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Pesquisa sobre sexualidade à distância: Intimidades pelo telefone

Franceses e ingleses dão respostas animadoras nas duas maiores pesquisas já feitas sobre hábitos sexuais ligados à Aids.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h31 - Publicado em 28 fev 1993, 22h00

Como coletar dados sobre a população de um país com as dimensões da França, em curto espaço de tempo? Nada mais simples: use o telefone. Na prática, foram usados 40 000 telefones, escolhidos ao acaso entre quase todas as residências do país (94% delas têm telefone). No final das contas, mais de 20 000 pessoas haviam si-do entrevistadas e os pesquisadores franceses tinham em mãos algo imprescindível para lidar com esse pesadelo moderno que é a rápida disseminação da Aids: informações precisas sobre os hábitos sexuais da população.

A partir delas, pode-se tentar prever a marcha da doença e procurar meios eficazes de detê-la. Investigações parecidas já haviam sido feitas nos Estados Unidos, Dinamarca e Noruega, mas a pesquisa francesa e uma outra realizada ao mesmo tempo na Inglaterra são as mais recentes e abrangentes até agora. E bastante animadoras, até certo ponto: elas indicam que o uso de preservativos está se tornando mais comum entre os jovens franceses e ingleses. Até onde se sabe, esta é a única profilaxia segura contra a Aids, mas é ignorada por muita gente. Na França, um número não desprezível de entrevistados se disseram novos usuários daquela precaução desde o ano anterior à pesquisa: foi o que responderam 9,8% das mulheres com idade entre 18 e 24 anos e 4,8% dos homens.

É verdade, persiste certo desprezo por parte de muitas pessoas, especialmente daquelas que se colocam em alto risco. Assim, metade das mulheres heterossexuais que tiveram mais de um parceiro, no ano anterior à pesquisa, respondeu não ter usado preservativo uma única vez no período de um ano. Um terço dos homens heterossexuais e um quarto dos homossexuais ou bissexuais deram a mesma resposta. Mesmo assim, vê-se que resta uma parcela polpuda de precavidos — 75% dos homossexuais-bissexuais masculinos, por exemplo. Isso faz desses grupos, com membros entre 18 e 44 anos, os que mais se previnem por meio de preservativos, em toda a população.

Essa revelação sobre os grupos de risco, como também sobre os jovens, é a mais importante da pesquisa, na opinião dos seus autores. Eles contam na revista inglesa Nature, de dezembro do ano passado, as muitas peripécias de seu trabalho, que foi financiado pelo governo francês e congregou gente de diversas universidades e institutos, sob a direção do epidemiologista Alfred Spira, do Hospital de Bicêtre, em Kremlin-Bicêtre, periferia de Paris. Para começar, foram necessários nada menos de dois anos de entrevistas preliminares, a partir de julho de 1989, com a finalidade de testar a eficácia das perguntas planejadas, e também verificar se o questionário deveria ser feito pessoalmente ou por telefone.

Em setembro de 1991, 110 entrevistadores passaram a ligar para 30 000 telefones, escolhidos entre os 40 000 inicialmente sorteados. Algumas pessoas não foram encontradas e outras se recusaram a participar da pesquisa. Em parte, como já se esperava, por se sentirem constrangidas pelo tema. Foi também por constrangimento talvez que, mais tarde, o mais alto índice de perguntas sem resposta ficou com os itens relacionados ao sexo anal — ignorados por 4,2% dos entrevistados. O que vale é que esse número é pequeno. E foram poucas as pessoas que não participaram por causa do tema — apenas 400, diante de um total de 7 000 recusas, ou 23,5% dos consultados. Esse nível de recusa, seja por que for, também foi considerado aceitável.

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No final das contas, restaram 10 127 mulheres e 9 928 homens, cujas respostas foram utilizadas numa análise preliminar, publicada pela revista inglesa. Na mesma edição saíram os resultados da pesquisa inglesa, realizada ao mesmo tempo. Para a revista, trata-se nada menos que a derrubada de um tabu. Ela esclarece em editorial que havia excesso de escrúpulo contra as pesquisas sobre sexo, especialmente se feitas por telefone. O próprio governo inglês alegou tais motivos para negar verbas governamentais à investigação, que teve de ser paga com dinheiro privado.

“Um dos argumentos usados pelo governo foi que as pessoas mentiriam sobre os mais íntimos detalhes de sua vida pessoal”, diz Nature. Mentiras realmente acontecem. Mas isso não é um impedimento absoluto: há meios de corrigir as eventuais distorções. Um exemplo é o grande número de parceiras sexuais que ingleses e franceses dizem ter; as mulheres citam números bem mais modestos, em comparação. Justamente por serem tão comuns e aparecerem em muitas pesquisas diferentes, é possível dar um desconto aos números masculinos — o mais provável é que sejam mera tendência a aumentar as conquistas amorosas. Bravata.

Com mentiras ou sem mentiras, as pesquisas mostraram que é possível ter uma idéia daquilo que se passa entre quatro paredes e, normalmente, permanece distante de olhos alheios. Um estudo mais detido dos dados deve tornar a imagem mais nítida. Por enquanto, os indícios ainda parecem banais. Parece óbvio, por exemplo, o que se constatou na Inglaterra: que os solteiros têm maior número de parceiros. Pessoas casadas têm menos oportunidade de ampliar suas relações. Basta a intuição para suspeitar disso. Mas já é um bom sinal que os dados confirmem o que parece mais provável. Por outro lado, os pesquisadores ingleses também perceberam ligações nada evidentes entre certos tipos de resposta.

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Uma delas é que as pessoas de muitos parceiros também tiveram sua primeira relação sexual bem jovens, com menos de 16 anos, e muitas delas pertencem às mais altas classes sociais. Por último, e mais importante, as pesquisas fornecem números a partir dos quais é mais seguro fazer comparações e, eventualmente, chegar a uma conclusão. É verdade que ainda está longe o dia em que as pesquisas se tornarão instrumentos práticos. Há grande pretensão sobre o que fazer com as informações reunidas: a idéia é colocá-las em uma fórmula matemática capaz de prever o avanço futuro da doença. Por enquanto, apesar do vasto número de dados coletados, as incertezas são desanimadoras, ponderam os especialistas.

Já não é fácil partir das respostas dos entrevistados e descortinar um panorama esclarecedor sobre eventuais mudanças em seus hábitos. O uso de preservativos, por exemplo, parece estar crescendo, mas até que ponto se trata de uma tendência persistente? É ainda mais difícil saber como uma possível mudança de comportamento irá afetar a progressão da Aids — que, em si mesma, é pouco conhecida. Essa situação cria grande expectativa em torno das investigações francesa e inglesa. Seus resultados podem servir de estímulo para outras iniciativas de grande envergadura, festeja Nature. Não fosse apenas por isso, diz a revista em seu editorial, há outros motivos para otimismo: as pessoas esta-riam pressentindo a importância das informações que prestam. O próprio exagero masculino sobre o número de parceiras, por exemplo, parece estar declinando. É possível comprovar tal recuo em relação a pesquisas anteriores, diz a revista. “Sem dúvida, porque os entrevistados tomaram consciência de que o sexo é uma coisa natural.” Se for assim, pode-se esperar que os entrevistados dêem respostas cada vez mais precisas, nos anos seguintes. Será então mais fácil lidar — não apenas com a Aids — mas com muitas outras mazelas que afligem a humanidade.

Para saber mais:

Aids, a 1% da cura

(SUPER número 10, ano 10)

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