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A conquista européia

Com o lançamento de novos satélites e sondas, foguetes mais poderosos e um laboratório em órbita, a Europa se prepara para competir com os americanos e soviéticos fora da Terra.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 31 jan 1990, 22h00

Hermes, que na mitologia grega era filho de Zeus e mensageiro dos deuses, é agora um microônibus espacial criado pela Agência Espacial Européia para dar apoio e servir de leva-e-traz na futura estação tripulada que será construída em órbita da Terra. Como os ônibus espaciais americanos Columbia, Discovery e Atlantis, e o soviético Buran, o pequeno Hermes sobe como um foguete, mas desce planando para pousar como um avião comum numa pista de aeroporto. Ele será lançado em 1996, se tudo correr de acordo com o cronograma, pelo Ariane-5, um foguete tamanho família capaz de colocar dezenas de toneladas de carga em órbita. O Ariane -5 e o Hermes são trunfos poderosos dos europeus na acirrada competição com os americanos e soviéticos pela conquista do espaço. Uma competição em que eles reconhecem estar em terceiro lugar, até porque investem apenas uma quarta parte do que a agência americana NASA gasta no espaço. “Nossa estratégia é compensar com maior eficiência os avanços das outras potências”, entusiasma-se o engenheiro francês Frédéric d’Allest, diretor-geral do CNES (Centro Nacional de Estudos Espaciais), um dos responsáveis pelo sucesso dos foguetes antecessores do Ariane-5, que renderam à Europa 50 por cento do mercado mundial de lançamento de satélites. Enquanto chineses e japoneses ainda engatinham no espaço e os americanos mal definiram suas prioridades depois do acidente do Challenger, os europeus já têm a receita para conquistar sua completa independência tecnológica e um lugar assegurado no Cosmos. Se der certo, o sucesso chegará em dez anos no mínino.

Em primeiro lugar, a ESA pretende continuar com os lançamentos da série Ariane, iniciados em 1979 da base de Kourou na Guiana Francesa. Depois, vão colocar em órbita o Hermes, capaz de enviar uma tripulação até o Columbus, o laborátorio europeu que será acoplado à estação americana Freedom (SUPERINTERESSANTE número 8, ano 3). O desenvolvimento desses três projetos prevê um investimento de 13 bilhões de dólares, 10 bilhões de dólares a menos do que a NASA pretende gastar apenas com a construção da Freedom. Nenhum dos países europeus poderia desenvolver por sua própria conta um programa dessas proporções. Ele será financiado pelos trezes membros da ESA – Alemanha Ocidental, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Inglaterra, Itália, Irlanda, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e principalmente a França, que desde a década de 60 desenvolve um programa autônomo no espaço. Além desse plano a longo prazo, a ESA pretende continuar com os lançamentos que já vem fazendo de satélites de observação meteorológica, para orientação de navegação marítima e aérea, telecomunicações e coleta de informações científicas. Visando à maior eficiência pregada por d’Allest, a ESA criou o Grande Simulador Espacial em Noordwijk, na Holanda, onde os satélites são submetidos às mesmas condições de quase ausência de gravidade, bombardeio de radiação e choque térmico existentes no espaço.

Já passou pelo simulador e deve entrar em órbita até o fim do ano o satélite ERS-1, para sensoriamento remoto. A exemplo dos seus colegas da linha Spot, também europeus, ele servirá para fotografar a Terra, mais na faixa de microondas. Isto significa que suas imagens vão revelar a superfície do planeta sob a cobertura de poluição ou de chuva, o que é de extrema importância, por exemplo, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, que estão sempre encobertas por nuvens. A ESA também prosseguirá o seu programa de lançamento de satélites meteorológicos da série Meteosat, estacionados a 36 mil quilômetros em órbita equatorial. As imagens desses satélites são muito utilizadas porque cobrem extensas áreas e chegam a cada trinta minutos à Terra. Também está previsto para junho deste ano o lançamento do Olympus, o mais novo modelo de satélite de comunicação que pretende a integração, via televisão, de todo o território europeu.

