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Os caminhos para acabar com o garimpo ilegal

Para extirpar a mineração feita à margem da lei, são necessárias reformas estruturais: a começar pelo rastreamento da origem do ouro.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 16 fev 2023, 15h42 - Publicado em 16 fev 2023, 15h42

“Não estamos conseguindo contar os mortos.” Esse desabafo de um profissional de saúde que trabalha na Terra Indígena Yanomami, entre os estados de Roraima e Amazonas, foi destaque de uma reportagem da agência Sumaúma, especializada em denunciar as situações precárias nas quais sobrevivem povos originários do Brasil. Era 20 de janeiro de 2023, e as fotos que acompanhavam os relatos remetiam a um genocídio impossível de apagar da memória: o Holocausto.

O norte brasileiro tornou-se cenário de crianças e adultos com desnutrição grave, só pele e ossos à vista. Muitos afetados por malárias recorrentes e seus efeitos devastadores sobre o organismo. Na mesma tarde daquele 20 de janeiro, o presidente Lula decidiu viajar a Roraima para avaliar a crise. Diante dos corpos esquálidos, sem forças para se manter de pé (muito menos ir atrás de comida), decretou emergência de saúde na área.

Outra iniciativa sua chamou atenção: assinou um decreto autorizando a Força Aérea Brasileira a interceptar e abater aeronaves do garimpo ilegal que sobrevoassem o território Yanomami. Isso porque as relações de causa e consequência ali são bem conhecidas: a calamidade dos indígenas vem da mesma mão ávida por metais preciosos em espaços onde ela deveria ser proibida.

Um exemplo? A Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI), em Homoxi, também em Roraima, foi incendiada em dezembro do ano passado. Segundo a Urihi Associação Yanomami, o crime foi cometido por garimpeiros, que também teriam se apossado de uma pista de pouso no meio da floresta, por onde antes chegavam profissionais de saúde à região. Em área de difícil acesso, a UBSI de Homoxi atendia cerca de 700 indígenas que então ficaram sem atendimento médico. 

Mas voltemos um pouco no tempo, a outubro de 2021. Naquele mês, o ex-presidente Jair Bolsonaro também visitou uma Terra Indígena em Roraima: a Raposa Serra do Sol. Seu intuito, porém, não tinha nada a ver com ajuda humanitária. Jair fez um discurso voltado para os garimpeiros que atuam na região. O Conselho Indígena de Roraima apontou que o garimpo ilegal do ouro ganhou intensidade nessa fronteira com a Venezuela justamente em 2019, no primeiro ano de Bolsonaro à frente da República. Foi essa a conclusão de um relatório que aponta o dedo para as ações pró-garimpo do seu governo: “Há uma desestruturação social das comunidades, porque jovens indígenas estão deixando de trabalhar nas roças, só garimpando”. 

Essa cooptação de indígenas pelos garimpeiros com promessas de ouro fácil contribui para as imagens de fome que têm assombrado o planeta. Entre os Sanöma, grupo de etnia yanomami, os homens têm partido para a Venezuela atrás de metais preciosos, deixando as mulheres  sobrecarregadas, sem condições de fazer a roça e pescar ao mesmo tempo em que cuidam das crianças. Além disso, a pesca é frequentemente comprometida pelo envenenamento dos rios por mercúrio (que, em sua forma líquida, ajuda a identificar o ouro em meio ao cascalho). 

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E, já que a caça é atividade masculina ali, passou a faltar proteína no cardápio yanomami. Ao longo do governo Bolsonaro, segundo a Samaúma, 570 crianças indígenas com menos de 5 anos morreram de causas evitáveis – quase 30% a mais que nos quatro anos anteriores, entre os mandatos de Temer e Dilma. 

O que não pode

A diferença primordial entre o que é ilegal aqui e o que está dentro da lei são os territórios nos quais o garimpo pode avançar. Basicamente: não pode entrar em área de preservação indígena, por determinação constitucional. Só tem um problema: há ouro nesses espaços. E esses espaços são grandes: em Roraima, 46,2% do estado é terra indígena. Só que, onde há dinheiro brotando do chão, vai sempre haver grupos tentando burlar a lei a qualquer custo. É como o mercado de drogas. 

O interesse é tanto que garimpeiros com mais posses, ou amparados por grupos econômicos e lobby político, não se assemelham em nada ao estereótipo do homem simples com as mãos num rio tentando identificar um brilho precioso entre pedras comuns. Muitos já trabalham com aviões, helicópteros, retroescavadeiras. É mais do que garimpo ilegal. É mineração ilegal, à margem das normas ambientais que regem a atividade das grandes mineradoras, e feita em áreas proibidas.

Para se ter uma ideia do tamanho do problema, o ouro se tornou, em 2019, o segundo maior produto de exportação de Roraima. E isso mesmo sem que haja nenhuma autorização para lavra garimpeira no Estado. Boa Vista é lar de milhares de garimpeiros, que movimentam o comércio local. Não faltam políticos argumentando que regularizar a extração promoverá emprego e renda em regiões mais pobres.

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Mas fazer isso às custas de um genocídio indígena simplesmente não cabe na agenda de um país sério. 

Curativos em pele vermelha

Não existe uma bala de prata, capaz de resolver o problema de uma vez. Mas há caminhos para melhorar a situação. 

Os mais urgentes passam por salvar vidas. É tornar contínuo o atendimento emergencial dos doentes. E in loco. Para que os indígenas não tenham de viajar por horas para chegar a um posto de saúde. E que esses locais sejam bem equipados. O Hospital Geral de Roraima, que trata os casos graves de malária, ficou três meses seguidos sem cloroquina. Sim, o remédio que o governo Bolsonaro empurrava para pacientes de Covid por curandeirismo, sem embasamento científico, foi criado para tratar malária. Aí, sim, funciona. 

Também é urgente que os programas de proteção aos povos indígenas sejam restabelecidos com sua força total. A mobilização das Forças Armadas para desmantelar as áreas de garimpo, como ocorre agora, é bem-vinda. Mas que a Funai e outros órgãos sejam capacitados para fiscalizar e agir no longo prazo. 

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Outra questão é aumentar a rastreabilidade do ouro, de modo a sufocar o garimpo ilegal. O metal que vem do garimpo tem procedência incerta. Não dá para dizer se veio de uma lavra permitida ou de terra indígena. A lei 12.844, de 2013, permite que as transações sejam baseadas apenas na palavra e na “boa fé” dos envolvidos. Como não existe qualquer mecanismo de rastreabilidade, o ouro ilegal pode ser declarado como vindo de áreas autorizadas. É preciso cobrar licença ambiental, comprovação de origem… medidas que já existem para outras commodities, como a madeira.

É necessário, ainda, que haja esforços conjuntos de diversos ministérios (da Economia, da Justiça… não só do Meio Ambiente) para a desmobilização do garimpo ilegal. E a desintrusão desses homens de terras proibidas tem de ser feita com uma preocupação legítima para que os trabalhadores mais humildes dos garimpos tenham outras formas de se manter. Ou, por mais que o governo esteja alerta, não duvide: eles vão voltar. 

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