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Doenças autoimunes: quais são as mais comuns?

Quando nosso sistema imunológico enlouquece, entram em cena as doenças autoimunes – transformando suas vítimas em pessoas "alérgicas" a si mesmas

Por Mauricio Manuel
Atualizado em 29 ago 2018, 19h42 - Publicado em 12 mar 2011, 22h00

Lúpus

Incidência: entre 30 e 100 ocorrências para cada grupo de 100 mil indivíduos
Total de casos: 5 milhões no mundo todo
Mortalidade: 5% nos primeiros 5 anos da doença, por causa de complicações decorrentes de processos infecciosos
Tratamento: medicamentos imunossupressores entre os surtos. Exames de sangue em intervalos de 3 a 10 semanas tentam antecipar problemas graves.

Ela se disfarça de outras doenças: quem é fã da série House já viu a equipe do médico, em mais de um episódio, apostar no diagnóstico de lúpus por não fazer a menor ideia de qual seria a explicação para o caso de um paciente. Na vida real, isso também acontece. E o motivo é simples: quase tudo pode ser atribuído a essa doença autoimune, uma das mais misteriosas de que se tem notícia.

O lúpus eritematoso sistêmico, como é chamado pelos cientistas, tem potencial para afetar qualquer parte do corpo. É por isso que os médicos acabam confundindo seus sintomas com os de outras doenças. Trata-se de uma enfermidade inflamatória: o sistema imunológico do doente fica doido e produz anticorpos que atacam sem piedade células e tecidos de seus próprios órgãos, provocando a inflamação. Em situações mais graves e raras (menos de 1% dos casos), o mal pode levar a alucinações e comportamentos psicóticos. A evolução da doença é imprevisível, com períodos de sofrimento e melhoria se alternando constantemente. Não há cura. Resta ao doente, portanto, remediar os sintomas e encontrar a melhor forma possível de conviver com eles.

Embora seja conhecido desde a Idade Média, o lúpus permanece cercado de enigmas. Sabe-se, por exemplo, que 90% das vítimas são mulheres, e que 80% delas desenvolvem a doença na fase mais produtiva da vida, entre os 15 e os 45 anos. Por quê? A ciência ainda não encontrou a resposta. Outro mistério: nos EUA, onde as pesquisas sobre essa doença são as mais avançadas, a incidência é muito maior em populações com características étnicas específicas, como negros e descendentes de asiáticos. Em outras partes do mundo, porém, não há dados que indiquem maior vulnerabilidade deste ou daquele grupo. “Em quase 20 anos de acompanhamento de casos, não conseguimos comprovar, aqui, as mesmas estatísticas verificadas pelos americanos”, afirma Ricardo Machado Xavier, coordenador do Grupo de Estudos sobre Lúpus da UFRGS.

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Os cientistas acreditam que a doença tenha um componente genético em sua origem, já que é comum o registro de múltiplos casos dentro de uma mesma família. O problema é que não se sabe ao certo quais genes seriam responsáveis. Tudo leva a crer que o fator genético determina maior ou menor risco de uma pessoa desenvolver lúpus, mas que a doença só se manifestaria pela influência de “gatilhos” como a ingestão de certos medicamentos (antidepressivos, antibióticos e diuréticos), estresse e exposição ao sol.

Esclerose múltipla

Incidência: 5 a 130 ocorrências para cada grupo de 100 mil indivíduos
Total de casos: 2,5 milhões no mundo todo
Impacto: após 20 anos, 30% das vítimas estão em cadeira de rodas
Tratamento: fisioterapia e medicamentos imunossupressores

Nervosa, cruel e enigmática: o cérebro ordena que o corpo relaxe, mas ele não obedece, submetendo seu dono a tremores involuntários. Ou, quando obedece, o faz de maneira totalmente desordenada. É mais ou menos assim que a esclerose múltipla começa a se manifestar. Na origem da doença também está uma reação autoimune: produção de anticorpos que atacam as chamadas bainhas de mielina, responsáveis por levar os impulsos nervosos de um neurônio para outro. Por que o sistema imunológico faz isso? Ninguém sabe responder.

