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Transplante de porco para humano é um marco – mas está longe de virar solução médica

O primeiro transplante de coração de um porco geneticamente modificado para um ser humano, realizado nos EUA, é um avanço notável; mas procedimentos do tipo ainda terão de enfrentar uma série de desafios técnicos e questões éticas.

Por Luisa Costa
Atualizado em 13 jan 2022, 12h05 - Publicado em 12 jan 2022, 18h56

Na última segunda-feira (10), a Universidade de Maryland anunciou a realização do primeiro transplante de coração de um porco geneticamente modificado em um ser humano. A cirurgia é considerada um marco científico, mas procedimentos desse tipo carregam uma série de desafios e questões éticas.

Como aconteceu

Cirurgiões do Centro Médico da Universidade de Maryland passaram oito horas na noite de sexta-feira (7) realizando o transplante de um coração de porco para o americano David Bennett, de 57 anos, que decidiu tentar o tratamento experimental porque era sua última opção.

Ele estava no hospital há mais de um mês com insuficiência cardíaca terminal, havia esgotado outros tratamentos e estava muito doente para se eleger para um transplante de coração humano.

Após a cirurgia, Bennett ficou conectado a uma máquina de circulação extracorpórea, que substitui temporariamente a função de órgãos vitais de um paciente – como o coração, neste caso. Mas a equipe médica relatou ao jornal The New York Times que o coração transplantado estava funcionando e “parecia normal”.

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A situação de Bennett é incerta, visto o caráter inédito do procedimento, mas ele está sendo acompanhado de perto pelos médicos, que estão de olho em possíveis infecções ou rejeição do órgão pelo corpo do paciente – uma grande preocupação quando o assunto são os xenotransplantes (nome dado aos transplantes realizados entre diferentes espécies). 

Desafios dos xenotransplantes

Transplantes realizados entre humanos são procedimentos delicados, porque o sistema imunológico do indivíduo transplantado pode responder negativamente ao órgão estranho e levar à sua rejeição. Por isso, é considerada a histocompatibilidade entre doador e receptor, e pacientes transplantados costumam fazer uso de imunossupressores – medicamentos que procuram evitar que a rejeição aconteça.

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O risco de rejeição é ainda maior quando o órgão ou tecido transplantado é de outra espécie – e cientistas tentam superar esse desafio há bastante tempo. Na década de 1960, por exemplo, médicos americanos transplantaram rins de chimpanzés em pacientes humanos; mas quase todos morreram em poucas semanas devido a infecções ou rejeição do órgão. Apenas um paciente sobreviveu nove meses.

Em 1984, uma bebê conhecida como Baby Fae, nascida com um raro defeito congênito do coração, recebeu o transplante de um coração de babuíno. Ela também morreu, algumas semanas após o procedimento. Ou seja: os xenotransplantes não são uma ideia nova. 

Nas últimas décadas, as pesquisas nessa área passaram a se concentrar em porcos. Eles oferecem vantagens em relação aos primatas não humanos para a obtenção de órgãos porque são mais fáceis de criar e chegam à fase adulta rápido.

Alguns órgãos desses animais são bem parecidos com os nossos e já foram transplantados com sucesso em outros primatas. Válvulas cardíacas suínas são utilizadas para transplantes em humanos; a pele de porcos pode servir de enxerto temporário; e, em outubro, cirurgiões transplantaram um rim de porco em um paciente humano que havia sofrido morte cerebral. (Você pode conferir sobre esse outro marco científico nesta matéria da Super.)

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Buscando menor possibilidade de rejeição do órgão suíno, os cirurgiões recorreram (no procedimento de Bennett e do paciente com morte cerebral) a órgãos de porcos geneticamente modificados – desenvolvidos pela empresa americana de biotecnologia Revivicor e aprovados pela FDA (agência regulatória dos EUA semelhante à nossa Anvisa).

O animal cujo coração foi transplantado em Bennett teve dez genes modificados. Ele recebeu seis genes humanos e teve quatro genes suínos inativados – alterações para tentar melhorar a compatibilidade entre doador e receptor. 

Essa modificação genética impediu, por exemplo, que o porco produzisse um carboidrato conhecido como alfa-gal, que está presente em todos os mamíferos – exceto primatas, como nós – e pode provocar respostas negativas do sistema imunológico humano.

Na tentativa de evitar a rejeição, a equipe médica do transplante de Bennett também usou um novo imunossupressor – medicamento experimental cujo uso foi aprovado pela FDA, assim como a operação.

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Futuro e questões éticas

Os xenotransplantes dividem opiniões. Eles são vistos por alguns como um avanço médico e o futuro dos transplantes, porque (caso se tornem uma realidade clínica) poderiam salvar vidas, reduzindo o tempo de espera de transplantes.

No Brasil, por exemplo, existe a demanda de 1,2 mil transplantes de coração por ano, mas só 400 são realizados, segundo Fernando Bacal, diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia, afirmou à CNN.

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Mas os xenotransplantes estão longe de se tornar uma solução médica. O procedimento de Bennett foi um marco, mas é um experimento inicial, e o paciente continuará sendo monitorado para que se confirme sua saúde e o sucesso do transplante.

David Klassen, diretor médico da Rede Unida para o Compartilhamento de Órgãos, afirmou ao The New York Times que “eventos como esse podem ser dramatizados pela imprensa, mas é importante manter a perspectiva”. “Leva muito tempo para amadurecer uma terapia como essa”.

Os xenotransplantes estão rodeados de desafios, mas também levantam questões importantes – não só sobre a segurança do paciente, mas também sobre direitos dos animais.

Especialistas em ética médica consideram que, se um dia esses procedimentos se tornarem uma opção concreta, só deverão ser realizados em último caso.

Já ativistas pelos direitos dos animais consideram que os xenotransplantes são perigosos e eticamente condenáveis. Uma das razões seria a modificação genética dos animais para que se tornem “mais parecidos” com humanos e possam servir como fonte de órgãos. Alguns também se preocupam com os efeitos desconhecidos a longo prazo dessa modificação na saúde dos animais.

A organização não-governamental PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), por exemplo, criticou em comunicado oficial o transplante de rim suíno realizado em outubro, assim como o transplante realizado em Bennett. A organização afirma: “Os animais não são depósitos de ferramentas para serem invadidos, mas seres complexos e inteligentes”.

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