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Artigo do professor doutor da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da USP, Fernando Lefevre, em que analisa a saúde pública no Brasil e fala do conceito errado que a população tem sobre o tema.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h40 - Publicado em 30 nov 2000, 22h00

Fernando Lefèvre

A saúde, ou a cura de doenças, ou a “vitalização” (estado físico que os consumidores de vitaminas e de cocaína buscam), sempre estiveram, no imaginário coletivo da humanidade, ligadas a produtos capazes de as incorporar e provocar nos corpos e mentes os efeitos prometidos. O que mudou foi o fundamento desta crença: antes mágico-religioso, hoje científico. Com efeito, o desenvolvimento tecnológico e científico no campo da saúde/doença consolidou e reforçou esta tendência do imaginário coletivo.
Hoje, no Brasil, a idéia dominante de saúde que circula no sistema social como um todo associa a saúde a bens/serviços de consumo, entendidos como expressões concretas da tecnologia médico-sanitária. Segundo essa idéia, tais bens/serviços de consumo “contêm saúde”, como um valor enraizado no conhecimento científico. Esses bens e serviços, assim caracterizados, se consumidos produziriam nos indivíduos estados de bem-estar, através da transferência da saúde que está nos produtos para o corpo das pessoas.

Assim, a saúde se “descoletiviza” ou se “individualiza”, pelo consumo de um conjunto de bens ditos de “saúde”. Como resultado histórico da evolução tecnológica, combinada com um modelo consumista de organização social e de produção, a saúde de todos, da espécie, do homem, fica eclipsada para dar lugar à sua, à minha saúde. A evolução tecnológica e o consumismo em saúde geram, por sua vez, a idéia correspondente de que não é preciso que uma sociedade seja saudável para que cada um de nós o seja.

“A eliminação das doenças não é um problema tecnológico, mas de vontade coletiva”

Quando se fala em saúde como bem de consumo coletivo e se agrega a isso a perspectiva política de democratização da saúde, está se pensando na generalização do acesso aos bens e serviços ditos de “saúde”, de forma que se possa argumentar – erradamente – que a saúde se coletiviza para o conjunto da sociedade à medida que todos podem ter acesso individual à “sua saúde”. É preciso, portanto, distinguir com clareza uma “saúde coletiva” da outra. A “saúde coletiva verdadeira” envolve o conjunto de ações a serem desenvolvidas pela sociedade, através de um sujeito coletivo imbuído de uma vontade coletiva de criar uma sociedade e um modo de vida não gerador de doenças. A que se chama erroneamente de saúde coletiva, envolvendo o acesso generalizado ao consumo dos chamados bens e serviços de saúde, deve ser chamada pelo seu verdadeiro nome: assistência médica. Como então suprimir a doença?

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Se a saúde vira responsabilidade individual do consumidor de “saúde” e a chamada “saúde como dever do Estado” acaba se confundindo com a democratização do acesso individual aos bens e serviços médicos, onde e com quem fica a responsabilidade pela verdadeira saúde coletiva, entendida como propiciar condições sociais, culturais, e econômicas para gerar modos de vida não-doentes? Há várias respostas possíveis para esta questão:

1) “Fica em lugar nenhum e com ninguém.” Os que defendem essa posição (na realidade, ninguém assume a defesa explícita dessa posição a despeito da ela ser absolutamente majoritária) poderiam esgrimir os seguintes argumentos:

a) o homem é o que é; b) as doenças sempre existiram e sempre existirão, são fatalidades como a fome e o frio; c) não há como criar sistemas sociais e culturais não geradores de doença; d) o único jeito é se proteger das doenças pelo consumo de “objetos saudáveis” (remédios, iogurtes, cirurgias, alimentos “diet”, planos de saúde, etc.).

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2) “Fica no céu da utopia com os poetas, revolucionários e sanitaristas sonhadores, que querem mudar o mundo.”

3) “Fica na terra, com uma entidade abstrata, responsável por tudo o que não somos: eu, você, nossa família e o que se chama de ‘Estado’. No caso da Saúde, é o Ministério da Saúde (a voz anônima que adverte, nos maços de cigarro, que fumar é prejudicial à saúde) ou a Secretaria da Saúde.”

4) “Fica na terra, em cada um de nós, na medida em que admitamos:

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a) que as doenças não são uma fatalidade: a maioria das que atingem o grosso da população podem ser eliminadas se nós estivermos coletivamente dispostos para tanto; b) que ao só defendermos a saúde de cada um com remédios, iogurtes, camisinhas, estamos salvando nossa pele como indivíduos, mas ‘cevando’ a doença; c) que o Estado não fará o trabalho por nós porque ele não é uma entidade abstrata, fora de nós, mas a expressão concreta da nossa consciência ou falta de consciência; d) que mesmo se todos nós pudermos consumir ‘objetos saudáveis’ a doença continuará a existir e a nos ameaçar como espécie animal; e) que, enfim, a eliminação das doenças não é um problema tecnológico, mas de vontade coletiva.” Pense, caro leitor, com qual das quatro respostas você se identifica mais, e faça sua opção. Você decide.

Fernando Lefèvre é professor doutor da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo

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