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A esclerose múltipla costuma aparecer entre os 20 e os 40 anos de idade. Com a evolução da doença, o sistema nervoso central vai acumulando “cicatrizes”, que acabam afetando a audição, a visão, a memória e a coordenação motora.

Sabe-se que histórico na família eleva em 10 vezes o risco de desenvolver a patologia. Isso sugere que o mal, pelo menos em parte, pode ter uma explicação genética. Cerca de 70% das vítimas são mulheres – fato que os cientistas ainda não compreenderam também. No início, os sintomas vão e voltam. Mas, 10 anos depois, eles passam a ser progressivos. Aproximadamente um terço dos pacientes acaba precisando de cadeira de rodas 20 anos após o diagnóstico inicial. A doença, além de extremamente cruel, não tem cura, nem se conhece qualquer tipo de prevenção.

Para descrever suas causas, a medicina ainda recorre a teorias. Um estudo levado a cabo nos EUA sugere uma ligação da doença com a carência de vitamina D. A pesquisa constatou que mulheres que tomaram esse suplemento vitamínico ininterruptamente, ao longo de 10 anos, apresentaram risco 40% menor de desenvolver esclerose. E um fato curioso parece corroborar essa tese: a ocorrência do mal é maior em regiões mais afastadas da linha do Equador – onde a incidência de luz solar é menor, o que dificulta a síntese de vitamina D pelo organismo. Enquanto em boa parte dos países da África Central há 5 casos de esclerose múltipla para cada grupo de 100 mil habitantes, no Canadá esse índice é 26 vezes maior.

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Outros trabalhos, no entanto, relacionam a doença a infecções que podem confundir o sistema imunológico, fazendo-o pensar que as bainhas de mielina são invasoras e desencadeando o ataque. “Existem vários estudos que explicam diferentes lados do problema”, afirma Maria Cristina Giacomo, coordenadora da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla. “Mas nenhum deles explica tudo.

Diabetes tipo 1

Incidência: entre 5 e 50 ocorrências para cada grupo de 100 mil indivíduos
Total de casos: 480 mil conhecidos
Impacto: após 15 anos do diagóstico, 50% das vítimas apresentam alguma deficiência visual
Tratamento: injeções diárias de insulina e dieta

Um ataque fulminante contra o pâncreas: diabetes é uma doença comum. Segundo cálculos da Organização Mundial da Saúde (OMS), ela atinge mais de 250 milhões de pessoas ao redor do mundo. Mas apenas uma pequena parte desse contingente – algo entre 5 e 10% – sofre de uma forma específica desse mal: a diabetes tipo 1.

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A enfermidade funciona de um jeito, no mínimo, curioso. Os anticorpos do doente não reconhecem o pâncreas como parte do corpo. Seu sistema imunológico acaba produzindo anticorpos que atacam o órgão a ponto de ele perder sua função principal: a de produzir insulina. Esse hormônio é o responsável pela transformação de açúcares e amidos na energia da qual dependemos para viver. O jeito, portanto, é recorrer a injeções diárias da substância, sem as quais o paciente certamente morreria em poucos dias.

A situação fica ainda mais dramática quando se leva em consideração que a maioria das vítimas é composta de crianças e adolescentes. E que a ciência não sabe explicar por que o sistema passa a acreditar, de uma hora para outra, que seu pâncreas é um inimigo.

