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Sangue: Precioso Líquido

Cinco litros de sangue percorrem 96.500 quilômetros de vasos para distribuir pelo organismo oxigênio, nutrientes e armas de defesa. A ciência aprende a mergulhar fundo nesse fluido vital.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h39 - Publicado em 31 out 1989, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Como as pedrinhas de um caleidoscópio, enquanto dançam, se transformam, no interior dos ossos, minúsculas células vão mudando de cor e de forma. Algumas se tornam gorduchas, avermelhadas e bicôncavas. Outras, de um branco quase transparente, assumem diversos formatos. No final da metamorfose, todas escoam formando finíssimos riachos do fluido mais nobre do corpo – o sangue. Nele, o exército de defesa do organismo mergulha, o oxigênio nada e os nutrientes flutuam. Sem a sua irrigação o homem não sobreviveria e, talvez por ter sido essa intuição, cultiva desde os tempos primitivos a idéia de que a própria alma pulsa ao embalo do coração ao longo de seus quase 96.500 quilômetros de veias e artérias.

Em um piscar de olhos, rigorosamente cronometrado, perdem-se 8 milhões de células sangüíneas, mas no mesmíssimo instante a medula óssea produz outras tantas. Estas, enfileiradas, após duas horas e meia de frenético ritmo industrial, poderiam formar uma ponte entre o Rio de Janeiro e Londres. Somente no ano passado cientistas americanos conseguiram isolar as células matrizes na medula óssea de cobaias – e não se poderia criticá-los se estivessem comemorando até hoje.

Pois essas verdadeiras sementes orgânicas, que dão origem às diversas células que compõem o sangue, vinham se escondendo da ciência há mais de três décadas. Existe apenas uma fugidia célula matriz sangüínea em cada 10 mil células da medula; assim, beneficiada por essa camuflagem, ela sempre escapava ao olhar dos microscópios. A descoberta da célula-mãe é um dos recentes avanços da Hematologia, a área da Medicina que estuda o sangue – uma substância que surgiu na escala evolutiva com os anfíbios, há 340 milhões de anos. Observando as transformações dessa célula, os pesquisadores querem agora descobrir os 5 litros de sangue que circulam no corpo de um adulto, representando até 7 por cento de seu peso. A rigor, os cientistas consideram o sangue um tecido, cujas partículas sólidas, as células, estão submersas em um meio líquido de cor amarelada, o plasma, formado basicamente por água. “O plasma é importantíssimo”, explica o hematologista Dalton Chamone, professor da Universidade de São Paulo, “pois nele se dissolvem os nutrientes e a proteínas fundamentais, como os chamados fatores de coagulação, que evitam a perda do sangue, quando, por exemplo, nos cortamos”.

Em uma única gota do líquido, porém, moram aproximadamente 9 mil glóbulos brancos, os linfócitos, como são chamadas as células do sangue que formam o sistema imunológico, encarregado de defender o organismo contra toda sorte de invasores, desde um grão de poeira até um vírus. Na mesma gota de sangue existem ainda de 250 mil a 500 mil plaquetas, partículas que flutuam livremente até ocorrer a menor lesão em um vaso. Então, elas se agregam, construindo uma barreira à passagem da corrente sangüínea, para evitar a hemorragia. Mas sem dúvida são os mais famosos componentes do sangue. Até porque é sua proteína, a hemoglobina, que lhe confere o tom vermelho vivo.

“Sem dúvida, as hemácias andam em moda hoje em dia”, ironiza o hematologista Celso Guerra, professor da Escola Paulista de Medicina, referindo-se aos atletas que se preocupam com a quantidade de glóbulos que corre em suas veias. A razão é simples: são as hemácias que transportam o oxigênio da respiração pelo corpo. Nas células, onde o sangue desemboca através de microscópicos vasos capilares, o oxigênio é queimado, a hemácia se liga ao gás carbônico, que será despejado nos pulmões .

Como os músculos consomem muito oxigênio para realizar o seu trabalho, o raciocínio de alguns esportistas é de que quanto mais hemácias houver no sangue mais combustível haverá para queimar nas competições. Existem várias fórmulas para aumentar a quantidade de glóbulos vermelhos. A mais simples é treinar em lugares altos, onde o ar é mais rarefeito. Quando cai a pressão atmosférica, o ar chega com menos força aos pulmões. Com isso, estes captam menos oxigênio. Numa tentativa de compensar a perda, um hormônio produzido nos rins ordena à medula que intensifique a linha de montagem das hemácias. Na opinião de Guerra, que há mais de três anos vem analisando o sangue de atletas brasileiros, todo o esforço para ganhar umas hemacias a mais pode ser em vão. “De que adianta ter glóbulos vermelhos se dentro destes não há ferro suficiente para carregar o oxigênio?”, pergunta. De fato, é por falta deste mineral no cardápio do dia-a-dia que um em cada cinco brasileiros homens é anêmico.

