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Anãs marrons: O brilho das estrelas negras

Na Via Láctea talvez se escondam trilhões de anãs marrons, que não emitem luz, mas concentram raios de outros astros. Elas podem perfazer 90% de todo o Universo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 31 mar 1994, 22h00

Thereza Venturoli, Gisela Heymann

A quantidade de estrelas no Universo é tão absurdamente grande que a imaginação do homem não é suficiente para visualizar a imensidão indicada pelos cálculos astrofísicos. No entanto, mesmo inimaginável, esse número pode não chegar a 10% do total de objetos que rodopiam na escuridão que, daqui da Terra, nos parece vazia. Onde está essa massa perdida e do que ela é composta são algumas das questões mais importantes da Astronomia atual, que, respondidas, podem indicar um caminho para a solução de outros enigmas, como, por exemplo, se o Universo vai expandir-se para sempre ou contrair-se novamente, um dia. As primeiras pistas para o esclarecimento desse mistério negro vêm da Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia a 180000 anos-luz da Terra (1 ano-luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros).

Observando a vizinha galáxia, duas equipes de pesquisadores — uma francesa, outra de cientistas americanos e australianos — encontraram, no final do ano passado, um estranho fenômeno conhecido como microlente gravitacional. Esse fenômeno acontece quando um objeto com massa passa em frente a uma estrela, provocando um eclipse às avessas: em vez de ocultar a estrela, o objeto funciona como uma grande lupa que pode ampliar o brilho ou produzir múltiplas imagens do astro.

A eventual confirmação da descoberta das microlentes gravitacionais no halo da Via Láctea demonstraria que ao menos parte da tão procurada matéria escura do Universo pode estar na região mais externa e obscura das galáxias, na forma de objetos do tamanho próximo ao de Júpiter, que não emitem luz visível. (Apesar disso, esses objetos podem emitir outras formas de luz, não visíveis, como raios infravermelhos.) Três dos cinco candidatos a microlente gravitacional foram identificados pela equipe australo-americana liderada por Charles Alcock, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore e do Centro de Astrofísica de Partículas da Universidade da Califórnia, no final de 1993.

O melhor desses candidatos foi “visto” em setembro passado. Depois de vasculhar cerca de 1,8 milhão de estrelas da Grande Nuvem, durante mais de um ano, as potentes câmeras digitais da Universidade, em Berkeley — que utilizam os maiores chips sensores de luz do tipo CCD já empregados em pesquisa científica —, flagraram uma delas brilhando até sete vezes mais que o normal, por cerca de um mês. “Eu já estava pensando em baixar nossas expectativas sobre a quantidade de matéria escura que poderia ser atribuída a grandes objetos do halo, quando, de repente, o programa cuspiu esse lindo caso”, conta Kim Griest, da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley.

Quase ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, a equipe francesa do Centro de Estudos de Saclay, em Gif-sur-Yvette, anunciava a identificação de outros dois casos, depois de rastrear 3 milhões de estrelas na mesma galáxia. Apesar de nenhum dos novos candidatos apresentar uma variação de luminosidade tão intensa quanto o primeiro caso americano (as demais quatro estrelas tiveram seu brilho no máximo duplicado), tudo parece indicar que, antes de chegar à Terra, a luz das estrelas mais distantes pode mesmo esbarrar em obscuros objetos existentes no halo da Galáxia.

“Ainda é muito cedo para dizermos, com certeza, que objetos são esses”, ressalvou Alcock, por telefone, a SUPERINTERESSANTE, em cautelosa unanimidade com os outros descobridores. “Mas as principais suspeitas recaem sobre as chamadas anãs marrons.” As anãs marrons têm a medida exata para completar o quebra-cabeça da matéria escura. Com menos de um décimo da massa do Sol, essas estrelas abortadas, compostas de hidrogênio e hélio, têm uma temperatura interior baixa demais para gerar reações termonucleares e acenderem-se como estrelas de verdade. Porém, sua força de gravidade é suficientemente grande para atrair e desviar a luz que passa por elas.

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Mas quantos desses corpos giram realmente no halo? Nas fantásticas cifras astronômicas — onde uma diferença da ordem de mil ou milhão é desprezível —, eles podem chegar a 1 trilhão. “Mas, dependendo da massa desses corpos, esse número pode subir até a 1 quatrilhão”, salienta o líder da equipe americana. (Compare-se com o total de estrelas visíveis na Via Láctea, em torno de 100 bilhões.) Do começo das experiências até o final de fevereiro, os pesquisadores franceses esperavam encontrar não apenas dois, mas cinco casos. “Isso indicaria, num primeiro momento, que as anãs marrons constituem apenas parte da matéria escura”, explicou Michel Spiro, da equipe de Saclay, à reportagem de SUPERINTERESSANTE. Mas a hipótese de que toda a massa do halo escuro seja composta pelas “anãs morenas”, como dizem os franceses, não pode ser ainda descartada. Os astrofísicos calculam que teremos de esperar, pelo menos, mais dois ou três anos pelas primeiras conclusões definitivas das pesquisas.

