A Internet nos deixa estúpidos: entrevista com Mark Bauerlein
Para o americano Mark Bauerlein, é preciso tirar os jovens da rede para que passem mais tempo com os pais - e, assim, fiquem mais inteligentes
Eduardo Szklarz
Será que a era digital faz bem aos nossos neurônios? Para o professor americano Mark Bauerlein, a resposta é não: se você tiver menos de 30 anos, considere-se membro da geração mais estúpida da história. É desse jeito, sem meias palavras e com altas doses de provocação, que ele descreve os estragos gerados pela era digital, em seu livro The Dumbest Generation (“A Geração Mais Burra”, inédito no Brasil). Bauerlein diz que os jovens andam tão distraídos com celulares, MSN e orkut que deixam de prestar atenção em assuntos importantes, como história e política. Encerrados em seu casulo tecnológico, onde só falam com pessoas da mesma idade, os jovens estão vivendo como Peter Pan – numa eterna adolescência alienada dos conhecimentos mais elementares. Professor de inglês da Universidade Emory, nos EUA, Bauerlein analisa essa transformação citando dados: em 2001, 52% dos teens americanos não sabiam que a União Soviética foi aliada dos EUA na 2ª Guerra Mundial. Ou: os jovens de 15 a 24 anos lêem só 8 minutos por dia, mas passam quase 4 horas vendo TV. “Nenhum grupo na história abriu tamanha fissura entre suas condições materiais e suas realizações intelectuais”, diz.
Como a internet piora a inteligência dos jovens?
Eu me refiro principalmente a 4 elementos: curiosidade intelectual, conhecimento histórico, consciência cívica e hábitos de leitura. Os jovens têm lido cada vez menos nos EUA. E estou dizendo livros, jornais e revistas, que ainda são o principal e o mais importante acesso ao conhecimento.
Mas a web não pode ser útil para o conhecimento?
Poderia, mas os garotos não se importam com essas coisas. Eles não visitam um site de um grande museu para ver as pinturas. Preferem visitar seu perfil pessoal na internet ou fazer upload das fotos da última festa, ou escrever em seu blog como odeiam a escola. Segundo o instituto Nielsen Media Research, 9 entre os 10 sites mais populares entre os adolescentes são redes de relacionamento. É isso que as ferramentas significam para eles: um meio social.
Como a internet está mudando nossa sociedade?
Para ser saudável, qualquer sociedade precisa ter uma forte interação entre jovens e adultos. Uma relação em que os adultos possam criticar os garotos por serem ignorantes, inexperientes e egoístas. Quando eu era adolescente, ia à escola, jogava basquete com meus amigos, evitava meus inimigos e, ao voltar para casa, a vida social terminava. Durante o resto do dia, eu tinha de estar junto dos meus pais e escutá-los conversar sobre dinheiro, responsabilidades da casa, a Guerra do Vietnã… Hoje, um garoto de 15 anos vai para casa e se fecha no quarto para falar pelo celular, entrar no blog e mandar mensagens de texto. Os adolescentes estão formando seu próprio universo, longe da realidade adulta.
Essa falta de convivência é falha dos pais?
Pais e professores deram muita liberdade e responsabilidade aos jovens. Muitos pais gostam de internet, TV e videogames porque eles servem de babás. Por isso, os adolescentes só se preocupam com eles mesmos. Se os pais não forem ativos e vigilantes, os garotos vão basear toda a sua realidade – suas idéias, valores e gostos – uns nos outros.
E qual seria a solução? Proibir a internet?
De forma nenhuma. O problema não é a tecnologia, e sim como a pessoa a utiliza. O desafio é quebrar o domínio de redes de relacionamento.
É possível tirar os jovens da internet?
É possível estabelecer um momento em que eles desliguem o celular, apaguem o computador e leiam um jornal, uma revista ou um livro. Nessa “hora da leitura”, os meninos podem ler o que quiserem. Não têm que ler Jorge Luis Borges ou Moby Dick. O importante é que possam ficar sentados, sem interrupção, e focar-se no texto. Depois disso, podem voltar a jogar videogame! A idéia é colocar um muro entre eles e os amigos durante uma pequena parte do dia.
Acha que isso vai dar certo?
Já vem dando certo com alunos meus. Quando lhes digo que precisam passar um tempo desplugados, ou não fazer o dever com a TV ligada, vejo que eles relaxam. Acho que muitos jovens já estão cheios de tantas conexões, celulares e e-mails. Realmente gostariam de dar um tempo. Mas pense no que aconteceria. Imagine que você está na faculdade e não tem orkut. Você está fora! A pressão é enorme. É como se tivesse 5 anos e ninguém quisesse brincar com você.
O filósofo David Weinberger diz que a internet incentiva o conhecimento compartilhado. Concorda?
Essa idéia de conhecimento como um processo coletivo é interessante, mas ainda existem muitas incertezas sobre ela. Por exemplo, no caso do conhecimento histórico. Muitos se perguntam qual o sentido de saber sobre dom Pedro 2º quando dá para procurá-lo na Wikipédia. Mas a questão é: estudamos dom Pedro 2º só para saber quando ele nasceu, as coisas que ele fez e o ano em que morreu? Ou estudamos figuras históricas como essa para desenvolver idéias sobre caráter, honra, inteligência e moral?
Como assim?
As informações devem remeter a algo mais profundo, que faça você pensar sobre quem é ou nas coisas em que acredita. Quem são os seus heróis? E os seus vilões? Portanto, as pessoas que defendem a idéia de conhecimento coletivo talvez não entendam o quanto é importante essa formação individual.
Weinberger também diz que mais importante do que o conhecimento é a compreensão dos fatos…
Sim, concordo, mas a compreensão é um processo bastante lento. E a internet agita tanto os garotos que muitos professores nos EUA já acham difícil mandar os alunos ler um livro com mais de 200 páginas. Os adolescentes não conseguem se concentrar por muito tempo. Um argumento complexo ou um poema difícil viraram coisas irritantes para ser assimiladas.
Na Antiguidade grega, as velhas gerações já criticavam o comportamento das mais novas. Há algo de novo nessa história?
É realmente uma história velha, mas acho que precisa ser repetida. Os adolescentes nunca cresceram com tanto dinheiro nem com tanto acesso a livrarias, museus, faculdades e entretenimento. Muitos deles pensam: “Nós somos os maiores!” Precisamos botar um freio nisso e mostrar que eles não são tão especiais, tão diferentes nem tão brilhantes assim. É natural que pensem dessa forma, faz parte da natureza humana – e a internet inclusive cultiva essa atitude.
Mark Bauerlein
• Tem 49 anos e vive com a família em Atlanta, EUA.
• Gosta de romances policiais de Raymond Chandler, John MacDonald e Jim Thompson. Para leitura “séria”, prefere Dostoiévski e Dante.
• Tem ficado mais tempo na internet do que gostaria, respondendo a e-mails de pessoas revoltadas com seu livro The Dumbest Generation. Mas ele leva o debate com humor. “Isso mostra que os jovens se importam”, diz.
• Está voltando a praticar artes marciais, depois de machucar o joelho treinando chutes de caratê.