Sexo oral passa a ser principal fator de risco para câncer de garganta causado por HPV
Prática não causa o câncer em si – mas aumenta o risco de transmissão do HPV, o mesmo vírus do câncer de colo de útero. A boa notícia: existe vacina.
Por muito tempo, os cânceres de orofaringe (amígdala, garganta e base da língua) foram associados majoritariamente ao tabagismo e consumo excessivo de álcool.
Entretanto, hoje existem estudos que mostram que muitos casos podem estar diretamente relacionados à infecção pelo papilomavírus humano (HPV). E, segundo o pesquisador Hisham Mehanna, pesquisador do Instituto de Câncer e Ciências Genômicas na Universidade de Birmigham, o sexo oral passou a ser o principal fator de risco para câncer de garganta.
Nos anos 1980, 35% da população brasileira fumava, enquanto hoje essa taxa é de 12%. Isso ajuda a justificar a mudança do perfil dos pacientes com tumores de boca: a queda do tabagismo revela casos causados pelo HPV. Segundo um relatório do Instituto Nacional do Câncer (Inca), não é que os cânceres causados por HPV não existissem, mas a sua relevância estava encoberta pelos casos de tabagistas.
O sexo oral foi identificado como o principal fator de risco para o desenvolvimento desse tipo de câncer, já que o HPV pode ser transmitido por essa via. Ou seja: o sexo oral não é a causa do câncer em si, mas uma forma de transmissão do vírus. Fazer essa distinção é importante para evitar o estigma sobre comportamentos e pessoas: o foco deve ser na prevenção.
“Para o câncer de orofaringe, o principal fator de risco é o número de parceiros sexuais ao longo da vida, especialmente de sexo oral. Aqueles com seis ou mais parceiros de sexo oral ao longo da vida têm 8,5 vezes mais probabilidade de desenvolver câncer de orofaringe do que aqueles que não praticam sexo oral”, diz Mehanna em artigo publicado no site The Conversation.
O que é o HPV?
O HPV é conhecido como o vírus causador do câncer de colo de útero, mas isso é uma simplificação. Na verdade, existem mais de 200 tipos de HPV, e eles infectam pele e mucosas. São responsáveis por cerca de 70% dos casos de câncer do colo do útero, além de estarem fortemente associados a cânceres de orofaringe, vagina, vulva, ânus e pênis.
A transmissão ocorre por contato próximo, mas nem sempre sexual. Segundo o Ministério da Saúde, “a transmissão geralmente acontece por meio de relações sexuais, seja por meio vaginal, oral, anal ou até mesmo durante a masturbação mútua, sem a necessidade de penetração desprotegida para o contágio.”
Segundo o Inca, entre 50% e 80% das mulheres sexualmente ativas serão infectadas por um ou mais tipos de HPV em algum momento de suas vidas, e essa porcentagem pode ser ainda maior em homens. Então por que nem todas desenvolvem os cânceres provocados pelo vírus?
“Não está claro por que isso acontece. […] Entretanto, um pequeno número de pessoas não consegue se livrar da infecção, talvez devido a um defeito em um aspecto específico de seu sistema imunológico.” explica Mehanna “Nesses pacientes, o vírus é capaz de se replicar continuamente e, com o tempo, integra-se em posições aleatórias no DNA do hospedeiro, algumas das quais podem causar câncer nas células do hospedeiro.”
A vacinação contra HPV é segura? Quem pode tomar?
A prevenção é um dos pilares fundamentais no combate ao HPV, e a vacinação tem se mostrado extremamente eficaz. Oferecida gratuitamente no Brasil pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a vacina contra o HPV protege contra os subtipos de vírus mais comuns que causam câncer.
Além de proteger quem tomou a vacina, a vacinação também contribui para a “imunidade de rebanho”, uma proteção indireta proporcionada quando uma porcentagem significativa da população está vacinada, o que reduz a circulação do vírus. No caso do HPV, a taxa ideal para a imunidade de rebanho é que mais de 85% das mulheres estejam vacinadas.
No SUS, a vacina está disponível para meninas e meninos de 9 a 14 anos, assim como pessoas de 15 a 45 anos vivendo com HIV/aids, transplantados e pacientes oncológicos. Em algumas clínicas particulares, a faixa etária é ampliada para mulheres de até 45 anos e homens de 26 anos.
A vacina costumava ser aplicada em duas doses, o que dificultava ainda mais a cobertura, já que muitas pessoas não voltavam para a segunda dose. Desde abril de 2024, o Ministério da Saúde aderiu às recomendações internacionais e se juntou ao grupo de 37 países que já adotaram o esquema de dose única. A vacina está disponível no SUS para jovens de até 19 anos que não tenham recebido uma ou duas doses do imunizante no período recomendado.
Apesar do país já ter sido referência internacional nas taxas de vacinação, a cobertura vacinal brasileira enfrentou quedas nos últimos anos. No caso do HPV, não é diferente: entre 2019 e 2022, a taxa de meninas vacinadas caiu de 87% para 75% (a meta da OMS para mulheres de até 15 anos é 90%). Entre os meninos, a redução foi de 61% para 52%.
A partir de 2023, os números de vacinas voltaram a subir, mas ainda estamos longe do ideal. Muitas famílias não permitem que os adolescentes sejam vacinados por conta de preocupações com a segurança da vacina – ainda que ela já tenha se mostrado seguro e eficaz nos 120 países onde é aplicada.
Outra preocupação é que, por ser usada para prevenir uma infecção sexualmente transmissível (IST), a vacina vá incentivar a prática sexual precoce entre os adolescentes. “Paradoxalmente, há algumas evidências de estudos populacionais de que, possivelmente em um esforço para se abster de relações sexuais com penetração, os jovens podem praticar sexo oral, pelo menos inicialmente.”, diz Mehanna.
Quais são outras formas de prevenir o câncer de garganta?
Além da vacinação, o uso de preservativos é uma medida essencial na prevenção de ISTs, incluindo o HPV. Embora a camisinha não ofereça proteção absoluta contra o vírus, ela reduz significativamente o risco de transmissão.
Existem dois tipos de preservativos: o externo, o tipo mais comum, conhecido como camisinha masculina; e o interno, conhecido como camisinha feminina. Este último oferece maior proteção no caso do sexo oral, pois cobre a vulva, ajudando a prevenir o contato com áreas que o preservativo externo não cobre completamente.
Álcool e cigarro, outros fatores de risco para o câncer orofaríngeo continuam exigindo atenção e mudanças de hábitos.
Entre os tabagistas, o risco é especialmente maior para quem fuma ao menos um maço de cigarro por dia a mais de dez anos. Já sobre a bebida alcóolica, a Organização Mundial da Saúde (OMS), define como abusivo o consumo de 60 gramas ou mais de álcool no período de 30 dias – o equivalente a seis copos de 330 ml de cerveja, seis taças de 100 ml de vinho, ou 6 doses de 30 ml de destilados.
É importante manter o acompanhamento com dentistas, que geralmente são os primeiros a notarem alterações na boca e nas amígdalas. É essencial estar atento e procurar um médico em caso de sintomas como inchaço no pescoço e na garganta, perda de peso sem razão aparente, dores de ouvido e garganta, rouquidão ou ronco repentinos.