É que, quando se trata de eventos tão difíceis de serem detectados, qualquer conclusão tem que ser baseada nas leis da probabilidade. Para se ter uma idéia da raridade desses acontecimentos, a identificação do primeiro caso de microlente pelos cientistas americanos exigiu o estudo de 1,8 milhão de estrelas; até localizar os outros dois casos, foi necessário rastrear 10 milhões de estrelas. Assim, para reduzir a margem de erro, os astrofísicos esperam reunir uma amostra de exemplos bem maior do que a que têm atualmente.

Mas será que o brilho detectado pelos cientistas americanos e franceses foi causado realmente por microlentes gravitacionais? Para os “advogados do diabo”, o que os cientistas “viram” poderiam ser, em princípio, apenas estrelas variáveis. Algumas dessas estrelas têm sua magnitude aparente aumentada ou reduzida por pertencer a um sistema binário, onde outra estrela, mais fraca, passa periodicamente à sua frente, provocando um eclipse temporário. Outro tipo de estrela variável deve suas alterações de brilho a pulsações no seu tamanho e na sua temperatura.

Existe, ainda, outra hipótese: a cintilação das estrelas poderia ter sido gerada por explosões como as que acontecem, a cada onze anos, na superfície do Sol. Essas explosões levantam labaredas de matéria incandescente de até milhares de quilômetros de altura, que depois voltam a mergulhar na superfície estelar. Mas, para o brasileiro José Antonio de Freitas Pacheco, do Instituto Astronômico e Geofísico, da Universidade de São Paulo, os suspeitos do caso das microlentes têm bons álibis. Em primeiro lugar, as variações observadas são acromáticas, ou seja, iguais em diferentes comprimentos de onda — o que não acontece nas estrelas variáveis conhecidas, nem nos casos de explosões solares.

Não seria um novo tipo de estrelas variáveis, ainda desconhecido? Entre papéis, livros e mensagens trocadas pelo computador com institutos de pesquisa do mundo todo, em seu gabinete de trabalho, o astrofísico Pacheco responde com outra pergunta: “Por que então nunca encontramos uma dessas novas estrelas variáveis na própria Via Láctea, tão maior que a Grande Nuvem de Magalhães?” Assim, as anãs marrons são hoje as candidatas prefe-ridas por nove entre dez astrofísicos para preencher o vazio do halo escuro.

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A caçada à matéria escura do Universo intriga os cientistas há mais de meio século. Tudo começou nos anos 40, quando o astrônomo suíço Fritz Zwicky, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, estudava a estrutura dos grupos ou aglomerados de galáxias. Ele verificou que a massa visível não era suficiente para justificar a velocidade de rotação das galáxias dentro dos aglomerados. Ou seja, para manter seu equilíbrio dinâmico, os aglomerados galácticos precisariam conter muito mais massa. “Hoje, existem dúvidas sobre o equilíbrio dinâmico desses aglomerados”, continua Pacheco. “Mas sabe-se que as conclusões de Zwicky são válidas para cada galáxia, isoladamente.”

Na década de 80, as pesquisas começaram a confirmar que pelo menos 50% da massa da Via Láctea escapava aos instrumentos astronômicos. Estudos posteriores demonstraram que a maior parte dessa massa estaria concentrada no halo, e não no disco da Galáxia. Mas os telescópios só conseguem ver ali poucas estrelas antigas, em quantidade insuficiente para gerar a força gravitacional que mantém a Galáxia inteira. Até agora, os únicos indícios da presença desses “fantasmas gordos” eram cálculos matemáticos, como os de Zwicky, demonstrando que a curva de rotação de nuvens de gases existentes nos limites do disco da Via Láctea permanece constante, ao invés de cair com o raio. E, mesmo assim, ninguém jamais detectara uma estrelinha sequer escapando dos braços da Galáxia para o breu infinito… Portanto, tem que existir ali algo que não se vê.

No campo da teoria — onde prati-camente tudo é permitido, até sonhar — essa alguma coisa invisível que gira ao redor da Galáxia poderia ser um tipo de matéria diferente desta que nossos sentidos e instrumentos conseguem perceber. A partir daí, a busca pela matéria escura dividiu os cientistas em duas grandes torcidas: uma, apostando nas WIMPs e outra, nos MACHOs. WIMPs é a sigla em inglês para designar partículas subatômicas, restos das primeiras etapas da formação do Universo, que interagem muito pouco com a matéria conhecida.

Os principais concorrentes ao título de matéria escura, neste time, são os neutrinos dotados de massa — partículas elementares da família do elétron. Mas a torcida acredita também em outras partículas, como áxions, gravitinos e fotinos, exóticas tanto no nome quanto no comportamento. Até há pouco tempo, o grupo dos WIMPs era francamente favorito. Mas, com as últimas descobertas no halo da Galáxia, o placar está subindo em favor do time dos MACHOs — sigla que designa objetos compostos de matéria comum, chamada bariônica, formada por simples e bem conhecidos prótons e nêutrons. Além das grandes vedetes, as anãs marrons, este grupo inclui, ainda, outras possibilidades, como buracos negros, pulsares e anãs brancas.

