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Um golpe certeiro no câncer

Chega ao Brasil a chamada braquiterapia de alta dose, um tratamento capaz de destruir um tumor, sem afetar órgãos vizinhos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 dez 1991, 22h00

Chega ao Brasil a chamada braquiterapia de alta dose, um tratamento capaz de destruir um tumor, sem afetar órgãos vizinhos

O paciente, vítima de câncer, fica sozinho na sala. Do aparelho ao lado cama sai um tubo fina, o cateter, que entra em sei organismos, até alcançar o tumor. Por esse verdadeiro túnel, escorrega um cápsula do tamanho de um grão de arroz, tão radioativa que, se alguém a segurasse por poucos minutos, certamente teria de amputar os dedos. Mas, no caso, essa pequenina fonte radiação irá parar, durante alguns segundos, na frente de diversos pontos do tumor, a fim de atacar as células doentes. Cinco minutos mais tarde, no máximo, o serviço costuma já estar terminado e o aparelho de chumbo blindado recolhe a cápsula. Só então entram no local os médicos, que acompanharam tudo à distância, por monitores de televisão. Isso porque as aplicações de radiação foram, na realidade, inteiramente comandadas por um computador. Essa é uma das mais recentes e eficazes armara contra o câncer – a chamada braquiterapia de alta dose, cujo equipamento foi instalado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, no final do ano passado.

“Como em qualquer outro tratamento conhecido para essa doença, só se espera a cura total quando o diagnóstico é precoce”, esclarece o radioterapeuta Agamedes Paduam, médico do hospital. “Muitas vezes, a braquiterapia é usada apenas para atenuar a doença, prolongando a vida do paciente. Mas, de qualquer modo, ela tem a vantagem de aplicar a radiação somente no tumor, deixando intacto o que estiver ao seu redor.” Há mais de cinqüenta anos, os cientistas descobriram que a radiação pode ser usada para combater tumores. Pois a grande característica de uma célula cancerosa é se multiplicar em ritmo alucinante, além de agir feito uma vampira, tornando outras células malignas iguais a si, ao enviar-lhes uma ordem errada, que desencadeia o crescimento exagerado. A radioatividade, porém, é capaz de explodir as moléculas do seu núcleo, chamadas DNA e RNA. Sem elas, a célula perde tanto a própria capacidade de crescer como a de passar mensagens enganosas para suas vizinhas saudáveis. Resultado: por não deixar descendentes nem herdeiros, ao morrer dali a alguns dias ou semanas, acaba provocando a diminuição do câncer.

Por isso, muitos tratamentos contra a doença lançam mão da radiação – trata-se das radioterapias, que se dividem em dois tipos. A mais comum é a chamada teleterapia: “No caso, uma espécie de canhão emite feixes de radiação a uma distância de aproximadamente 75 centímetros do paciente”, descreve Paduam, sem parar de rabiscar esquemas, na tentativa de ser ainda mais didático. O problema da teleterapia é que, por mais que os médicos focalizem o feixe de radiação na região doente, ela acaba atingindo órgãos saudáveis – “quando realizo esse tratamento no útero de uma paciente, o intestino e a bexiga, que estão próximos, terminam afetados. O resultado são efeitos colaterais como fortes diarréias e ardência ao urinar”, exemplifica o radioterapeuta. Até há cinco anos, no entanto, quando a braquiterapia de alta dose se popularizou nos Estados Unidos, os doentes não tinham muita saída. Isto é, ou amargavam os efeitos da teleterapia ou realizavam a desconfortável braquiterapia de baixa dose, ancestral desse novo tratamento.

A chamada braquiterapia de baixa dose surgiu ainda nos anos 60: os médicos, então tiveram a idéia de introduzir a fonte da radiação diretamente no tumor, através de sondas e cateteres. Isso, claro, diminuía os efeitos colaterais; em compensação, o paciente tinha de permanecer cerca de 72 horas com o cateter ou enfrentar duas sessões de 48 horas. “Depois de passar pela primeira sessão, o doente faltava na segunda”, recorda Paduam. Não era por menos: fora a desagradável permanência do cateter, em alguns casos, o paciente era proibido de se alimentar durante esse período. “Felizmente, a braquiterapia de alta dose resolve tanto o problema dos efeitos colaterais, como o do desconforto, já que é muito rápida”, comemora o radioterapeuta alemão Manfred Busch, professor da Universidade de Essen, com os olhos azul-claros brilhando. Busch, um dos pioneiros no uso da braquiterapia em todo o mundo, esteve no Brasil, no mês passado, para participar de um workshop sobre este tratamento, realizado no Hospital Sírio-Libanês. Enquanto na braquiterapia de baixa dose a taxa de radiação é de 50 a 60 rad (unidade de radiação) por hora, a de alta dose emite 200 rad por minutos, ou seja, a intensidade da radiação é cerca de 240 vezes maior. “Com isso, precisamos de um tempo para obter o mesmo efeito”, explica o professor alto e de meia idade.

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Mas com isso, também o paciente deve permanecer sozinho na sala de tratamento, por questões de segurança. Os médicos, antes, introduzem o cateter, com cerca de 1,5 centímetro de diâmetro, que pode carregar uma minúscula câmara de vídeo na ponta, servindo de guia. O tubo é orientado para contornar o tumor, como o cabo do Pão de Açúcar – e o bondinho, nessa comparação, seria a cápsula radioativa de irídio 192, que passa dentro do cateter, presa por um fio de aço. Só que, em vez de fazer uma viagem sem escalas, a cápsula vai parando em pontos diferentes, calculados por um computador. “É tirada uma radiografia do paciente, já com o cateter em seu organismo”, conta Paduam. “Sobre uma mesa de luz,essa imagem ´r interpretada por um leitor ótico.” Um físico, por sua vez, digita no teclado do computador a quantidade de radiação que o médico indicou par aquele paciente. A máquina, então, analisa o tamanho e a forma do tumor, para dividir aquela dosagem de radiação em diversos pontos. Assim, por exemplo, ordena que a cápsula fique parada dois segundos em determinada altura e três segundos em outra, onde poderá alcançar um maior número de células.

Quando está tudo pronto para começar, os especialistas abandonam a sala. O aparelho de braquiterapia, então, conectado ao computador, libara uma pastilha falsa, que percorre o projeto de ida-e-volta pelo cateter. Faz sentido. Afinal, por ser flexível, o cateter pode se dobrar dentro do organismo, bloqueando a passagem. A pastilha radioativa encontraria um obstáculo, como uma curva muito fechado, ficando parada no meio do caminho, atacando a região errada – o que seria um desastre. Se o caminho está livre, o aparelho solta a cápsula verdadeira. “Depois de alguns minutos, o paciente já pode ir para casa andando”, diz Paduam. A braquiterapia de alta dose, contudo, não substitui a teleterapia – muitas vezes, as duas formas trabalham juntas. “Um tumor muito grande no esôfago pode bloquear a passagem do cateter”, exemplifica Paduam. “Então, realizamos algumas sessões de teleterapia até diminuir o câncer. Para tumores pequenos, porém, esse novo tratamento é imbatível.”

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