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No caso das mulheres, que têm uma perda extra de ferro pela menstruação, a relação dobra: duas em cada cinco. O retrato de um país de gente pálida é o reflexo de um poder de compra ainda mais anêmico: o salário magro não compra carne e é do ferro existente em suas entranhas que o sangue precisa.

Outros alimentos, como o espinafre e o feijão, possuem o ferro ligado a moléculas de substâncias que o organismo não absorve com facilidade. Estima-se que durante a vida uma pessoa produza cerca de meia tonelada de glóbulos vermelhos, que se mantêm na circulação por quatro meses, até se romperem no baço e no fígado; as vísceras quebram seus componentes para serem remontados na medula óssea. Uma simples alfinetada na ponta do dedo faz derramar em torno de 5 milhões de glóbulos vermelhos. No entanto, pode-se sobreviver se cada gota de sangue dispuser de metade disso.

Mesmo assim, à menor espetadela, o organismo cauteloso dispara o alarme para uma valorosa guarda de segurança, que impede a fuga do sangue: trata-se do complexo processo de coagulação .

Mal um vaso se machuca, cuida de mandar dois sinais: uma mensagem elétrica segue pelos nervos até o cérebro – e este ordena a contração dos músculos na área ferida, diminuindo a passagem do sangue por ali; a outra mensagem é química e se dirige às plaquetas existentes na circulação. Estas, na verdade, são fragmentos de células gigantes situadas nas paredes da medula óssea. Ao perceberem as substâncias secretadas pelo tecido lesado, as plaquetas se agregam. Ativam assim uma enzima do plasma que, por sua vez, reage com uma proteína, o fibrinogênio, também do plasma.

O fibrinogênio se transforma então em fibrina, o fio insolúvel que tece uma rede para amarrar os glóbulos vermelhos: é o coágulo. Na realidade, o processo se desdobra em várias fases, das quais participam no mínimo doze fatores de coagulação, proteínas que seguem à risca a ordem de entrada em cena na operação destinada a estancar a hemorragia. A falta de um único desses fatores corta a corrente de eventos da coagulação. É o que acontece na hemofilia, doença hereditária transmitida sempre pela mãe, cujas vítimas, sempre do sexo masculino, não possuem o chamado fator número VIII.

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A complexidade do processo é uma estratégia de segurança: dessa maneira, o organismo não produz coágulos sem a garantia de reações químicas que atestam a existência de uma lesão. Basta, porém, um pequeno coágulo de 2 milímetros de diâmetro para obstruir fatalmente uma artéria do coração, como ocorre no infarto. Os riscos, sem dúvida, são maiores em pessoas hipertensas. Nelas, o sangue pressiona com força as paredes dos vasos, provocando uma espécie de erosão. Formam-se em conseqüência verdadeiras brechas onde plaquetas e glóbulos vermelhos se instalam, erguendo um montículo; este vai barrando a gordura polissaturada, o colesterol de alta densidade (HDL) que circulava.

Como se estranhassem a infiltração da gordura, confundindo-a com uma nova lesão, as plaquetas voltam a se juntar sobre o lugar, aumentando o monte que se eleva no caminho do sangue. Chega enfim o momento em que o líquido não encontra passagem. A pressão sangüínea é mantida sob o controle de diversos hormônios produzidos nos rins. Além de estresse e cigarro, que prejudicam a síntese constante dessas substâncias, com o passar dos anos a safra delas diminui. “É por isso”. explica o professor Chamone, da USP, “que pessoas mais velhas tendem a ter pressão alta”.

Em matéria de sangue, contudo, os cuidados com a pressão e com o colesterol já não são os únicos hoje em dia. Pelo risco de contaminação, as pessoas têm medo de receber sangue, algo necessário nas cirurgias, sempre quando há perda acima de 0,5 litro do precioso líquido – o que se dá em mais da metade das intervenções. Quando a perda é menor, os médicos podem, por exemplo, repor apenas soro fisiológico: o coração não perdoa uma queda brusca no volume do fluido que bombeia, ameaçando falhar. O fato é que nos últimos anos muito mais gente do que em qualquer outra época soube que, da mesma forma como distribui a vida pelo corpo, o sangue pode espalhar a morte quando contaminado por vírus de doenças como a AIDS.

