Duesberg está produzindo pouco “por envolvimento em assuntos não científicos”. Ele não aceita. “Eu fui claramente punido. O NIH não podia simplesmente afirmar: aqui está um destacado pesquisador, ele diz que estamos desperdiçando 3 bilhões de dólares na investigação do HIV”. Na entrevista a seguir, ele explica por que deu à sua carreira um destino tão difícil.

SUPER — Por que o senhor decidiu contestar a teoria de que a Aids é cansada por vírus?

DUESBERG — Eu sou um cientista e meu dever é procurar a verdade. Você pode dizer aos jovens leitores da sua revista que o debate sobre o vírus HIV ilustra a maneira como a ciência trabalha. Os próprios resultados oficiais, divulgados pelo Centro de Controle de Doenças, me levam à conclusão de que a Aids nos Estados Unidos não é infecciosa, não é cansada por um vírus.

SUPER- Não seria conveniente esperar resultados mais claros antes de adotar uma posição definida — inclusive para preservar sua carreira, como salientou o jornalista americano Steve Heimoff?

DUESBERG — Repito o que disse a Heimoff: se houvesse um único argumento sólido de que estou na pista errada, eu recuaria. Mas não há. Assim que tomei conhecimento da hipótese do HIV, eu disse: esse não! Até agora, não tive motivo para mudar de idéia.

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SUPER — Desde quando começou a pensar que o vírus é irrelevante para a doença?

DUESBERG — Em 1987 escrevi um artigo em que fazia um balanço sobre diversos tipos de retrovírus. Concluí que o que se dizia sobre o HIV era absurdo. Ele era considerado causa da Aids porque em 90% dos pacientes se encontravam anticorpos antivírus. Mais ainda: a presença dos anticorpos passou a ser usada para se dizer que as pessoas corriam risco de contrair a doença. Mas isso é paradoxal, porque os anticorpos neutralizam o vírus. Se uma pessoa apresenta imunidade, isso significa que está vacinada, que está protegida de doenças virais. E não ao contrário, que essa pessoa corre risco de contrair a doença.

SUPER — O fato de o HIV ter sido descoberto em prazo relativamente curta foi considerado, na época, uma grande vitória científica…

DUESBERG — Descobrir novos vírus é o feito mais trivial da ciência! Veja aqueles catálogos (aponta para grossos volumes numa estante ao fundo da sala). São listas de novos vírus, descobertos aos montes, todos os anos.

SUPER. — O senhor diz, então, que o HIV pode estar presente no organismo de uma pessoa, mas isso não significa que ela corre risco de ter Aids?

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DUESBERG — Exatamente isso. A Aids não se encaixa em nada daquilo que sabemos sobre doenças infecciosas. Primeiro, porque os micróbios são terrivelmente democráticos: eles se espalham por toda a população. Mas a Aids nos Estados Unidos está confinada, em 91% dos casos, aos homens. Outra coisa: não existe micróbio que demore dez anos para causar uma doença, como se diz que o HIV faz. No prazo de algumas semanas, ou alguns meses, ocorre uma de duas possibilidades: ou você repele o micróbio, ou ele engole você.

SUPER — Mas o HIV não poderia ter característica excepcionais, ainda mal conhecida?

DUESBERG — Ao contrário. Trata-se de um retrovírus dos mais convencionais. Não encontro uma única característica que me faça pensar em algo que nunca tivesse visto antes. Suas propriedades bioquímicas ou genéticas são exatamente as mesmas de muitos outros retrovírus que estudei nos últimos 28 anos.

SUPER — Por que o HIV é encontrado nos pacientes de Aids?

DUESBERG — Porque estas pessoas, muito debilitadas, se tornam grandes reservatórios de micróbios raros, como é o caso do HIV.

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SUPER — O senhor tem uma traria mais plausível para explicar os paradoxas que aponta?

DUESBERG — Sim. Eu sugeri em um artigo recente que a Aids pode estar relacionada, por exemplo, com 0 consumo de drogas, ou com um estilo de vida desregrado. Nos Estados Unidos, nada menos que 30% dos pacientes são usuários de drogas injetáveis. Mas o problema não são apenas as injetáveis: 60% dos pacientes são homossexuais masculinos ou heterossexuais usuários freqüentes de drogas por via oral.

SUPER — Por que esse problema só se manifestou de dez anos para cá?