Sjögren

Incidência: 2 ocorrências para cada grupo de 1 000 pessoas
Total de casos: desconhecido (cerca de 4 milhões só nos EUA)
Impacto: desconforto contínuo nos olhos e incapacidade de chorar
Tratamento: uso de colírios e suplementos vitamínicos

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O mal que impede sua vítima até de chorar: engana-se quem pensa que lacrimejar é coisa de gente sensível. Todo dia, produzimos naturalmente cerca de 15 mil lágrimas, uma a cada piscada de olhos. Mas há exceções – entre elas, as vítimas de um mal conhecido como síndrome de Sjögren. Ela provoca inflamações das glândulas exócrinas (órgãos geralmente minúsculos espalhados por várias partes do corpo e que produzem diferentes secreções). Ou seja: a redução da capacidade de lacrimejar é apenas um de seus sintomas, o mais perceptível. A síndrome também leva sua vítima a produzir menos saliva, além de comprometer a produção de suco gástrico – que ajuda na digestão dos alimentos – no estômago.

Como acontece em todas as outras doenças autoimunes, são os anticorpos do próprio doente que atacam as glândulas. Mas as razões que levam a esse ataque ainda são desconhecidas. E esse não é o único enigma envolvendo a síndrome. Estima-se que 9 entre 10 pacientes diagnosticados sejam mulheres – e, estranhamente, jamais foi constatada qualquer relação entre a desordem e questões hormonais. Aproximadamente metade dos casos é considerada secundária – associada a outras doenças autoimunes, em que o sistema de defesa já surtou em outros departamentos, como artrite reumatoide e lúpus.

A maior parte dos pacientes procura o oftalmologista por volta dos 40 anos, com sensação de areia nos olhos resultante da má lubrificação. Como se trata de um sintoma comum a muitas patologias oculares, a última coisa que passa pela cabeça do médico é a possibilidade de autoimunidade. Uma pesquisa feita pela Fundação da Síndrome de Sjögren, nos EUA, comprova a dificuldade na hora do diagnóstico. Segundo o estudo, passam-se em média 6 anos entre a manifestação dos primeiros sintomas e a identificação da doença. “Enquanto isso, o sofrimento é grande”, afirma Milton Alvez, chefe do Serviço de Córnea e Doenças Externas do Hospital das Clínicas de São Paulo. “O ardor nos olhos pode incomodar o paciente mais de 200 dias por ano, a ponto de comprometer seu desempenho no trabalho e a vida pessoal.”

Vitiligo

Incidência: 1% da população mundial
Total de casos: 76 milhões no mundo todo
Impacto: a doença pode levar a hiper ou hipotireoidismo, anemia e inflamação dos olhos
Tratamento: corticoides, fototerapia e laser

Manchas na pele que ninguém sabe explicar: uma das doenças autoimunes mais comuns no mundo todo é também uma das mais incompreendidas pela medicina. Estima-se que 1% da população mundial – ou 76 milhões de pessoas – sofra de vitiligo, que se caracteriza pela perda localizada de pigmentação da pele. Os cientistas sabem o que provoca esse fenômeno: o sistema imunológico produz anticorpos que atacam e matam os melanócitos (células que fabricam melanina, a substância responsável pela cor da pele). O que ninguém descobriu ainda, só para variar, é o que desencadeia esse ataque.

Uma combinação de fatores genéticos e ambientais parece estar por trás da maior parte dos casos de vitiligo. Ou seja: aparentemente, a maioria dos pacientes apresenta predisposição para o desenvolvimento da doença quando exposta a algum tipo de “gatilho” – queimaduras de sol muito intensas, estresse violento ou traumas emocionais provocados por um acidente grave ou pela morte de um familiar, por exemplo. Como nenhuma teoria foi comprovada cientificamente, há quem aposte em outras explicações. Segundo Celso Lopes, médico do Ambulatório de Vitiligo da Escola Paulista de Medicina, o mal pode estar associado a uma incapacidade do organismo de eliminar radicais livres potencialmente nocivos aos melanócitos.

Nos casos mais severos de vitiligo, o paciente pode apresentar despigmentação de até 85% da superfície cutânea. É impossível prever, no início da doença, qual será a área total afetada por ela. Aproximadamente metade das vítimas começa a apresentar os primeiros sinais da desordem depois dos 20 anos de idade, e cerca de um terço relata não ser o primeiro caso da doença na família.

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