“Em cirurgias pré-marcadas, os pacientes preferem a autotransfusão”, conta Fábio Jatene, cirurgião do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo. Há onze anos ele começou a estudar técnicas para reaproveitar o sangue de pacientes. O então médico recém-formado se interessou pelo campo mais por ser pouco vasculhado do que pelos benefícios que só ficariam evidentes com o surgimento da AIDS. Hoje ele entra duas ou três vezes por dia em centros cirúrgicos para aplicar autotransfusões. Todo sangue que jorra na operação é sugado por um equipamento e reinjetado no paciente. A técnica também é usada para aproveitar o sangue que drena no pós-operatório.

“Entre 50 e 70 por cento dos pacientes que demandam transfusão acabam recebendo sangue alheio”, calcula Fábio, “embora, devido à autotransfusão, o volume de sangue estranho que se injeta seja muito menor”. A autotransfusão não chega a ser novidade. Cientistas ingleses já aplicavam o método no século passado, mas o costume saiu de moda por causa das dificuldades técnicas e da noção de altruísmo que vicejou no século XX. “O certo era doar sangue a um ilustre desconhecido e este, de seu lado, deveria aceitar o sangue de um benemérito anônimo”, resume o hemoterapeuta Nelson Hamerschlak, que participa da chefia de um dos mais modernos bancos de sangue do país, instalado no quarto andar do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

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Rodeados pelos equipamentos do banco, Hamerschlak detém-se e declara: “A beleza da minha profissão é usar todas as engenhocas para atacar o perigo de contaminação por todos os lados”. Um médico pode tomar todas as precauções que a ciência proporciona ao realizar uma transfusão e, apesar de toda essa cautela, o paciente ser vítima de um efeito colateral – como se diz no jargão -, o sangue contaminado. Os chamados testes de compatibilidade determinam com segurança os fatores sangüíneos – proteínas existentes nos glóbulos vermelhos contra as quais o receptor do sangue pode produzir anticorpos.

Por exemplo, pode-se ter sangue com proteínas A, B, AB ou O. O sangue tipo O é conhecido como doador universal para transfusão de glóbulos vermelhos porque não contém fatores que reagem com anticorpos, podendo ser injetado em qualquer pessoa; quem possui sangue O, porém, só pode receber sangue do mesmo tipo. O sangue AB é o receptor universal porque, ao contrário do O, só deve ser doado a pessoas do mesmo tipo sangüíneo. Mas, como possui tanto proteína A como B, não reage ao receber qualquer sangue. Outro fator de compatibilidade sangüínea é o Rhesus, assim chamado por ter sido descoberto em macacos dessa espécies. Quem possui determinadas proteínas nos glóbulos vermelhos é Rh positivo e pode receber o sangue que não possui a mesma proteína; este sangue, porém, o Rh negativo, só pode ser misturado a sangue igualmente sem a proteína. Os fatores ABO e Rh são os mais importantes, embora existam cerca de trezentos fatores sangüíneos conhecidos.

No entanto, no que diz respeito a doenças, além da margem de erro na exatidão dos testes, há o que os médicos conhecem por “janela”, ou seja, o período em que o sangue da pessoa já contaminada ainda não produziu anticorpos suficientes para serem detectados.

A janela, em casos de portadores do vírus da AIDS, dura em média oito semanas. Nos Estados Unidos, com vinte vezes mais casos de AIDS que o Brasil, não passa de ínfimo 0,03 por cento o índice de doadores cujos exames flagraram a presença do anticorpo do vírus da AIDS. Já nos bancos de sangue brasileiros o índice de aidéticos entre os doadores chega a alarmante 0,7 por cento dos casos. Para Hamerschlak, do Albert Einstein, os números são uma clara indicação de que pessoas do grupo de risco procuram na doação uma maneira de fazer gratuitamente o teste da AIDS. “Quando se trata de sangue, sempre há risco”, sentencia ele.

Mas no Brasil os números disponíveis demonstram que o risco pode estar além da conta. Na média nacional, caso nenhum sangue fosse testado, quem recebe transfusão teria 0,6 por cento de chance de pegar AIDS, 1,3 por cento de contrair hepatite, 1,8 por cento doença de Chagas e 2,4 por cento outras infecções. Para se ter uma idéia do perigo que correriam os 100 mil hemofílicos brasileiros, cada um deles precisa receber 100 doações por ano. A fim de reduzir os riscos de contaminação, além de restringir a lista de doadores, os modernos bancos de sangue contam com o benefício da tecnologia médica – as processadoras, máquinas capazes de selecionar no próprio sangue do doador o componente que está sendo procurado. Ou seja, ele deixa de doar o meio litro de sempre de “sangue total”, como dizem os hematologistas, para ceder apenas, por exemplo, glóbulos brancos ou plaquetas, e assim por diante.