DUESBERG — A Aids americana é recente por causa de um dramático aumento no consumo de drogas psicoativas, como a cocaína, e também de remédios. Para você ter uma idéia, nos últimos cinco anos, os hospitais registraram um crescimento de 600% nas emergências associadas à cocaína. Na última década, o consumo de cocama cresceu 200 vezes, e o de anfetaminas, cerca de 100 vezes.

SUPER — A hipótese das drogas não esconderia um preconceito?

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DUESBERG — As pessoas não gostam de me ouvir dizer, em conferências, que a culpa pela Aids se encontra em seu próprio comportamento. A hipótese do vírus é confortável justamente porque a culpa não recai sobre ninguém. Pelme nada contra as drogas. Mas, se as pessoas abusam delas, estão se colocando em risco.

SUPER — De que maneira?

DUESBERG — O resultado pode depender de muitos fatores. A freqüência com que as drogas são usadas é importante, assim como o tipo das drogas, a maneira como são ingeridas ou injetadas, e a sensibilidade do organismo. Compreende-se, assim, por que a Aids demora tanto tempo para aparecer: é que as drogas agem lentamente

SUPER — O senhor disse há pouco ao telefone que o AZT, receitado contra a Aids, está matando o basquetebolista Magic Johnson. Pode explicar melhor?

DUESBERG — Não sou eu quem diz isso: o AZT destrói células que estão sintetizando ADN, material de que são feitos os genes. Ele é usado contra o câncer porque as células cancerosas sintetizam muito ADN, ao se multiplicarem. Mas o AZT é altamente tóxico. Ele só é indicado aos portadores do HIV, desde 1989, porque se considera que tais pacientes estão condenados, de qual quer modo. Mas, se o vírus não conduz à Aids, isso não se justifica.

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SUPER — Como age o AZT?

DUESBERG — Na dose maciça de 500 miligramas ao dia, como tem sido usado, ele provoca anemia, doenças degenerativas (associadas à destruição celular), e também reduz as defesas imunológicas, como a Aids. Ou seja, receitar AZT é como receitar Aids!

SUPER — Mesmo assim, como saber se é o AZT que está provocando os sintomas apresentados por Magic Johnson? Como saber se ele não está realmente com Aids?

DUESBERG — É uma boa pergunta mas eu respondo da seguinte maneira: eu não sei se Magic Johnson está ou não com Aids. O que eu sei é que ele começou a tomar AZT há pouco tempo e passou a apresentar os sinais típicos de intoxicação por essa droga, como enjôo e diarréia. Cerca de 125 000 pessoas, atualmente, estão sendo envenenadas com AZT dessa maneira.

SUPER — Voltando d questão dos grupos de risco. Como se explica que, na África, a Aids atinja igualmente chama-se mulheres?

DUESBERG — Mas isso é um argumento contra a hipótese do vírus! Na África, os portadores do HIV não estão contraindo Aids, ou seja, as 25 doenças que compõem a síndrome, conforme a definição oficial. Nos Estados Unidos, 10% dos portadores do HIV contraíram Aids, entre 1985 e 1990. Mas, em Uganda, por exemplo, apenas 0,8% dos portadores tornaram-se doentes, entre 1986 e 1989. Se a Aids se comportasse como uma doença infecciosa típica, as proporções deveriam ser similares.

SUPER — Mas como se deve interpretrar o perfil da Aids africana?

DUESBERG — Minha opinião é que ela representa, apenas, velhas doenças com um novo nome. Mais de 90% dos casos de Aids africana são doenças como febre, diarréia e tuberculose, cuja origem se associa a problemas crônicos como má nutrição ou falta de higiene Não admira que a Aids prolifere indiscriminadamente por toda a população.

SUPER — Já se duvida que o vírus, apenas, possa ser responsável pela Aids. O senhor se considera vitorioso?

DUESBERG — Sim. Mas não acredito que serei reconhecido. Isso porque toda a fama de Robert Gallo, co-descobridor do vírus. e também de toda a ortodoxia acadêmica dependem da existência do HIV como causador as Aids.

SUPER — O senhor e conhecido por se insurgir contra o establishment. Quem é o establishment?

DUESBERG — A maioria, pois a maioria apóia a hipótese do HIV.

SUPER — O senhor disse à imprensa que a responsabilidade social é importante, mesmo para um professor acadêmico. O que quer dizer com isso?

DUESBERG — Que tenho a obrigação de professar os resultados e a lógica da ciência em benefício dos cidadãos que, há 28 anos, têm pago minhas pesquisas sobre retrovírus.

Para saber mais:

Aids hoje

(SUPER número 7, ano 6)

Aids a 1% da cura

(SUPER número 10, ano 10)

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