Nobel da Paz de 2021 vai para jornalistas perseguidos na Rússia e nas Filipinas
Maria Ressa combate o populista Rodrigo Duterte nas Filipinas, enquanto Dmitry Muratov, editor-chefe de um jornal fundado com apoio de Gorbatchov, hoje é alvo da repressão de Putin.
A liberdade de expressão de qualquer indivíduo é assegurada desde 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mesmo assim, às vezes são necessários alguns esforços extraordinários para mantê-la.
O Prêmio Nobel da Paz de 2021, anunciado na manhã desta sexta-feira (8), foi para dois jornalistas que trabalham pela causa e, consequentemente, desempenham papeis importantes na manutenção da democracia. São eles Maria Ressa e Dmitry Andreyevich Muratov.
Maria Ressa é cofundadora da Rappler, uma empresa de mídia digital sediada nas Filipinas. O veículo tem como foco o jornalismo investigativo no país. Ela expõe o autoritarismo crescente do governo do arquipélago, alvo de muitas denúncias de abuso de poder e violência desde a chegada do populista de extrema direita Rodrigo Duterte ao poder.
A Rappler também têm documentado a disseminação de notícias falsas nas redes sociais, que são utilizadas para assediar oponentes políticos e manipular o debate público. A desinformação online evidentemente é um problema global, e foi um aspecto importante nas vitórias eleitorais de outros populistas, como Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil.
Dmitry Muratov, por sua vez, é um dos fundadores e editor-chefe do jornal russo Novaya Gazeta. A publicação tem uma atitude crítica em relação a Putin e aborda temas que raramente são mencionados por outros meios de comunicação do país, em sua maioria censurados abertamente pelo ex-KGB. Corrupção, violência policial, prisões ilegais e fraude eleitoral são alguns dos tópicos explorados.
Seis jornalistas do Novaya Gazeta foram mortos desde a sua fundação, incluindo Anna Politkovskaja, que escreveu artigos reveladores sobre a guerra na Chechênia. Todos os assassinatos ocorreram após a chegada de Vladimir Putin ao poder.
O Novaya Gazeta foi fundado em 1993 por um grupo de ex-jornalistas do Komsomolskaya Pravda, um tabloide russo. Quem investiu no negócio foi Mikhail Gorbatchov, o último líder da União Soviética, que doou os primeiros computadores do jornal. Hoje, estas máquinas que escreveram a história estão expostas em gabinetes de vidro na entrada do prédio.
Ironicamente, o dinheiro utilizado por Gorbatchov para fazer a doação veio do Prêmio Nobel da Paz que ele recebeu em 1990 – entre outras razões, por ter se preocupado em tornar a Rússia um país mais livre e democrático.
Gorbatchovcara cresceu sob o regime de Stalin e viveu a ocupação alemã durante a 2ª Guerra Mundial. Ele estudou direito e seguiu carreira no Partido Comunista, assumindo o cargo mais alto da União Soviética em 1985. Mas Gorbatchov havia viajado bastante pelo Ocidente e já enxergava o sistema soviético como ineficiente, o que o levou a propor reformas que abririam o país.
Ele ordenou a retirada soviética da Guerra do Afeganistão e participou de reuniões com o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, para limitar o uso de armas nucleares e acabar de vez com a disputa entre as potências. O Comitê do Nobel considerou Gorbatchov como uma peça relevante para o fim pacífico da Guerra Fria, o que foi decisivo para a sua premiação.
O político também implementou a glasnost (transparência), uma política que favorecia as liberdades de expressão e imprensa, o que ajuda a explicar seu interesse no jornal. Além disso, seu investimento não foi único: em 2006, Gorbachev, em parceria com o empresário e então deputado russo Alexander Lebedev, comprou 49% da Novaya Gazeta, que andava mal das pernas. Hoje, o ex-presidente detém 10% da publicação, mas nunca usou o veículo para benefício próprio ou participou de decisões editoriais.