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“Como as células têm peso diferente, posso escolher exatamente aquelas que preciso retirar do sangue, através da centrifugação”, explica o médico Leonel Szterling, também do Hospital Albert Einstein, enquanto colhe plaquetas do sangue de uma doadora. Através da lente côncava do aparelho podem-se ver várias esferas, formadas pelo sangue que gira em alta velocidade. No centro, feito uma bola de fogo, concentram-se os glóbulos vermelhos, cercados pela aura clara dos glóbulos brancos. Em seguida vem a esfera amarela pálida das plaquetas, que, pouco a pouco, preenchem um saquinho de plástico.

O restante do sangue é devolvido ato contínuo à doadora, cujo volume de plaquetas em poucos dias voltará ao normal. “Pelo processo convencional, separando as plaquetas contidas em meio litro de sangue doado, eu precisaria de umas oito doações para conseguir o mesmo saquinho”, compara Szterling. Os hemoterapeutas, especialistas em tratamento das doenças do sangue, também estão usando esse tipo de equipamento para retirar o excesso de glóbulos brancos que atacam o próprio organismo, nos casos das doenças auto-imunes, como a artrite.

No futuro, as processadoras talvez serão aplicadas apenas nesses tratamentos. Ao menos, é o que esperam os pesquisadores do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantã, em São Paulo, que acenam com uma descoberta capaz de acabar com o drama da contaminação por doações: uma enzima que dissolve rigorosamente todo e qualquer vírus, purificando o sangue em pouco mais de 24 horas. De acordo com o médico Isaías Raw, respeitado pesquisador em Bioquímica, que dirige os estudos, trata-se de uma variação do método criado pelo Banco de Sangue de Nova York, que usa um solvente por sinal muito comum em armas químicas, combinado com um detergente da bile produzido no fígado, para destruir a carapaça do vírus.

“Seu material genético fica porém intacto”, informa Raw, “enquanto acrescentamos à fórmula uma enzima capaz de derreter o vírus completamente sem danificar as células do sangue. “Outra frente promissora de pesquisas na área está na placenta humana, que contém cerca de 300 mililitros de sangue. Os franceses desenvolveram na década de 70 a técnica de moer placentas para garimpar os coágulos de sangue. Por isso, compram anualmente 20 milhões de placentas do mundo inteiro. A idéia dos pesquisadores do Butantã não é somente colher o sangue contido na placenta mas tentar isolar nela os hormônios que fazem crescer os capilares.

“No futuro”, imagina Raw, “as operações de safena poderão ser substituídas por injeções dessas substâncias, que ofereceriam à circulação sangüínea caminhos alternativos desimpedidos”. A mais fascinante de todas as promessas talvez seja a do chamado sangue artificial, um líquido branco e leitoso, criado por cientistas japoneses, que ainda está longe de substituir o bom, velho e rubro sangue natural, mas abre animadoras possibilidades nesse campo. A descoberta data da década de 60, quando cientistas americanos sem querer deixaram cair um ratinho em um recipiente com uma emulsão de perfluorcarbono, composto capaz de dissolver gases, razão pela qual é usado, por exemplo, na fabricação de refrigerantes. Para espanto de todos, a cobaia, submersa, continuou respirando normalmente.

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A razão disso, descobriu-se depois, é a alta concentração de oxigênio contido no perfluorcarbono – ou seja, ar à vontade. Nas primeiras experiências com seres humanos, no final dos anos 70, o sangue artificial só funcionou como recurso de emergência, pois quando se injetavam mais de 200 mililitros o líquido manifestava efeitos tóxicos. Hoje, embora muitos médicos tenham suas dúvidas, os japoneses garantem poder transfundir até 2 litros do sangue leitoso. Como diria o diabo do romance Fausto, do poeta alemão Goethe, “o sangue é mesmo um suco muito peculiar”.

 

 

Para saber mais:

Os defensores do corpo humano

(SUPER número 7, ano 2)

 

Resposta errada

(SUPER número 8, ano 3)

 

 

 

 

Quando o sangue sobe à cabeça

Quando se sente medo, o coração dispara, preparando o organismo para escapar da situação. Mas se o medo é de sangue a natureza abre exceção: como se temesse um sangramento, os batimentos cardíacos diminuem e a pressão cai tanto a ponto de causar enjôos ou tonturas. Mas por que alguém sente mal-estar, medo ou asco ao ver sangue? Para a psicóloga Maria Helena Bromberg, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o sangue em si está relacionado à vida e às emoções fortes – daí jorrarem expressões como “ter sangue quente”. Mas o sangue que se vê habitualmente está associado a situações negativas – acidentes, ferimentos, doenças. “Então ele adquire significado oposto”, acredita Maria Helena.

