Cristiana Felippe
Quando foi para a cama, na noite de 28 de julho, o corredor Sanderlei Parrela era um brasileiro feliz. Afinal, acabara de ganhar a medalha de ouro nos 400 metros rasos no meeting de Atenas, na Grécia, e era o líder do ranking mundial. Começava até a imaginar que poderia enfrentar o americano Michael Johnson, recordista da prova, nos Jogos Olímpicos de Sydney. O que Sanderlei não sabia era que aquela seria a sua última noite de sono tranqüilo durante muito, muito tempo. No dia seguinte, a notícia veio como uma cacetada. O resultado do exame antidoping que fizera após a vitória no Grande Prêmio Brasil de Atletismo, em maio deste ano, deu positivo. Sua urina revelava a presença da norandrosterona, um esteróide anabolizante proibido pela lei.
“Não dá para dormir quando sei que estou pagando por algo que não cometi”, afirmou o atleta à época da denúncia. Luís Alberto de Oliveira, seu técnico, tratou logo de achar um culpado. “O Sanderlei pode ter ingerido algum suplemento alimentar contendo elementos desconhecidos”, disse. O corredor está tentando até hoje provar inocência, mas o sonho olímpico se desfez. O saltador Javier Sotomayor, orgulho nacional em Cuba, teve mais sorte. Recordista mundial do salto em altura, ele teve de devolver a medalha de ouro que ganhou no último Pan-Americano porque em sua urina foi detectada cocaína. Suspenso por dois anos, Sotomaior recebeu no início de agosto a notícia de sua pena fora reduzida para um ano, prazo que venceu em 31 de julho. Graças a essa decisão, voltará a dar seus pulos em Sydney.
O doping parece estar umbilicalmente ligado ao esporte. A história é recheada de casos de atletas que recorreram à química para melhorar o rendimento. Em Saint Louis-1904, terceira olimpíada moderna, o corredor Tom Hicks só conseguiu vencer a maratona depois que seu treinador, já no final da prova, aplicou-lhe injeções de estricnina. Desde então, grandes atletas já tiveram a carreira arruinada quando se descobriu que competiam dopados. O caso mais notável é o do canadense Ben Johnson. Em Seul-88 o atleta bateu o recorde mundial dos 100 metros rasos com a incrível marca de 9s79. Era uma fraude. Johnson corria movido a anabolizantes. O canadense perdeu a medalha e caiu em desgraça. Recentemente, virou piada quando, em visita à Itália, teve a carteira roubada por uma cigana e, na corrida, não conseguiu alcançá-la.
O doping não é uma exclusividade masculina. Até hoje suspeita-se que os problemas cardíacos que provocaram a morte prematura da musculosa americana Florence Griffith Joyner, recordista mundial dos 100 m e dos 200 m rasos, estejam relacionados ao uso de anabolizantes. Ver a imagem de seus ídolos chamuscada abala países no mundo todo. Depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, descobriu-se que os festejados campeões da Alemanha Oriental eram movidos a química. Nos Estados Unidos, um estudo estimou em 100 000 o número de atletas universitários que estariam competindo dopados. Os anfitriões dos próximos Jogos não fogem à regra e estão em pânico com o assunto. Quem soltou a bruxa foi Werner Reiterer, ex-lançador de disco eleito em 1995 o melhor atleta australiano. Ele acaba de lançar uma bomba em forma de livro – Positivo, no qual confessa que ingeriu substâncias proibidas e, mais grave, que fez isso a mando dos cartolas de seu país.
Preocupado, o Comitê Olímpico Australiano obrigou seus atletas a assinar um “termo de garantia antidrogas”. Em caso de resultado positivo, o dopado é obrigado a devolver todo o dinheiro que recebeu do governo e dos patrocinadores. Mesmo com tanto cuidado, os aditivos químicos deverão correr soltos em Sydney-2000. “Sempre estão sendo descobertas novas substâncias para melhorar artificialmente o desempenho do atleta”, diz o especialista brasileiro Osmar de Oliveira.
Os aditivos proibidos
Conheça as drogas mais utilizadas nos casos de doping
Eritropoietina (EPO)
É extraída de um hormônio fabricado pelo rim humano. A substância aumenta a quantidade de glóbulos vermelhos e o volume de oxigênio, melhorando a resistência do atleta. Nas farmácias, pode ser encontrada em remédios contra a anemia. A EPO é muito difundida entre os ciclistas e foi encontrada com integrantes da equipe Festina, da Espanha, que acabou suspensa da Volta da França em 1998.
Estimulantes
Os principais são a anfetamina, a cocaína e a efedrina. Elas maximizam o rendimento físico e mental, aumentam a coragem e diminuem o cansaço. Na medicina, as substâncias são usadas em analgésicos, no tratamento de problemas respiratórios e como moderadores de apetite. Entre os atletas que utilizaram estimulantes estão o craque argentino Maradona e o saltador cubano Javier Sotomayor.
Esteróides anabolizantes
Os principais são o estanozolol, a norandrosterona e a nandrolona. A base é a testosterona, hormônio fabricado pelos testículos e responsável, entre outras coisas, pela produção de espermatozóides. Seu uso aumenta a massa muscular, proporcionando força e explosão. Na medicina, são usados em remédios para crescimento e no combate à desnutrição e ao câncer. O canadense Ben Johnson e o brasileiro Sanderlei Parrela são casos notórios.
Hormônio de Crescimento
Humano (HGH) Seus efeitos são semelhantes aos dos anabolizantes. O HGH provoca um aumento significativo da massa muscular, o que atrai os atletas que competem nas provas de força e velocidade. Os médicos geralmente utilizam o HGH para estimular o crescimento. A nadadora chinesa Yuan Yuan foi apanhada com vestígios da droga no organismo.
Surpresa!
Na tentativa de coibir o consumo de substâncias proibidas, o COI preparou uma novidade nada agradável para os atletas que vão a Sydney: os testes-surpresa. Qualquer um que estiver na Vila Olímpica pode ser recrutado para fazer xixi fora da competição, sem direito a aviso prévio ou telefonema para o advogado. O material segue direto para os laboratórios antidoping.
Somando os testes-supresa aos tradicionais “pós-prova”, calcula-se que sejam feitos aproximadamente 2 500 exames antidoping durante as Olimpíadas. “Nos esportes coletivos, são sorteados dois atletas por equipe para passar pelo teste”, explica o médico brasileiro Eduardo De Rose, membro da Comissão Médica do COI. “Já nas modalidades individuais, o primeiro, o segundo e o terceiro lugar são obrigados a fazer o exame, bem como outros dois atletas sorteados da quarta à oitava colocação.”
Esta é a primeira vez em que serão realizados exames de sangue nos atletas olímpicos. A novidade está causando polêmica, pois apenas as federações internacionais do ciclismo e do pentatlo moderno aprovaram o teste, único método capaz de detectar a eritropoietina (veja quadro acima), a mais nova coqueluche entre os esportistas.