Os astrofísicos desta torcida afirmam que não existe razão alguma para que a massa que falta na Galáxia não esteja, pelo menos em parte, em corpos constituídos de matéria bariônica, como a que conhecemos. A simples contagem dos bárions visíveis em estrelas e aglomerados mostra que a quantidade de matéria brilhante é bem menor do que deveria ser, segundo a teoria de formação dos primeiros elementos do Universo. Conclusão: tem de existir muito mais matéria convencional escondida por aí. A torcida dos MACHOs tem ainda outro ponto a favor. “Afora os neutrinos, não temos nenhum indício de que outras partículas elementares do tipo WIMPs realmente existam, muito menos de que possuam alguma massa”, argumenta Pacheco.

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Isso poderia decretar a sentença de morte dos WIMPs como candidatos à matéria escura. Mas, atenção: isso só vale para as galáxias, individualmente. Porque nem toda a matéria bariônica que possa existir no halo de todas as galáxias é suficiente para chegar à quantidade de matéria que se calcula exista nos aglomerados galácticos, ou seja, no Universo, em escala maior. E aí, nesse caso, haveria chance de ressuscitar os exóticos WIMPs. Por enquanto, a descoberta das anãs marrons no halo da Galáxia só coloca mais lenha na fogueira da discussão sobre a geometria do Universo.

“Para descobrir se o Universo é aberto ou fechado — quer dizer, se ele vai se expandir para sempre ou voltar a se contrair um dia — é preciso saber a densidade de toda a matéria existente e sua relação com uma determinada densidade crítica”, explica o astrofísico Laerte Sodré Júnior, também do Instituto Astronômico e Geofísico, da USP. Matematicamente, se essa relação for menor do que 1, o Universo será aberto; caso contrário, se for maior que 1, será fechado. “É muito difícil medir a densidade exata do Universo”, afirma Pacheco. “Mas as medidas mais confiáveis não vão muito além de 0,3 — o que ainda deixa, teoricamente, muito espaço para os WIMPs.”

De qualquer maneira, o Universo espacialmente plano, simbolizado pelo número 1, não passa, por enquanto, de teoria —ou de crença. Uma crença que, para se transformar em fato, terá que materializar ainda muito mais “fantasmas gordos”. Para Sodré Júnior, a questão continua aberta. “Este não é um problema em que haja espaço para opiniões; ao contrário, qualquer conclusão depende de pura observação científica.”

Para saber mais:

Olhar eletrônico

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(SUPER número 3, ano 1)

Velozes raios do sol

(SUPER número 6, ano 4)

Depois do Hubble

(SUPER número 8, ano 4)

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Terra à vista

(SUPER número 10, ano 5)

Atenção, tripulação!

(SUPER número 7, ano 8)

À procura de novos mundo

(SUPER número 11, ano 8)

Quanto pesa a matéria escura

Foi medindo a massa da Galáxia que se descobriu a matéria escura. Essa medida é calculada pela velocidade de rotação dos corpos no disco e no halo. O halo é uma região esférica que envolve todo o disco, que é plano.

É no halo, onde se enxergam poucas estrelas visíveis, que deve estar a maior parte da matéria invisível da Galáxia. Segundo o astrofísico José Antonio de Freitas Pacheco, é muito difícil tirar as medidas exatas da Via Láctea. Mas as massas aproximadas do disco e do halo são as seguintes, indicadas nas duas balanças. (Os valores são calculados em massas solares, sendo que 1 massa solar é aproximadente 2 x 10 30kg)

Neutrinos – Partículas subatômicas da mesma família dos elétrons, que interagem muito pouco com a matéria comum. Principais candidatos do grupo dos WIMPs, ainda não se comprovou se os neutrinos têm massa

Gravitinos – Pela chamada teoria da supersimetria, são uma espécie de alter ego das partículas que transmitem a energia gravitacional, os grávitons. Produto de uma teoria matemática altamente especulativa, ainda não se sabe se essas partículas realmente existem

Fotinos – Espécie de irmãos gêmeos das partículas subatômicas que conduzem a energia luminosa, os fótons. Como os gravitinos, por enquanto os fotinos também só existem na moderna teoria da supersimetria

Buracos negros – Os corpos mais densos do Cosmo, de cujo campo gravitacional nenhuma forma de energia consegue escapar — nem a luz.Resultado da morte de estrelas de massa muito elevada, que são raras, eles não devem existir em número suficiente para justificar toda a massa perdida da Galáxia

Pulsares – Estrelas com massa próxima à do Sol e diâmetro de cerca de 10 km, que emitem impulsos de rádio com grande regularidade.A Galáxia é muito nova para conter a quantidade de pulsares necessária para explicar toda a massa da matéria escura

Anãs brancas – Estrelas mortas, com diâmetro próximo ao da Terra e, no máximo 1,4 massa solar, de brilho fraco. Elas precisariam ter surgido em grande número no início da Galáxia e se resfriado mais rapidamente do que prevêem as teorias hoje mais aceitas

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