No que se refere à pesquisa do sistema solar, os europeus participam, junto com os americanos, da missão Cassini, que prevê o lançamento de uma nave em direção a Saturno em 1996. Uma sonda européia deve analisar a atmosfera e a composição do solo de Titã, um satélite do planeta que tem as mesmas características ambientais que a Terra apresentava antes do início da vida, há cerca de 2 bilhões de anos. A nave Ulisses, também resultado da colaboração com os americanos, tem lançamento previsto para o próximo dia 5 de outubro. Ela deve ficar na órbita do Sol e passar pelos seus pólos, sempre em posição impossível de serem observados da Terra. Depois da Ulisses, subirá a Soho, em 1995. Ela estacionará a uma distância segura do Sol, perto o suficiente para poder analisar o seu comportamento. E em seguida os Cluster, quatro pequenos satélites que observarão a interrelação do plasma solar com o campo magnético terrestre. Mas a base que sustenta o cenário europeu de independência espacial é o Ariane-5, cujo lançamento está previsto para 1995. Com esse foguete, de mais de 50 metros de altura, será possível competir com os Titãs americanos e o soviético Energia. Ele é um veículo de três estágios que usa um motor de hidrogênio e oxigênio líquido capaz de colocar 4,5 toneladas de carga em órbitas muito altas, ou seja, qualquer tipo de satélite. Ele também poderá carregar 20 toneladas de equipamento em órbita baixa, ou o microônibus Hermes, que levará tripulantes e material para a estação espacial. Com o Ariane-5, os europeus podem realizar todos os seus projetos sem depender de carona nos propulsores das grandes potências.

Mesmo os foguetes Ariane-4, usados atualmente, são importantes substitutos dos ônibus espaciais, embora tenham a desvantagem de carregar metade da carga. Em 8 de agosto do ano passado, um modelo do Ariane-4 colocou em órbita o satélite Hipparcos, que deveria elaborar um catálogo da posição das estrelas com uma precisão cinqüenta vezes maior do que a dos observatórios terrestres. O lançamento foi bem-sucedido, mas o satélite apresentou um problema ao se posicionar em órbita. Se ele sobreviver mais alguns meses, poderá cumprir uma parte de sua missão. O contratempo, no entanto, serviu para mostrar os riscos do programa espacial, em que “é preciso aprender com as derrotas e partilhar os benefícios”, como afirmou diplomaticamente o engenheiro Frédéric d’Allest, do CNES.Nos próximos dois anos será a vez de enviar o I (Observatório Espacial Infravermelho, em inglês) também a bordo de um Ariane-4. Ele deverá captar as menores fontes de calor emitidas por corpos longínquos. Se tudo correr bem dessa vez, o I terá duas missões: aperfeiçoar a cartografia do infravermelho, já realizada pelo satélite IRAS, que funcionou de janeiro a novembro de 1983, e descobrir astros ainda desconhecidos. Para coroar a sua programação, a Europa Ocidental pode construir e lançar com seus próprios meios uma estação espacial com tripulação permanente, caso os Estados Unidos decidam novos cortes nas verbas destinadas à Freedom. “Se a cooperação com os americanos ficar impossível, temos a capacidade para desenvolver nosso projeto de forma autônoma”, aposta o diretor do Centro Espacial Francês, Jean-Marie Luton. Mas a princípio ele calcula que o laboratório Columbus, de forma cilíndrica e medindo 13 metros, será acoplado ao núcleo principal da Freedom e servirá para pesquisas científicas. Está prevista também a construção de um outro módulo, chamado Eureca, mantido a cerca de 50 quilômetros da estação para ser usado em experiências que não podem sofrer perturbações pela presença constante de tripulantes. Será construída outra plataforma, a DRS, para a ligação entre a estação, as torres retransmissoras terrestres e as naves intermediárias como o Hermes. A primeira missão do Hermes será levar a tripulação de espaçonautas — como os europeus orgulhosamente gostam de chamar os seus homens no espaço, para diferenciar dos austronautas americanos e cosmosnautas soviéticos — à Columbus. A nave mede 16 metros de comprimento. A cabine de comando, que pode ser ejetada em caso de acidente, tem espaço para três tripulantes. Atrás dela há um compartimento pressurizado que serve de dormitório, cozinha, laboratório e área de exercício, e junto da cauda funciona a câmara de onde se pode sair para passeios no espaço.

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O desenho do Hermes foi modificado para permitir que a nave seja acoplada à Mir, onde os soviéticos costumam bater recordes de permanência no espaço. Como fazem com os americanos, os europeus realizam programas conjuntos com os soviéticos. Foi na antecessora da Mir, a Salyut-7, por exemplo, que o francês Jean Loup Chrétien passou uma temporada em 1982. Mas a direção da ESA está convencida de que, assim que começar a funcionar, o Columbus vai permitir “mais independência e um aumento radical da capacidade de trabalho e de experimentação do homem no espaço”. Depois disso, ela espera que sua obstinação seja recompensada e a Europa se torne finalmente uma potência espacial do primeiro time.

Para saber mais:

Um espelho para o Cosmo

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(SUPER número 11, ano 3)

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