Por isso, ao ver o líquido ao vivo e em sua cor carmim, o pálido desconforto pode transformar-se em pânico – pânico da morte, em suma. Existem, é claro, pessoas que até gostam de ver sangue, mesmo que não saibam disso. Para o fundador da Psicanálise, Sigmund Freud, o líquido vermelho é também símbolo de intimidade sexual. Ele por certo não acreditava em vampiros, como o conde Drácula da histórias de terror, mas usou a expressão vampirismo para definir casos em que a visão do sangue ajuda a excitar sexualmente alguém – um comportamento, portanto, aparentado do sadismo.

 

 

 

Imagens correndo nas veias

Quando se abrem nos vasos brechas por onde o fluido possa escapar, arma-se um verdadeiro esquema de segurança. Mas o excesso de zelo pode levar a fatais obstruções nas artérias do coração.

 

1) O menor ferimento que permita a fuga de uma única gota de sangue faz o organismo disparar um alarme através de sinais químicos do tecido lesado. Isso faz com que as plaquetas começam a se juntar

2) A plaqueta, cuja imagem aparece ampliada nesta foto, é na realidade um fragmento de células da medula óssea.

3) As plaquetas se detêm na ferida para dificultar a passagem do sangue. Os pontos menores são glóbulos brancos criando uma barreira química à passagem dos germes.

4) Três a seis minutos após a lesão, milhares de plaquetas agregadas formam uma película transparente para ativar proteínas no plasma.

5) Uma das proteínas do plasma, o fibrogênio, reagindo com os chamados fatores de coagulação, começa a tecer uma verdadeira rede de fios insolúveis.

6) Completamente presos por aquela rede, os glóbulos vermelhos que tentavam escapar formam um coagulo: é o fim da hemorragia.

7) O interior da artéria coronária de uma pessoa hipertensa: a forte pressão do sangue contra a parede do vaso provoca uma erosão.

8) Persistindo pressão alta, o fluxo do sangue levanta camadas com se estivesse descascando a superfície do vaso. Este, então, pode romper-se facilmente.

9) Os glóbulos vermelhos se instalam nas cavidades assim formadas.

10) Para evitar a fuga dos glóbulos vermelhos, inicia-se processo de coagulação comum a qualquer ferimento: só que a artéria herdará para sempre uma espécie de cicatriz.

11) A cicatriz, feito uma placa, acaba ficando impregnada de partículas de colesterol presente na circulação.

12) O jogo de sucessivas coagulações e depósitos de colesterol forma um montículo que pode, eventualmente, obstruir o fluxo sangüíneo e provocar o infarto.

 

 

 

 

Uma gota de verdade

Com uma agulha, a enfermeira do laboratório espeta o dedo do paciente e deposita a gota em um aparelho do tamanho de um controle remoto de TV. O equipamento analisa a luz refletida pelas moléculas sangüíneas e indica em um mostrador digital a quantidade de glóbulos vermelhos – assim, em instantes, é possível diagnosticar anemia, o que antes consumia horas de contagem das hemácias ao microscópio. A nova técnica é excepcional – seja pela inovação em si, seja porque a esmagadora maioria dos exames segue outros procedimentos. Normalmente os laboratórios de análises clínicas misturam à amostra de sangue produtos químicos capazes de provocar reações se nela existirem substâncias específicas. Cada um daqueles produtos (ou bactérias, eventualmente) destina-se a fornecer uma determinada resposta. Eles fazem as substâncias do sangue aglutinar-se, mudar de cor ou ficar radioativas. Conforme o tipo de reação, pode-se saber não só o mal que aflige o paciente, como a presença de um vírus, mas também dados do tipo taxa de hormônios, de açúcar, de colesterol etc. Qualquer infecção se revela no exame. A rigor, toda doença deixa pistas no sangue, mas nem por isso o exame de sangue é sempre o melhor caminho para o diagnóstico de uma doença. Um distúrbio cardíaco, por exemplo, pode ser indiretamente flagrado na análise por causa do aumento do número de uma certa enzima, liberada pelas células danificadas do coração. Mas é muito mais simples – e eficaz – fazer um eletrocardiograma.

 

 

 

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