E Se… Não houvesse impedimento no futebol?
Para o jornalista Armando Nogueira, isso mataria o esporte
A mudança de uma única regra de um único esporte parece algo pequeno demais para merecer uma elucubração. Mas, em última instância, pode-se imaginar que, sem o impedimento no futebol, o Brasil não seria o mesmo. Não seríamos os reis do esporte mais popular do mundo, não ganharíamos cinco Copas e, principalmente, muito poder e dinheiro que hoje engordam as contas bancárias de dirigentes e jogadores estariam em outros bolsos.
Para quem não sabe, a atual lei do impedimento diz que, quando um jogador recebe a bola no campo de ataque, é preciso haver pelo menos dois adversários entre ele e a linha de fundo. Como o jogador mais recuado em geral é o goleiro, isso significa o goleiro e mais um.
É assim desde 1925. Até então, era preciso haver três jogadores. Mudou-se a regra porque os técnicos deixavam um zagueiro adiantado e outro na sobra. Se o atacante evitasse o impedimento, o segundo zagueiro matava o lance. As partidas concentravam-se no meio-campo e os jogos acabavam sem chutes a gol, a não ser em cobranças de falta. A alteração teve dois efeitos. Primeiro, o placar das partidas engordou. No primeiro jogo sob a regra nova, na Inglaterra, o Aston Villa marcou dez gols no Burnley. O outro efeito foi desafogar o meio-campo: provocar o impedimento com um só jogador ficou arriscado e a zaga foi recuada.
O miolo do gramado virou lugar de craques. É ali que, trocando passes ou driblando, os bons jogadores avançam com a bola sob controle até o bote final: um chute à distância ou a penetração de um atacante por trás da defesa até o gol.
Era do que brasileiros e latino-americanos precisavam. Diferentemente dos europeus, cujo estilo ainda hoje é marcado por jogadas longas e cruzamentos para a área, os brasileiros sempre preferiram carregar a bola e a possibilidade de jogar dessa maneira marcou nossa supremacia. Coincidência ou não, o futebol brasileiro como o conhecemos só apareceu depois de 1925. Até então, a Seleção brasileira só havia ganho um campeonato sul-americano, em 1919. O primeiro reconhecimento mundial veio com o terceiro lugar, em 1938, na Copa da França.
Se o impedimento acabasse de vez, a área ficaria liberada para os atacantes e alguns zagueiros seriam fixados ali. Com essa multidão junto às traves, aumentaria o número de faltas perigosas, pênaltis e gols, principalmente os de cabeça, uma especialidade européia. A estatura seria decisiva e atacantes como Tore Andre Flo, o norueguês de 1,93 m, seriam comuns. Atacantes brasileiros como os baixinhos Romário e Leônidas sucumbiriam.
“O futebol perderia a graça”, diz o ex-jogador Tostão. No meio-campo, em vez de dribles geniais, veríamos poucos atletas disputando bolas perdidas. O futebol ficaria parecido com o basquete: jogadas concentradas sob as cestas e lances decididos em detalhes. Num ginásio, o público tem boa visão. Mas, da arquibancada, os lances decisivos seriam invisíveis.
Para o jornalista Armando Nogueira, isso mataria o futebol. “O impedimento é a regra em que os juízes mais erram. Sem ele, sobre o que a gente ia discutir no botequim depois do jogo?”