O mistério dos telefones do Garfield que aparecem na costa da França há décadas
O fenômeno ocorre há quarenta anos, mas só em 2019 descobriu-se que eles não vieram de um navio afundado, como se pensava.

Não são apenas os piratas que caçam tesouros na areia. Existem várias pessoas que, munidas de detectores de metal, vivem de procurar artefatos que são esquecidos na praia ou trazidos pela água.
Em geral, são joias, eletrônicos, ou antiguidades – a não ser que você esteja no Mar de Iroise, no noroeste da França, onde as ondas trazem telefones fixos no formato do Garfield. Sim, o gato que odeia segundas-feiras.
A aparição inusitada começou nos anos 1980 e, desde então, os moradores encontram cabos enrolados, receptores e pedaços de plástico laranja por toda a costa. Com um sorriso sarcástico, o Garfield sempre volta a aparecer. Só em 2018, foram coletados 200 pedaços de telefones.
“Nunca para. A cada limpeza, coletamos três ou quatro aparelhos inteiros ou em pedaços”, diz Claire Simonin Le Meur, presidente da associação Ar Viltansoù, que recolhe resíduos em praias do Mar de Iroise, em entrevista ao FranceInfo em 2019. “A condição dos telefones é surpreendente. Esses objetos são feitos de plástico rígido e ainda têm suas tintas.”
O Mar de Iroise é uma das áreas mais ricas em vida marinha no mundo e é protegido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) desde 1988. É uma zona de transição biogeográfica importante entre o clima temperado e o clima frio e boreal.
Por muitos anos, ativistas se preocuparam com o impacto ambiental dos fragmentos de plástico do Garfield naquela região, e ninguém sabia exatamente de onde eles vinham. Até 2019, a principal teoria é que se tratava de um naufrágio de um navio de carga que estaria no fundo do mar – o que não seria atípico para a região, próxima a uma das passagens marítimas mais movimentadas do mundo.
Depois da reportagem da FranceInfo em 2018, essa hipótese caiu por terra. A reportagem chamou a atenção de René Morvan, um fazendeiro da região, que relatou que observou os telefones pela primeira vez em meados de 1980, após uma tempestade. Então, ele e seu irmão vasculharam a praia, curiosos, e encontraram um contêiner cheio de telefones do Garfield no fundo de uma caverna.
A maré torna a caverna inacessível durante a maior parte do ano, mas foi acessada por voluntários da organização ambiental Ar Viltansoù em março de 2019, que confirmaram a história de Morvan.
“O penhasco era muito alto e a descida íngreme. A rocha era realmente muito escorregadia, o caos das rochas é uma verdadeira pista de gelo. Estava longe de ser uma caminhada de domingo”, disse Le Meur em entrevista ao Ouest France. “Eu vi pedaços de Garfield e contêineres por toda a caverna. Mas a maior parte dos telefones já se foi, o mar faz seu trabalho há trinta anos. Chegamos depois da batalha.”
Os telefones são um símbolo para uma questão muito maior de poluição plástica nos oceanos. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a cada ano cerca de 1,7 milhão de toneladas de plásticos são jogadas nos oceanos. Esses materiais podem demorar centenas de anos para se decomporem, intoxicando a fauna marinha.
Mesmo quando se degrada, o plástico não desaparece totalmente – se transforma em partículas muito pequenas, os microplásticos. Eles podem ser incorporados por corais e outros animais marinhos, e provavelmente já estão dentro do seu corpo também.