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A bomba atômica financeira contra Putin

Ao bloquear o acesso da Rússia à maior parte de suas reservas internacionais, os aliados acionaram uma arma realmente eficaz contra o regime russo. Entenda.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 8 abr 2022, 16h08 - Publicado em 18 mar 2022, 09h37

O nome do Swift, o sistema global de pagamentos, parece feito pela pessoa que dá nome para as operações da Polícia Federal, de tão criativo. Por um lado, a palavra é uma sigla para Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication. Por outro, significa “ágil”, “rápido”. Foi essa agilidade que os bancos russos perderam quando foram barrados do Swift.

O que o sistema faz é o seguinte: se você precisa pagar um fornecedor estrangeiro daqui do Brasil, o sujeito te manda o “código swift” do banco dele mais o número da conta. Com isso na mão, você consegue mandar o dinheiro facinho, pelo app do banco mesmo.

Parece algo simplório, mas não é. Cada país tem seu próprio sistema de transferências, ligado a seus bancos centrais. E não existe um Banco Central Planetário, que liga todos esses sistemas. O mais próximo disso é o Swift mesmo, que junta 11 mil bancos, de mais de 200 países (mais do que a ONU, que tem 193).

Cada um desses 11 mil bancos tem seu código lá. O da Caixa Econômica Federal, só para dar um exemplo, é CEFXBRSP. Apague esse código do sistema e nenhum gringo consegue mais mandar dinheiro para a Caixa por meios eletrônicos.

O quartel general do Swift fica na Bélgica. Logo, ele está sob as leis da União Europeia. A UE, então, deletou os códigos dos maiores bancos russos logo após a invasão da Ucrânia. Baniram sete do sistema, mas sobraram dois de grande porte: justamente aqueles que os países europeus usam para pagar pelo gás natural e pelo petróleo russo – que eles não tiveram condições de embargar, como os EUA fizeram. Foram poupados o banco da Gazprom (a Petrobras da Rússia, que tem banco próprio) e o Sberbank, maior instituição financeira de lá.

As exceções fizeram com que o banimento do Swift não representasse um baque tão grande. A arma financeira mais letal foi outra: o congelamento das reservas internacionais da Rússia.

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As reservas são mais do que a “poupança” de uma nação. Elas servem para conferir valor à moeda local. Se o dólar começa a subir demais no Brasil, é porque tem gente demais trocando reais por dólares (para investir fora daqui, por exemplo). Começa a faltar dólar no mercado, e o preço vai às alturas. Dólar caro = real desvalorizado. O pão fica mais caro, já que o nosso trigo vem de fora, e pagamos em dólar por ele.

Não só: o preço do arroz, da carne, de quase tudo o que a gente produz por aqui, segue o do mercado internacional, já que os produtores podem exportar fora se quiserem. Na prática, subiu o dólar, subiu a inflação.

Mas trata-se de um fenômeno que dá para combater. Quando a alta do dólar começa a ficar perigosa, o Banco Central usa as reservas internacionais para mitigá-la. Como? Ele pega e vende dólares das reservas no mercado interno. Isso dá uma bombada na oferta de moeda americana, e freia a alta.

O Brasil tem o equivalente a US$ 370 bilhões para fazer essa brincadeira quando for necessário. “Equivalente” porque nem tudo é dólar. 2% disso estão na forma de 129 toneladas de ouro, por exemplo. Na parte das moedas estrangeiras, a americana domina, naturalmente. 85% das nossas reservas estão em dólar. O resto fica em euros, libras, ienes, dólares canadenses, dólares australianos.

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E não se trata de notas guardadas num cofre, claro. A maior parte está na forma de títulos públicos dos países emissores dessas moedas. Os títulos jamais deixam seus países de origem.Quando o Banco Central precisa de dinheiro vivo, vende um pouco desses títulos lá fora, recebe os dólares (ou euros ou o que for) numa conta no exterior e faz a transferência para cá. Além dos títulos, o BC também tem depósitos em contas remuneradas lá fora.

De volta à Rússia. Eles tinham reservas pau a pau com as nossas até pouco tempo atrás (US$ 370 bilhões também). Era 2014, o ano da ocupação da Crimeia (que fazia parte do sul da Ucrânia). Essa guerra deu início a algumas sanções comerciais contra empresas e bancos russos (que ficaram impedidos de fazer negócios no exterior). Investidores que tinham dinheiro na Rússia, então, correram para tocar seus rublos por dólares, euros, libras e levá-los para lugares menos propensos a turbilhões políticos.

Mesmo assim, as exportações de petróleo e gás natural continuaram a toda, e foram dando fôlego à economia russa. Putin aproveitou para encher o tanque de reservas do país, e elevou-as a outro patamar: US$ 640 bilhões. A maior do mundo em relação ao PIB (37%, contra 23% por aqui).

Isso indica o seguinte: o líder provavelmente estava planejando uma guerra maior que a da Crimeia, capaz de trazer sanções ainda mais pesadas. Logo, precisava de reservas gordas para evitar um eventual colapso do rublo.

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Corrobora com essa teoria o fato de que os caras têm pouquíssimas reservas em dólar. Há quatro anos, eram 40%. Agora mudou. A composição está assim: 32% em euros; 22% ouro; 16% dólares e 14% em yuans, da amiga China. O resto (15%) fica em outras moedas, principalmente libras, ienes e francos suíços.

A parte dos dólares fica ainda mais tímida se você considerar que só um terço da parte em moeda americana está de fato nos EUA. O maior pedaço dos depósitos em dólar fica em contas na Europa e no Japão. Só 6% das reservas russas estão em território americano.

Putin, ao que tudo indica, desdolarizou paulatinamente suas reservas para se precaver. No caso de uma nova guerra, os EUA certamente impediriam qualquer tentativa russa de saque das reservas em seu território. Invadida a Ucrânia, isso aconteceu de fato.

A Europa, ele certamente imaginava, não teria coragem de tomar uma medida dessas, já que o continente depende do gás e do óleo russo. Nem o Japão, outro bom cliente e parceiro comercial.

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Mas aconteceu. União Europeia, Reino Unido, Suíça e Japão seguiram os EUA e bloquearam o acesso às reservas russas. Dos US$ 640 bilhões, sobraram só US$ 230 bi, a parte em ouro, guardada em território russo, e a em yuans, na China.

A corrida pela troca de rublos por moedas fortes veio, naturalmente. E agora a Rússia não tinha mais tanta bala para segurar. Um dia antes da invasão, você precisava precisava de 81 rublos para comprar um dólar. Nove dias depois, eram 124. Uma alta de 53%. É como se, no Brasil, o dólar saltasse de R$ 5,00 cravados para R$ 7,65 em pouco mais de uma semana.

A parte em ouro e em yuans (que a Rússia consegue trocar por qualquer moeda) não é pequena. Mas, como os investidores sabem que dois terços das reservas estão inacessíveis, passaram a fugir do rublo desesperadamente. Isso coloca a Rússia numa via expressa rumo à hiperinflação. E qualquer povo sob hiperinflação tem um alto potencial de derrubar seus governantes. Eis a bomba atômica financeira.

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