Suas memórias são mais fortes do que o seu cérebro
Ela perdeu a memória, mas não esqueceu como se pilota um avião. Veja como esse caso pode mudar a forma como a ciência entende o cérebro.
Ela era uma artista renomada, cujos trabalhos já foram capa da revista New Yorker seis vezes. Tocava violino em uma orquestra amadora e, como hobbie, aprendeu a pilotar um avião monomotor, com o qual realizou mais de 400 viagens. Mas, aos 64 anos, tudo caiu por terra: uma encefalite viral destruiu o ponto do cérebro onde são criadas e alojadas as memórias – o hipocampo. Meses depois, porém, os médicos perceberam que, apesar de as memórias terem desaparecido completamente, as habilidades de Lonni Sue Johnson estavam preservadas.
A doença deixou o cérebro de Lonni com sérios danos. Hoje, ela não consegue lembrar nem de eventos importantes de sua vida – como o próprio casamento -, nem de coisas que ela acabou de fazer – como escovar os dentes. Ela não consegue aprender nada novo, e não tem conhecimento de como o mundo funciona – incluindo o que era super conhecido por ela, como o mundo da arte. Mas, quando questionada sobre como pilotar um avião, como pintar uma aquarela ou para que servem as cordas de um violino, ela responde rapidamente.
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Lonni é um caso tão intrigante que passou a ser estudado pela Universidade John Hopkins, onde os cientistas determinaram o quanto as habilidades da ex-artista haviam sido mantidas. Para isso, aplicaram um teste oral com perguntas específicas sobre cada uma das áreas que a mulher tinha mais facilidade – artes, música e vôo. As questões eram simples, como “qual a melhor forma de remover água em excesso da aquarela?” ou “como fazer para um avião não tombar para o lado?”. O mesmo teste foi aplicado para outras 80 pessoas, com a mesma idade de Lonni – entre elas, experts nessas áreas. O resultado surpreendeu os pesquisadores: Lonni superou os leigos nas questões sobre aviação e música, e foi melhor do que os experts nas perguntas sobre arte.
O caso sugere que a concepção científica mais aceita do que é “memória” está errada. Até agora, os neurocientistas acreditavam que a memória só se diferenciava de habilidades mecânicas, como andar de bicicleta, mas o quadro de Lonni mostra que a coisa é diferente: as habilidades que ficaram marcadas na cabeça dela não são meramente corporais; são complexas como pilotar um avião e abstratas como a pintura e a música.