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Não é o Uber que deve ser banido. São os pontos de táxi

O Uber sozinho não é a solução. Mas um mínimo de tolerância com o serviço será bom para as cidades. E, principalmente: pode ajudar nossos burocratas a sair da Idade Média

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 31 out 2016, 18h59 - Publicado em 16 dez 2015, 14h30

É medieval. Se você quiser largar seu emprego hoje para virar taxista, não pode. Não pelas vias legais. Para ser dono de táxi, você precisa de uma licença da prefeitura. Um “alvará”. Só que as prefeituras não têm emitido alvarás. Em São Paulo, onde o que não falta é passageiro, a posição oficial é imperiosa: “A prefeitura entende que a cidade tem a quantidade de licenças adequada à demanda da população”.

Dá para negar? Dá. Os milhares de usuários que abraçaram o Uber provaram que existe, sim, demanda por mais táxis – ou por táxis melhores. São Paulo, Rio, BH e Brasília, as cidades onde o Uber opera, se viram do dia para a noite com muito mais “taxistas” – entre aspas, já que os motoristas do Uber não dependem de alvará. Eles só se inscrevem no Uber, têm os antecedentes criminais checados e, se tudo estiver ok, os carros deles passam a aparecer no aplicativo do serviço.

Para chegar chamando atenção, o Uber estreou no Brasil em 2014 exclusivamente na sua versão gourmet, a “UberBlack”, que só aceita inscrições de sedãs seminovos com ar e banco de couro. Os motoristas também parecem selecionados a dedo. É difícil achar um que não trate os passageiros com a graciosidade de um mordomo britânico. E tudo isso custa só um pouco mais do que um táxi em Bandeira 1, um pouco menos do que uma Bandeira 2, mesmo à noite. É classe executiva a preço de econômica. Até por isso o Uber vem dando certo em 58 países.

Só tem um problema. Os carros do Uber são tão ilegais quanto as vans clandestinas de lotação – até por isso começaram a tramitar projetos de lei para banir o serviço. Quem manda no transporte público, afinal, é o governo.

Mas é aí que mora o problema. Para conseguir um alvará em São Paulo sem ferir a lei, o taxista precisa viajar no tempo. Para 2011, quando a prefeitura liberou seu derradeiro lote, com 1.200 alvarás. A concorrência foi pesada: 23 candidatos por vaga. Só que a prova não é por mérito. A prefeitura sorteia os alvarás com base nos números da loteria federal. Uma vez sorteado, o alvará é do taxista para sempre. O carro dele passa a fazer parte dos 34 mil táxis da cidade.

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Se ele resolver pendurar o taxímetro um dia, pode passar a licença para um filho. Na falta de herdeiros, não precisa devolver para a prefeitura: ele pode doar para algum conhecido. Vender para engordar a aposentadoria? Não. Não pode. A prefeitura avisa que “o comércio de alvará é punido com a cassação da licença”.

Mas tem lei que pega e lei que não pega. Essa proibição não pegou, e o comércio de alvarás rola solto: “A prefeitura autoriza transferir. Como dinheiro não fala, eu coloco ele no bolso e transfiro”, disse  o presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, Natalício Bezerra Silva, numa entrevista para a Folha de S.Paulo em 2013. Não existe surpresa aí. Os preços que os pontos mais cobiçados atingem nesse mercado sempre foram conversa de mesa de bar, já que os valores surpreendem. Quem compra (opa, ganha) um alvará leva junto o carro e o direito de estacionar num determinado ponto (que também é definido inicialmente por sorteio). Logo, um alvará que traga de carona uma vaga no Aeroporto de Congonhas pode sair por R$ 300 mil. Uma licença qualquer, seja como for, não sai por menos que umas dezenas de milhares de reais. E quem perde aí são os próprios taxistas, que precisam gastar os tubos para trabalhar – justamente por conta do excesso de reserva de mercado.

Mas o protecionismo não existe à toa também. Nova York que o diga. Na Grande Depressão pós-1929, milhares de desempregados se tornaram taxistas. De uma hora para a outra, a frota chegou a 30 mil carros. Quase o que São Paulo tem hoje. Resultado: com o excesso de oferta, o preço das corridas caiu além da linha vermelha. O sujeito podia trabalhar 20 horas por dia e não conseguir o mínimo para se manter. O sistema todo perigava entrar em colapso, já que os taxistas não podiam mais pagar nem pela manutenção dos próprios carros. Em 1937, então, o prefeito decidiu limitar o número de alvarás. A frota diminuiu para 12 mil. E as coisas entraram nos eixos.  

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Por outro lado, exageraram na dose. Até 2011, Nova York ainda tinha só 13 mil táxis. Até por isso o Uber entrou na cidade esmerilhando: em quatro anos, colocaram 12 mil carros na praça. Isso fez a prefeitura de NY abrir o olho e estrear uma nova modalidade de alvará, em 2013: a dos táxis verdes, autorizados a operar só na periferia. O objetivo é chegar a 18 mil verdes em 2016, totalizando 40 mil táxis. A novidade tornou o sistema de licenças menos medieval, olha só. O Uber? Bom, a ideia do governo lá era instituir um limite na quantidade de carros deles. Mas deixaram quieto por enquanto, em troca de a empresa passar informações sobre a realidade da demanda por táxis em NY.

Iniciativas assim seriam bem-vindas por aqui. A própria legalização do Uber não seria um bicho de sete cabeças. É que não existem só taxistas autônomos. Há empresas também. A lei permite que um empreendedor tenha centenas de alvarás sob um único CNPJ, e contrate motoristas. Então basta que as nossas prefeituras tratem o Uber como uma empresa de táxi qualquer. Se a de São Paulo soltar mil alvarás para o Uber, a frota da cidade vai aumentar em 3% – um trisco no mercado dos taxistas tradicionais, e um ganho notório para a população.

E as prefeituras também poderiam aproveitar o embalo e exterminar certos anacronismos do mundo dos táxis. Primeiro, legalizar o comércio de alvarás, como acontece nos EUA. Segundo, trocar os sorteios de novos alvarás por concursos e licitações – uma empresa não escolhe seus prestadores de serviço por sorteio; por que a cidade deveria? Terceiro, rever um problema recente: os pontos de táxi subutilizados.

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São Paulo, por exemplo, tem 2.308 pontos. Manhattan, três. E boa parte da multidão de pontos paulistanos acabou obsoleta, por conta dos aplicativos de táxi. Claro: o 99 e o Easy fazem exatamente o que os pontos faziam: possibilitam ao freguês encontrar um táxi, e vice-versa, só que de forma bem mais eficaz. Tanto que o Uber mesmo só existe por causa desse tipo de tecnologia – não há “ponto de uber”. Óbvio que aeroportos e estações de metrô precisam continuar com seus pontos. Mas também é natural que os subutilizados deixem de pertencer só aos táxis. E voltem aos seus donos antigos: todos os cidadãos.

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