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Como a China usa as redes sociais para manipular o debate público

Google, WhatsApp, YouTube, Instagram, Twitter. Tudo isso é bloqueado pelo governo chinês. Ao mesmo tempo, Pequim mantém exércitos de bots dedicados a fazer propaganda oficial disfarçada mundo afora.

Por Rodrigo da Silva
18 fev 2022, 07h42

É a maior população virtual do mundo: um bilhão de usuários, já que 71% dos chineses têm acesso à internet. Mas, para a maioria deles, a experiência de estar conectado é radicalmente diferente da sua. Pense em qualquer aplicativo – ele provavelmente está bloqueado lá. Cortesia de um sofisticado sistema de bloqueio, responsável pelo maior programa de censura do planeta, conhecido como Grande Firewall da China.

O governo chinês atua para que a internet não seja uma plataforma para a propagação de discursos políticos opositores. De quebra, a ausência desses aplicativos estrangeiros também incentiva o desenvolvimento e a adoção de alternativas nacionais, mais próximas do controle estatal. Um jogo ganha-ganha para Pequim.

É dessa forma que a internet chinesa se tornou a mais controlada do mundo. Em 2018, apenas o Baidu, o maior motor de buscas do país, relatou a exclusão do seu mecanismo de pesquisa de mais de 50 bilhões de itens de informações consideradas prejudiciais.

Ao todo, são mais de 300 mil domínios bloqueados aos chineses. Não há acesso ao Google, ao WhatsApp, à Netflix, nem ao Telegram. Páginas da Wikipédia, em todas as línguas, estão inacessíveis. Veículos de imprensa tradicionais e organizações de direitos humanos seguem o mesmo caminho. Assim como o Facebook, Instagram, YouTube, Snapchat, Tumblr, Pinterest e Reddit. O TikTok “internacional” é barrado. Só funciona a versão chinesa.

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Dos serviços que você conhece, poucos estão livres. É o caso do Skype e do FaceTime. De resto, quase nada escapa. Como fazer para driblar o bloqueio? Associando-se a uma Rede Privada Virtual – popularmente conhecida como VPN, um tipo de software que permite ao usuário disfarçar o seu endereço IP e contornar a censura. Apelar para essa estratégia, como você deve imaginar, é ilegal na China e pode levar à prisão.

O Twitter é um caso peculiar. Em primeiro lugar, ele também é bloqueado no país. Chineses podem ser detidos por publicar suas visões de mundo na rede social. Em alguns casos, usuários sofrem batidas policiais e são forçados a excluir seus perfis – especialmente aqueles que se aventuram a criticar as autoridades locais. Hackers também são convocados para essa tarefa.

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Mas, apesar do bloqueio, o governo chinês também utiliza o Twitter em benefício próprio: como instrumento de propaganda para o público internacional. Pequim investe inclusive na criação de bots para manipular o debate público.

Em 2020, de uma só vez, o Twitter excluiu 170 mil perfis fake ligados ao Estado chinês. A prática é frequente. Os bots são programados para espalhar desinformação a audiências estrangeiras, promovendo tensão entre grupos sociais, bagunçando eleições e compartilhando discursos antiamericanos. A maior parte desse conteúdo é produzido em inglês.

O objetivo não é apenas obscurecer fatos, mas desorientar a própria democracia.

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Os bots também defendem os interesses econômicos chineses. Por exemplo, quando o governo da Bélgica anunciou seus planos de limitar o papel da Huawei em sua rede 5G, contas falsas promoveram uma campanha no Twitter contra as autoridades do país.

Alguns perfis são criados para postar conteúdo original, enquanto outros existem apenas para compartilhar e comentar essas postagens, ajudando a torná-las mais relevantes.

Os bots, no entanto, não são a única estratégia. Pequim também promove campanhas de manipulação com usuários reais. Envolve até a produção de vídeos, compartilhados por diferentes contas sociais, com diferentes cidadãos declamando os mesmos roteiros, com as mesmas frases. Tudo produzido pelo departamento de propaganda.

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O governo chinês também utiliza influenciadores estrangeiros para trabalhar a seu favor, oferecendo boas recompensas – desde recursos financeiros até aumento de relevância social. O conteúdo promove aquilo que os chineses chamam de “contar bem a história da China”.

Alguns desses vídeos são legendados em múltiplos idiomas e replicados pelas páginas de embaixadas da China nas principais plataformas virtuais, alcançando milhões de pessoas e melhorando a posição desses influenciadores nos algoritmos. Alguns influenciadores chegam a viajar a Xinjiang – que a ONU chama de “zona sem direitos” – para produzir propaganda estatal. Todo esse conteúdo é compartilhado massivamente no Twitter por uma rede de perfis falsos.

Há pouco tempo, o New York Times revelou um conjunto de documentos que oferecem maiores detalhes sobre como Pequim se organiza no Twitter. O jornal acusa o governo chinês de utilizar softwares, associados a registros públicos e bancos de dados, para rastrear e silenciar críticos que utilizam o Twitter fora da China. Isso inclui usuários não-chineses.

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O Washington Post também acusa Pequim de “equipar suas agências governamentais, militares e policiais com informações sobre alvos estrangeiros”, “explorando as mídias sociais ocidentais”, como o Twitter, no monitoramento de críticos não-chineses. Os softwares promovem vigilância contra “jornalistas da mídia ocidental” e “pessoas-chave de círculos políticos, empresariais e da mídia”.

A China também usa a diplomacia como instrumento de propaganda. A abordagem agressiva adotada pelo embaixador no Brasil, Yang Wanming, não é exceção: chama-se Wolf Warrior Diplomacy (“Diplomacia do Lobo Guerreiro”).
Pesquisadores da Universidade de Oxford dissecaram essa estratégia no Twitter. Eles revelam que muitos tuítes e retuítes de apoio que a diplomacia chinesa recebe são de perfis falsos – muitos se passando por contas locais (inclusive em português).

A diplomacia chinesa tuíta uma média de 778 vezes por dia. Em 9 meses, esses posts geraram 7 milhões de likes, 1 milhão de comentários e 1,3 milhão de retuítes. Os bots manipulam o algoritmo da rede social e tornam essas postagens relevantes para serem recomendadas pelo Twitter a outras bolhas. Em algumas ocasiões, até 2/3 do engajamento desses perfis diplomáticos foram impulsionados por redes de perfis falsos.

Toda essa estratégia, no entanto, vem rendendo até aqui ínfimos resultados. O governo chinês passa por uma crise de impopularidade recorde em praticamente todas as regiões do mundo. E a estratégia agressiva, hipersensível a críticas na comunicação de sua diplomacia no Twitter, parece colaborar para esse resultado.

Mas você não encontrará nenhuma referência a isso na internet chinesa.

*Rodrigo da Silva é jornalista, escritor e ministra o curso “Desvendando a China”.

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